Fui torturada e violada. Tudo foi gravado e foi feito um filme a partir do que aconteceu. Fui chantageada. Fui obrigada a assinar uma declaração em que afirmo que me tinha convertido [ao islamismo] e que tinha casado com o meu raptor. Foi-me dito que, se recusasse, a minha família seria morta. Quando a minha mãe foi à polícia para me trazer de volta, o caso foi levado ao Tribunal Supremo de Lahore, que decidiu a favor do meu raptor e obrigou-me a viver com ele. Duas semanas mais tarde, à meia-noite, fugi e fui à polícia. Confirmei que era cristã. Mas a polícia apoiou o homem que me tinha raptado e que ameaçava matar-me. Ele e os seus apoiantes, alguns membros do partido islâmico de linha dura Tehreek-e-Labbaik, do Paquistão, pediram que eu fosse morta. Toda a minha família – a minha mãe, as minhas irmãs, o meu irmão e eu – está escondida, fechada num compartimento. Os suspeitos foram vistos na zona, a perguntar por nós.

Este é o impressionante testemunho de Maira Shahbaz, de 14 anos, que vive em Madina Town, na província paquistanesa do Punjab, que foi raptada por um grupo de terroristas islâmicos. Desde então, a sua vida tornou-se um autêntico inferno. Infelizmente, não é um caso único porque, como ela própria escreveu no editorial do boletim da Fundação AIS (Ajuda à Igreja que Sofre) dedicado a este drama, “muitas outras raparigas e mulheres jovens, não só cristãs mas também de outros credos, são vítimas de rapto, violação, conversão e casamento forçados”, no Paquistão, na Síria, no Iraque, na Nigéria, em Moçambique, no Egipto, no Sudão, etc.

A história de Maira Shahbaz recorda a de Farah Shaheen, também cristã paquistanesa, mas ainda mais nova, pois tinha apenas doze anos quando foi raptada. “A tragédia ocorreu a 25 de Junho de 2020, quando Farah Shaheen estava em casa, em Faisalabad com o avô, os seus três irmãos e duas irmãs. Nesse dia, ouviu-se uma pancada na porta. Quando o avô a abriu, três homens entraram de rompante, agarraram Farah e forçaram-na a entrar numa carrinha. Ansiosa, a família de Farah foi depois informada de que ela estava agora casada com um homem chamado Khizar Amad Ali (Hayat) e que se tinha convertido ao islamismo. A própria Farah contou mais tarde à BBC: ‘Eu estava acorrentada a maior parte do tempo … Foi terrível. Puseram-me correntes nos tornozelos e amarraram-me com uma corda. Tentei cortar as correntes, mas não consegui. Rezava todas as noites, dizendo: ‘Meu Deus, ajudai-me, por favor!’ O seu pai, Asif Masih, que estava a trabalhar na altura do rapto, disse à Fundação AIS: ‘Farah disse-me que foi tratada como uma escrava … Foi forçada a trabalhar o dia todo, a limpar o estrume num terreno para o gado. Eles violaram repetidamente a minha filha.’ O pai de Farah também contou à Fundação AIS o que aconteceu quando denunciou à polícia o rapto da filha: ‘chamaram-me chuhra [sujo]. A polícia recusou-se a ouvir-me’ e não quis registar o incidente. ‘Empurraram-me e agrediram-me fisicamente’.

Maira Shahbaz e Farah Sheheen foram vítimas de terroristas que, com pretexto religioso, raptam, violam, ‘casam’ e ‘convertem’ jovens cristãs. Sempre houve e haverá extremistas que realizem este tipo de crimes, mas o que acontece no Paquistão, bem como em outros países muçulmanos, não são apenas delitos, mas um autêntico terrorismo de Estado. Criminosos sempre os houve em todos os países e religiões, mas a função do Estado e da comunidade internacional, através da lei, das forças de segurança e dos tribunais, é precisamente defender os cidadãos destas ofensas à vida, integridade física e liberdade religiosa.

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Decerto, não se pode responsabilizar o islamismo por estes crimes de crentes nessa religião, como também não se pode condenar o catolicismo por um seu sacerdote que tenha realizado actos abomináveis. Nestes casos, mesmo que a Igreja não responda, nem civil nem criminalmente, pelos actos praticados por esse seu indigno ministro, que é deles o único responsável, cabe à entidade religiosa não só condenar veementemente essas acções, sob pena de conivência, como agir disciplinarmente contra o seu autor, nomeadamente demitindo-o das suas funções. Assim se tem feito desde que, com São João Paulo II, Bento XVI e Francisco, se implementou a tolerância zero para a pedofilia na Igreja, criando procedimentos que tornaram praticamente impossíveis os abusos de menores nas instituições católicas. Bom seria que todos os países e religiões seguissem este exemplo.

Infelizmente, o mesmo não se pode dizer do islamismo porque, mesmo que na teoria desaprove estes crimes, não condena os que, invocando razões de ordem religiosa, os praticam. Ao contrário da Igreja católica, que não aplica castigos corporais e rejeita liminarmente a pena capital, a sharia prevê pesadíssimas sanções, que vão desde a flagelação pública à mutilação, sem excluir a pena de morte. Mas, salvo alguma honrosa excepção, não consta que os muçulmanos que raptam, violam e escravizam adolescentes, sejam julgados e condenados pelos tribunais islâmicos, embora pratiquem esses crimes em nome da religião que dizem professar. E, como se costuma dizer, quem cala consente.

É de saudar que o Imã de Al-Azhar, no Egipto, reconhecida autoridade doutrinal islâmica, tenha assinado, em Abu Dhabi, a Declaração da Fraternidade Humana, que o Papa Francisco também subscreveu. Neste documento “condena-se o facto de forçar alguém a aderir a uma determinada religião”. Por virtude deste compromisso, o Santo Padre e o Imã de Al-Azhar “anunciam e prometem levar este documento às autoridades, aos líderes influentes, aos homens de religião do mundo inteiro, às organizações regionais e internacionais competentes, às organizações da sociedade civil, às instituições religiosas e aos líderes do pensamento; e empenhar-se na divulgação dos princípios desta Declaração em todos os níveis regionais e internacionais, solicitando que se traduzam em políticas, decisões, textos legislativos, programas de estudo e materiais de comunicação.” Infelizmente, contudo, não parece que esta louvável intenção esteja a ser implementada nos países muçulmanos.

É necessário que os Estados em que estes abusos acontecem não sejam reféns de grupos extremistas religiosos, como o Daesh, Boko Haram, etc. Da mesma forma que, num país maioritariamente cristão, há que respeitar a liberdade de não professar o Cristianismo e de ser crente de outra religião, ateu ou agnóstico, também nos países islâmicos o Estado tem de garantir a liberdade religiosa dos cidadãos, sobretudo dos que, por seguirem uma religião minoritária, mais carecem dessa proteção, que lhes deve ser reconhecida pela lei, garantida pelas forças de segurança e tutelada pelos tribunais. Na medida em que estão em causa direitos humanos, Portugal, bem como os restantes Estados democráticos, deveriam agir diplomaticamente junto das autoridades correspondentes, em defesa dos direitos humanos das mulheres raptadas, violentadas, forçadas à conversão ao islamismo e ao casamento com os seus raptores.

Também a sociedade civil pode e deve agir. É lamentável o silêncio conivente das associações ditas de defesa da mulher, que não intercedem por estas raparigas, sujeitas a uma infame escravatura e exploração sexual. É também pena que as ululantes instituições contra o racismo, sempre tão reivindicativas quando se trata de defender os seus interesses, permaneçam mudas em relação a este escândalo, que atinge tantas jovens de famílias cristãs, objecto de um abjecto racismo de natureza religiosa.

Ao concluir o seu impressionante depoimento, Maira Shahbaz lança um angustiante apelo, a que ninguém deveria ficar indiferente: “Quem nos vai ajudar? Quem vai falar por nós? Quem se preocupa com a nossa situação?

Dar a conhecer o drama destas jovens é já uma forma de as ajudar, mas que não lhes falte também o apoio da nossa oração e da nossa solidariedade efectiva, nomeadamente através da tão benemérita Fundação AIS, que tanto ajuda a Igreja que sofre.