Vários políticos e intelectuais querem convencer os portugueses que a direita se tornou radical e a extrema-esquerda, em dois meses, ficou moderada. A narrativa – como agora se diz – apresenta António Costa como muito “humano” (até aparece na Caras), em contraste com o “frio” Passos Coelho. Do mesmo modo, a “doce” Catarina e o “bonacheirão” Jerónimo são mais “moderados” que o “maquiavélico” Portas. Até o Observador, na mente conspirativa de Pacheco Pereira, se tornou uma publicação “da direita radical”, apesar de ser dirigida pelo mesmo diretor que convidou Pacheco a escrever no Público.

Esta tentativa constitui uma das maiores farsas do debate político nacional e vira a realidade exactamente ao contrário. Seria o mesmo que ensinar aos alunos de Geografia que Portugal está na Nova Zelândia. Em grande medida a farsa explica-se pelo modo como se discute o pensamento e as posições políticas em Portugal. Neste domínio, Portugal aparece como uma ilha completamente isolada do mundo. As categorias políticas que se aplicam em toda a Europa não servem para o nosso país. Para muitos (incluindo alguns do “velho” PSD), Portugal tem dois partidos de esquerda (PCP e BE), dois partidos de centro-esquerda (PS e PSD) e um partido do centro (CDS). Ou pelo menos tinha sido sempre assim até Passos e Portas chegarem ao poder.

Se colocarmos os mesmos partidos no Parlamento Europeu, vejam como o retrato fica muito diferente. O PCP e o BE passam da esquerda para a extrema-esquerda (juntos no grupo mais radical de esquerda e anti-europeu); o PS continua no centro-esquerda; e o PSD e o CDS passam para a direita (ou centro-direita para as almas mais sensíveis). Nas classificações partidárias, Portugal continua fora da Europa, trinta anos depois de ter assinado o Tratado de Roma. Usamos o Euro, estamos em Schengen, votamos nas eleições europeias, mas o alinhamento dos nossos partidos continua algures entre 1975 e 1985. Dito de outro modo, a esquerda e os intelectuais do regime fazem tudo para manter este lado do “orgulhosamente sós.” Todas as heranças do Estado Novo que beneficiam a esquerda são mantidas com zelo e profissionalismo.

Os portugueses de direita devem fazer tudo para colocar Portugal no seu lugar: na Europa e no mundo ocidental. A extrema-esquerda, a esquerda, a direita e a extrema-direita na Europa são o mesmo em Portugal. Está na altura de acabar com todas as heranças do “orgulhosamente sós”. A direita tem que derrotar a esquerda para enterrar definitivamente os restos do Estado Novo. Na semana que passou, assistimos a dois exemplos que demonstram claramente onde estão os extremos políticos em Portugal.

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Comecemos em França. Ninguém tem qualquer dúvida sobre o posicionamento político da Frente Nacional: é um partido de extrema-direita. Na última semana, eu vi toda a direita portuguesa a mostrar uma grande preocupação com o crescimento da Frente Nacional em França (aliás, mostrou bem mais do que a esquerda). Há ainda outro ponto óbvio: em Portugal não existe uma Frente Nacional. Ou seja, é muito simples: em Portugal, não há extrema-direita. Quem quiser argumentar que a direita portuguesa se tornou “extrema-direita”, terá que demonstrar as semelhanças entre o PSD e o CDS e a Frente Nacional francesa, o termo de comparação correcto.

Vamos agora para fora da Europa, atravessando o Oceano Atlântico até à Venezuela. Encontramos um governo que impôs um regime de violência política sobre o seu povo. Prendeu opositores políticos, usa a força indiscriminadamente e restringiu a liberdade de imprensa. Perdeu agora as eleições – com a oposição a alcançar uma maioria de 2/3 no Parlamento – mas ameaça começar uma guerra civil. Desde as eleições, o Presidente Maduro ainda não parou de citar Estaline, esse grande campeão da democracia e da liberdade. Quem em Portugal apoiou com fervor e entusiasmo o socialismo de Chavez? O PCP, o BE e muitos sectores do PS. O antigo primeiro-ministro socialista Sócrates desenvolveu mesmo uma relação de proximidade política com Chavez. Claro que agora, para a esquerda, é incómodo falar da Venezuela.

Mas a Venezuela pode ainda tornar-se um problema para o governo português. Existe uma grande comunidade portuguesa no país, maioritariamente contra o governo de Maduro e a favor da oposição. O que dirá o governo português se Maduro usar a violência e não respeitar os resultados eleitorais? Será que há vozes no PS capazes de celebrar a vitória das forças democráticas e condenar o regime chavista? E haverá alguma voz no BE – só uma – que diga que se enganaram e que a experiência chavista foi um desastre para a Venezuela? Haverá alguém no BE que pense pela sua cabeça e que tenha alguma coragem? Eis a diferença entre a direita e a esquerda em Portugal. A direita condenou sempre a Frente Nacional. Parte da esquerda defendeu e apoiou Chavez e Maduro. Quem não entende esta diferença, não percebe a importância da democracia.

Na farsa que estão a tentar vender aos portugueses, mais do que transformar a direita em extrema-direita, estão a tentar criar a ideia que ser de direita é uma posição extremista e radical. O que faria de Portugal um país único no mundo. O único país sem uma direita democrática. Passa-se o oposto. A direita portuguesa é absolutamente democrática, moderada e europeia. Mais, além da Espanha, Portugal é o único país na Europa onde não há um partido extrema-direita. Para mim, uma razão de grande orgulho no nosso país. Podemos não ter a melhor direita da Europa, mas Portugal é o melhor país europeu em termos da direita que tem. Tivéssemos uma esquerda igualmente tão boa, e seríamos um país bem melhor.