1. Vivemos tempos maus em Portugal. A mentira torna-se “verdade” e a verdade é atacada como uma “traição anti-patriota” ou como um “desejo para que tudo corra mal” de mentes afectadas por ideologias pérfidas. O PSD e o CDS teriam que sofrer de um elevado grau de masoquismo para desejarem que tudo corra mal e voltarem ser forçados a impor “austeridade” aos portugueses. Será que alguém julga que governar nessas circunstâncias constitui um exercício político apetecível? Além disso, deve custar muito ver um governo destruir de um modo irresponsável o que foi alcançado com sofrimento e sacrifícios de milhões de pessoas. Este governo está a conduzir Portugal de novo para o desastre.

E o governo sabe isso; por isso, mente para esconder o que está a fazer. A mentira como método de governo está a destruir a democracia. Vejamos o que aconteceu nas duas últimas semanas. O governo enviou o plano orçamental para Bruxelas, de acordo com a legislação ratificada pelo Parlamento e com os votos a favor do PS. A Comissão Europeia escreveu uma carta a pedir emendas ao orçamento. O governo enviou três (TRÊS) cartas com medidas adicionais (e a Comissão recusou as duas primeiras como insuficientes). No fim, Mário Centeno alterou o orçamento em mais de mil milhões de Euros.

Mas mesmo assim Bruxelas não ficou tranquila com o orçamento deste governo. Numa medida inédita, convocou uma sessão extraordinária do Colégio de comissários com um único ponto para discussão: o orçamento português. E o resultado da reunião de ontem, ao contrário do que muitos disseram, não foi a aprovação do plano orçamental. O que diz então a Comissão?

Em primeiro lugar, “Portugal corre o risco de incumprimento com as regras do Pacto de Estabilidade.” Em segundo lugar, “a Comissão apela às autoridades portuguesas para adoptarem as medidas necessárias para que o orçamento de 2016 respeite as regras do Pacto de Estabilidade.” Se isto significa a “aprovação” do orçamento, o primeiro-ministro tem claramente um problema com a palavra aprovação. Não entende certamente a palavra do mesmo modo que a maioria dos portugueses. Obviamente, a Comissão recusou a proposta de orçamento do governo português, tal como rejeitou a primeira e a segunda emendas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ou seja, este governo colocou Portugal sob “aviso vermelho” (o vermelho é definitivamente a cor favorita deste governo) da Comissão. Em Abril, Maio, teremos o regresso da triste e desgastante novela Lisboa-Bruxelas. Estas duas semanas, de resto, mostraram como será a vida deste governo: um estado de negociação permanente sobre questões orçamentais. Internamente, estará sempre a negociar com o PCP e com o BE (pobre Centeno, por esta altura deve ter pesadelos com o João Oliveira e a Mariana Mortágua). Na frente externa, iniciou um conflito orçamental com a União Europeia, com altos e baixos, mas que acompanhará o governo até ao fim, e com tendência para piorar com o tempo. Um governo que queria “começar um tempo novo” já se condenou a estar refém das questões orçamentais e financeiras, em vez de se concentrar no crescimento económico e nas reformas que o país precisa. Temos um governo que em lugar de governar para melhorar o futuro do país, está a ajustar contas com o passado.

Em grande parte, o governo português iniciou o conflito com a União Europeia devido a uma análise errada do momento político europeu. Convenceu-se que a crise dos refugiados e o referendo britânico levariam Bruxelas e Berlim a serem muito mais tolerantes em relação a desvios orçamentais. Quem se preocuparia com Portugal quando se joga o futuro de Schengen, e talvez da própria Merkel, e a manutenção do Reino Unido na EU? Mas os cálculos do governo estavam errados. Os parceiros europeus fazem uma distinção entre as questões da zona Euro e o problema dos refugiados e continuam a seguir com muita atenção tudo o que possa provocar uma nova crise na zona Euro. Aliás, juntar à crise dos refugiados uma crise do Euro é que deve ser evitado a todo o custo. Por isso, e mais uma vez numa situação invulgar, Merkel elogiou o anterior PM ao lado de António Costa.

Bem sei que a esquerda fica atónita sempre e quando a direita faz oposição ao seus governos. No mundo ideal das esquerdas, elas vão para o governo, seja qual for o resultado eleitoral, esperando que a direita fique calada e quieta na oposição. Mas, em democracia, não há nada mais salutar e patriótico do que manter o poder político sob escrutínio. Agora, por vontade das esquerdas, compete à direita estar fora do governo. Assim será. A oposição será feita com zelo. Habituem-se.

2. Marcelo Rebelo de Sousa escolheu Fernando Frutuoso de Melo para chefe da Casa Civil, A escolha não poderia ter sido mais acertada, dada a experiência e competência demonstrada por FFM nos anos que trabalhou na Comissão Europeia. Além disso, Rebelo de Sousa terá um canal directo para Bruxelas, sem depender das informações dadas pelo governo. Num momento em que Bruxelas faz parte da política nacional, o novo Presidente escolheu muito bem.