Eles estavam mas afinal não estiveram.
Eles aplaudiram mas afinal estavam apenas a abanar as mãos.
Eles assinaram mas bem vistas as coisas fizeram um risco.
Eles procuravam estar a seu lado quando os fotógrafos apareciam mas iam sim a afastar-se.
Eles disseram-lhe sempre que sim mas afinal estavam a responder a uma voz que quiçá ouviam no telemóvel.
Eles são os instrumentalizados. Um grupo de inimputáveis e irresponsáveis que em Portugal se caracterizam por ter apoiado Sócrates, frequentemente ocuparam cargos a seu convite sem nunca se terem questionado face aos diversos casos em que o então primeiro-ministro se viu envolvido. Mas é esse mesmo grupo que agora se declara enganado pelo mesmo José Sócrates, para o efeito transformado numa espécie de super-vilão.
O boneco pode ser tentador mas não cola com a realidade. Sócrates não tinha uma vida solar como o super-líder socialista e outra como super-vilão que governava em proveito próprio. Segundo o Ministério Público, Sócrates “sobrepunha-se” aos poderes delegados nos ministros ou secretários de Estado, contactando administradores das empresas públicas RAVE e REFER ou membros do júri dos concursos.” Conclui a acusação que o antigo primeiro-ministro “instrumentalizou” vários ministros e secretários de Estado na área das obras públicas, mas também das finanças”. Note-se que o Ministério Público diz que Sócrates os levou a adoptarem “práticas ilegais”. E eles, segundo o Ministério Público, adoptaram-nas. Espantosamente, pergunto eu e não o Ministério Público, esta gente nunca teve uma dúvida? Nunca estranhou nada?
Os instrumentalizados eram ministros, secretários de Estado, administradores das empresas públicas. Ou seja gente que pela sua formação tem de ser capaz de perceber quando está a ser instrumentalizada. Se não o percebem claramente não podem ocupar cargos dessa natureza. Mas não é essa a conclusão que os instrumentalizados retiram pois na sua natureza não está assumirem as responsabilidades pelo quer que seja. E por isso, tal como há anos lhes serviu na perfeição a imagem de um Sócrates líder imbatível e inquestionável, agarram-se agora à caricatura de um Sócrates super-vilão que os enganou. Simultaneamente incensam o novo líder, cuja infalibilidade como de costume não questionam.
Este Sócrates super-vilão que todos enganava ao seu redor sem que ninguém dessa plêiade suspeitasse de nada tem servido também para isentar de responsabilidades as políticas dos seus Governos. Mas não foram os milhões que o Ministério Público diz José Sócrates ter recebido nem o apartamento que o antigo primeiro-ministro remodelou em Paris que nos levaram à falência e à austeridade. Foram sim as suas políticas. Na verdade a cascata de casos em que Sócrates se viu envolvido a par da devassa da sua mais que estrambólica vida privada acabaram a desviar a atenção das consequências das políticas dos seus governos.
E assim em 2017 tal como em 2009 os aumentos antes das eleições – a funcionários públicos em 2009, a pensionistas em 2017 – continuam a ser usados para captar votos. Qualquer obra ou decisão desde que revestida do papel de lustro do progressismo torna-se em 2017, tal como nos tempos de Sócrates, um desígnio que só os bota-abaixistas questionam. A disponibilidade para acreditar no “sem custos para o utilizador” mantém-se intocável. E numa similitude que inquieta vemos entre os socialistas a mesma disponibilidade para vaiar quem pergunta o que pode incomodar o seu líder adorado do momento.
Os instrumentalizados por Sócrates eram pressionados a adoptar “práticas ilegais” através de argumentos como a importância estratégico-política e económica do projeto de alta velocidade para Portugal, além da necessidade de aproveitar os fundos comunitários. E os instrumentalizados de hoje quais serão os argumentos usados para os levar a tomar medidas para satisfazer não o Grupo Lena mas sim a oligarquia dos sindicatos da função pública? E como explicarão o seu aval ao uso de verbas da Segurança Social no imobiliário? Ou a sua inviabilização ao apuramento da verdade na CGD? Não duvido de que dentro de anos teremos os instrumentalizados do actual Governo. Tal como os instrumentalizados de Sócrates também não assumirão quaisquer responsabilidades. Resta saber quem irão culpar pela sua instrumentalização.
Sócrates com a sua tralha grotesca de malas cheias de dinheiro, fotocópias e envelopes com garrafas acabou a tornar-se no “arguido útil”: enquanto se fala dos seus alegados milhões, das suas alegadas casas, da mãe alegadamente pobre… ilibam-se os seus governos das suas responsabilidades políticas. E essas não são alegadas nem dependem de nenhum julgamento criminal. São reais.
Por fim arrisco um aviso: o antigo primeiro-ministro é novo e as penas cumprem-se num instante. Logo Portugal pode muito bem vir a ter José Sócrates candidato. A Belém, por exemplo.