Como explicar que um recente acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que contraria a legislação portuguesa sobre uma causa fracturante, não tenha sido notícia?! Não é preciso ser Sherlock Holmes para suspeitar que, se no nosso país essa notícia não foi notícia, é porque alguém a censurou. E, se algum poder tem o poder de converter uma notícia numa não-notícia, é de temer que a liberdade de expressão esteja em risco em Portugal.
Mas, antes de mais, eis a dita notícia, que quase toda a imprensa silenciou: o TEDH, com sede em Estrasburgo, declarou, por unanimidade, a 6 de Junho de 2016, que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não reconhece um suposto direito a contrair matrimónio com uma pessoa do mesmo sexo (Chapin e Charpentier contra França, nº 40183/07, sobre a anulação, pela justiça francesa, de um casamento celebrado, em 2004, por dois homens, violando a lei francesa). Segundo o TEDH, o artigo 12º da referida Convenção “consagra o conceito tradicional de matrimónio, como união de um homem e uma mulher” e não exige a nenhum governo “que permita o casamento de um casal homossexual (§36, com referência a Gas e Dubois contra França, nº 25951/07, § 66)”. Por sua vez, o Centro Europeu para a Lei e a Justiça, dirigido por Gregor Puppink, aplaudiu a decisão do TEDH, que considerou conforme à interpretação autêntica da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Que um tal veredicto proceda de um órgão como o TEDH é particularmente relevante, porque havia quem pretendesse que o acesso ao impropriamente chamado ‘casamento homossexual’ fosse um direito humano, inviabilizando desta forma um eventual referendo, com o pretexto de que os direitos humanos não se discutem, nem se referendam. Ora acontece que, como agora esclareceu o TEDH, o alegado direito ao casamento com uma pessoa do mesmo sexo não é nenhum direito humano. E, não o sendo, a sua consagração no ordenamento jurídico é discutível e, obviamente, referendável.
Talvez alguém entenda que esta surpreendente decisão do TEDH não é significativa, na medida em que apenas expressa o parecer de pessoas que só se representam a si próprias. É verdade que o veredicto deste tribunal não goza de legitimidade democrática, como aliás nenhuma sentença judicial, tese científica ou prémio Nobel. Mas esta decisão é particularmente significativa, na medida em que foi aprovada pelos 47 juízes dos 47 países que integram o TEDH.
Não é provável que esses 47 magistrados sejam todos extremistas homofóbicos, até porque os juízes desse tribunal são escolhidos entre os mais capazes e competentes jurisconsultos europeus. Pelo contrário, muito provavelmente alguns dos juízes que tomaram, por unanimidade, esta decisão, são próximos de pessoas homossexuais, se é que alguns deles o não são também. Seria portanto absurdo supor que decidiram contra o bem dos seus familiares e amigos, ou contra o seu próprio interesse pessoal.
Esta decisão judicial não expressa, portanto, uma discutível opção ideológica, em cujo caso poderia ser homofóbica, mas um consenso científico sobre a natureza jurídica do matrimónio, com o devido respeito por todas as pessoas, quaisquer que sejam as suas opções de vida. Aliás, o mesmo tribunal fez questão em afirmar que esta sua posição não infringe o princípio da não-discriminação, porque “os Estados são livres de reservar o casamento apenas para os casais heterossexuais.”
É importante esta consideração porque, em geral, os defensores destas causas fracturantes, à míngua de razões de natureza científica ou racional, arrastam a polémica para o terreno emocional e da ofensa pessoal: ser contra o casamento homossexual é – dizem – sinónimo de ser racista, inimigo da liberdade humana e, obviamente, homófobo. Uma tal posição não explica, contudo, um facto comprovado: a de que muitos dos que defendem a improcedência de um casamento entre pessoas do mesmo sexo, por razões de exclusiva ordem ética e jurídica, são também – como é o meu caso – acérrimos defensores do total respeito pela liberdade e dignidade pessoal. Aliás, também entre as pessoas homossexuais não faltam as que são contrárias à equiparação das uniões de pessoas do mesmo sexo ao casamento civil.
Como sempre acontece nestes casos, esta sentença baseia-se num conjunto de considerações filosóficas e antropológicas, relatórios científicos e precedentes legais. Entre estes, recorde-se não só o já citado artigo 12º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, relativo ao direito ao casamento; mas também o artigo 14º, que proíbe qualquer discriminação; o artigo 17º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, relativo à proteção da família; e, ainda, o artigo 23º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Nada de novo, portanto.
Há já vários anos, o Dr. Pedro Vaz Patto e eu procurámos contribuir serenamente para este debate, em obra conjunta patrocinada por uma corajosa editora (Porque não, Aletheia Editores, 2009). Apesar de ser uma publicação tão moderna que tinha dois pais e nenhuma mãe, foi premiada, no acto da sua apresentação, com uma manifestação de protesto e, depois, com um mal disfarçado boicote à sua distribuição. Não em vão se arremete contra a democracia totalitária …
Na ditadura do politicamente correcto, há sempre vozes incómodas a silenciar. Pena é que certa comunicação social, seguramente por medo de alguns poderosos lóbis, alinhe na conspiração do silêncio, até ao ponto de omitir, como foi agora o caso, uma sentença aprovada, por unanimidade, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.