Polémica. Incoerente. Politiquice. Incompreensível. Não têm faltado comentários e críticas à decisão de Passos Coelho de o PSD votar contra a descida da TSU. Contudo, pouco ou nada se tem ouvido sobre o resto. Ora, neste caso, o resto é tudo. Não há quem se interrogue sobre o significado da ruptura do PCP, que está na origem desta polémica? Ou quem se preocupe em discutir a sequência de irresponsabilidades que levaram a que o Governo precisasse do voto do PSD para viabilizar o acordo que fez – sobretudo quando, para matérias estratégicas como a Concertação Social, havia o compromisso público de a “geringonça” ser auto-suficiente? São estas as perguntas que não se fazem. E são estes silêncios que, no final do dia, tanto explicam sobre o estado anestésico da política nacional. Retomemos o assunto, ponto por ponto.

1. No âmbito da Concertação Social, o Governo não envolveu a direita nas negociações. Não tinha de o fazer, claro. Mas, assim, os termos políticos do acordo para o aumento do salário mínimo para 557 euros e para a descida da TSU para os patrões foram negociados pelo PS com os partidos à esquerda, dentro das limitações possíveis.

2. Era conhecido que, nas negociações, seria impossível satisfazer as pretensões dos partidos à esquerda. António Costa soube sempre que não teria garantias políticas de PCP-BE-PEV para descer a TSU. Mas isso não o levou a envolver os partidos à direita ou o impediu de avançar e aceitar o risco de ver o seu Governo estabelecer na Concertação Social um acordo que não poderia cumprir. Ou primeiro-ministro confiou que o PCP não desafiaria o Governo, submetendo o acordo à votação no parlamento. Ou o primeiro-ministro fiou-se que, caso o PCP fizesse o número, não haveria consequências pois o PSD sentir-se-ia institucionalmente coagido a viabilizar o acordo saído da Concertação Social. Enganou-se duplamente.

3. O PCP desafiou o Governo. Os comunistas anunciaram que chamariam o decreto-lei do Governo ao parlamento, para votar contra e revogá-lo. O PCP poderia ter-se limitado a criticar a descida da TSU para os patrões – a discordância política é natural, mesmo entre parceiros de Governo. Mas não. Ao forçar uma votação no parlamento, o PCP colocou o Governo numa situação de grande desconforto. E obrigou o BE, que também critica a descida da TSU, a juntar-se no voto contra, isolando o PS e deixando-o na dependência dos partidos da direita. Quem tem amigos assim não precisa de inimigos.

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4. O PSD decidiu que, se tiver de votar o decreto-lei, votará contra. É certo que a coerência política é discutível. No passado, o PSD mostrou-se favorável à descida da TSU, embora num contexto diferente, no qual a descida servia a competitividade e não a compensação do aumento do salário mínimo. Mas, em termos de coerência, o próprio PS tem telhados de vidro pois, no passado recente, foi um feroz opositor a descidas da TSU para os patrões. Coerente ou não, esse é um debate estéril. A questão objectiva é que votar contra será sempre uma opção politicamente legítima – e o resto é conversa.

5. Seja por uma razão ou por outra, o Governo falhou em garantir condições políticas para negociar na Concertação Social. A constatação tem particular pertinência se nos recordarmos que, no final de Novembro de 2015, essa foi uma das condições que Cavaco Silva estabeleceu para indigitar António Costa primeiro-ministro. Nessa altura, era já evidente o risco de, num Governo PS apoiado pela tríade PCP-BE-PEV, a Concertação Social ficar enfraquecida. Cavaco Silva exigiu, portanto, a António Costa que, através da sua solução de governo com as esquerdas, assegurasse ter força política para negociar e validar acordos na Concertação Social. António Costa deu a garantia. Hoje ficou visível que essa garantia não resistiu à prova da realidade.

6. O Governo tem um problema e esse problema não é o PSD – é o PCP (e o BE). É que o PS tem um plano de poder suportado por uma maioria parlamentar que não o apoia em todas as questões estratégicas da governação. Este episódio demonstra-o: toda a tensão política existente hoje foi causada pela iniciativa do PCP de impor uma votação parlamentar ao acordo para a TSU saído da Concertação Social, para tentar revogar o diploma. Como se sabe, o PCP nunca dá ponto sem nó, pelo que o acto lança dúvidas sobre a estabilidade do apoio parlamentar ao Governo. Afinal, que consequências terá esta atitude e o que é que isso nos diz face ao calendário político de 2017?

Estes seis factos levam-nos até ao bloqueio em que estamos hoje. O Governo foi imprudente ao negociar na Concertação Social o que não podia cumprir. O PCP entalou o Governo e provocou uma crise política. Mas, no debate público, está tudo focado no PSD, contra quem não faltam pressões para alterar o seu sentido de voto contra. É absurdo, mas não é surpreendente. Afinal, a tradição ainda é o que era: os fracassos dos governos são sempre culpa da oposição.