Ainda faltava comprar o presente da minha sobrinha mais nova e o da minha sogra. Parei no El Corte Ingles para resolver estas últimas pendências natalinas. Enquanto procurava vaga para estacionar, vi uma mulher com duas crianças buzinando loucamente e gritando palavras lamentáveis para um outro motorista que supostamente havia roubado sua vaga. Pensei “é o espírito neurótico do natal”.

Segundos depois, pensei no quão incoerente era o meu pensamento. Tudo o que o natal não deveria ser é neurótico ou propenso a este tipo de situação. Então comecei a imaginar no que Jesus Cristo pensaria se visse as nossas comemorações natalinas. Eu não sou lá muito religiosa, mas tenho uma simpatia por Jesus, e não gostaria de ver o rapaz aborrecido no próprio aniversário.

Nós conseguimos transformar o natal no avesso do que ele deveria ser, é realmente impressionante. A única coisa que mantivemos foi a ideia de família porque há um presépio frequentemente nos lembrando disso. Deveríamos ter uma tranquila e pequena celebração de amor, simplicidade e empatia. E passamos a fazer festas megalomaníacas de fartura, consumo e materialismo.

Me pergunto o que Jesus pensaria ao ver as brigas por vaga nos estacionamentos dos shoppings. Pessoas descontroladas pensando única e exclusivamente nas compras, no dinheiro, nos preços e nos pacotes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Me pergunto o que Jesus pensaria da ideia de que as crianças façam cartas ao Papai Noel/Pai Natal encomendando uma imensa lista de brinquedos caros que eles viram nas propagandas da televisão, entre um desenho animado e outro.

Me pergunto o que Jesus pensaria da fartura nas nossas mesas, cheias de entradas, pratos, sobremesas, bebidas, louça bonita e copos escolhidos, mesmo sabendo que bem perto das nossas casas há gente com a mesa, o armário e o estômago absolutamente vazios.

Me pergunto o Jesus pensaria dos nossos olhares de análise para as roupas dos nossos familiares, da nossa crítica ao estilo de vida que cada um leva, dos comentários que fazemos baixinho acerca dos outros, da preocupação dos nossos adolescentes com as selfies e da falta de diálogo e de paciência com os velhinhos.

Me pergunto o que Jesus pensa da nossa dinâmica de trocar presentes e de frequentemente acharmos que certos presentes que recebemos são porcaria, ou que demos coisa muito melhor do que ganhamos. O que pensaria das crianças abrindo pacotes intermináveis sem nem saber a quem agradecer.

Eu acho que Jesus já começa a ficar triste no início de dezembro, vendo as pessoas fazerem listas imensas de coisas para comprar, o comércio fazendo com que as pessoas confundam afetos com presentes, a pressa, o stress, tão pouca calma e tão pouca reflexão.

Não conheço Jesus pessoalmente, mas tenho certeza de que ele olha para tudo isso bem chateado, balança a cabeça devagar, suspira e diz “essa gente realmente não entendeu nada do que a gente tentou explicar”.