Para onde vamos? Para onde nos levam? Que destino nos espera?
Um ano de António Costa e ninguém sabe responder. Toda a política do Governo é justificada com um só objectivo: “repor rendimentos”. Todas as medidas que toma caem numa só categoria: taxas e taxinhas para pagar essa política.
Há um ano falavam-nos de crescimento, agora só nos falam de défice. Há um ano garantiam que iam salvar a economia promovendo o consumo, agora garantem que vão salvá-la apostando nas exportações.
Têm sempre na boca a urgência da “diminuição das desigualdades” mas vão deixar de pedir a solidariedade aos pensionistas que recebem mais de 7.000 euros ao mesmo tempo que não aumentam dezenas de milhares de recebem menos de 275 euros.
No seu Congresso sobem à tribuna para dizer que são socialistas, não europeístas, mas no Orçamento obedecem à Europa, não às promessas que fizeram (e às leis que eles mesmo aprovaram há um ano).
Uma semana aplaudem uma tirada anti-capitalista, na semana seguinte ouvem o líder dizer que aquela não é a sua linguagem, mais uns dias passados e espantam-se quando quase nem acreditam que o ministro das relações com a geringonça disse que “não existe isso de “capitalismo”, nem existe isso de “socialismo”.
Teria graça se não fosse trágico. Gostássemos ou não das duas políticas, era habitual sabermos para onde os governos de Portugal nos queriam levar. Até em Sócrates houve, durante algum tempo, uma aparente coerência nos desígnios. Agora isso não sucede, e nada melhor o ilustra do que este Orçamento.
Mudou a estratégia económica? Não faz mal, como já não fizera mal ter elaborado um minucioso plano de relançamento da economia – a chama “Agenda para a década” – e depois tê-lo deitado todo borda fora para assinar o compromisso com bloquistas e comunistas. Em 2015, ano em que a economia cresceu 1,6%, proclamava-se que era necessário “romper com a resignação perante o empobrecimento”. Agora que se prevê que a economia cresça ainda menos em 2016 e 2017 justifica-se tudo com a “conjuntura económica internacional”, o eterno bode expiatório dos socialistas.
O essencial não é desenhar uma política coerente e apontar um rumo para o país — o essencial é ter sempre um discurso afinadinho que permita justificar os fracassos e as reviravoltas. É só isso que, de resto, se consegue espremer das muitas entrevistas que primeiro-ministro e vários ministros deram nas últimas semanas.
O essencial é também manter o barco à tona de água, o que se faz atirando para o futuro os problemas e esperando que o medo do regresso ao poder do PSD e do CDS contenham as ambições de um Bloco de Esquerda que já anunciou que vai aprovar um orçamento que não é de esquerda e acalmem um PCP cujos sindicalistas estão estranhamente silenciosos mesmo quando é evidente a degradação dos sacrossantos “serviços públicos”.
É por isso que, mais do que sinalizar uma “mudança de estratégia económica”, o Orçamento de 2017 prossiga na mesma estratégia política que já vinha de 2016: navegar à vista, ir calafetando os buracos, atirar com os problemas lá mais para a frente, no fundo aguentar-se no poder sem um rumo nem um desígnio que não esse mesmo, o de permanecer no poder até ao momento tido como mais conveniente para tentar a sorte em novas eleições.
Em 2016 a forma como o Governo programou as devoluções de salários aos funcionários públicos (os que ganhavam acima de 1500 euros, é bom recordar) permitiu que o custo no OE deste ano fosse mais reduzido do que será no OE de 2017. O mesmo sucedeu com as 35 horas e os custos inerentes. Ou com a iníqua redução do IVA na restauração, que só produziu efeitos na segunda metade do ano. Todos estes custos (e quebras de receita) serão agora transportados para 2017, ano em que se repete a mesma estratégia. O caso mais evidente é o aumento das pensões, que só terá efeito a partir de Agosto. Ou a redução gradual das retenções na fonte da sobretaxa de IRS, que ajuda a receita fiscal no início do ano e penaliza no final. Mas de novo todos os custos inerentes serão transportados para 2018, ano em que o “monstro” será ainda um pouco maior.
Entretanto, apesar destes estratagemas, como se foi aguentando o barco? Em 2016, realizando cativações que estão a deixar os serviços públicos à beira da ruptura, cortando no investimento como nunca antes se vira e tendo ainda de recorrer a um “perdão fiscal” para ter uma ajuda no final do ano. Mesmo assim eu, que sou céptico por natureza, só acreditarei nos números finais depois de os ver, pois quem está habituado a olhar para execução orçamental está tão céptico como eu sobre o objectivo dos 2,5%.
Em 2017 já conhecemos dois destes estratagemas: para levar a Bruxelas os números que Bruxelas quer, o Governo já orçamentou uma receita extraordinária (os 450 milhões da garantia do BPP, que dependem dos tribunais…) e outra quase extraordinária (o saque de 450 milhões de lucros do Banco de Portugal, mais do que triplicando a sua contribuição para o Orçamento).
É fácil perceber as consequências. Por um lado, rapa-se o fundo ao tacho, indo buscar receitas especiais; por outro, coloca-se mais peso sobre a mesa do Orçamento, levando para 2018 ainda mais encargos e tornando o futuro equilíbrio orçamental ainda mais difícil.
E é assim que vamos, com o país deixando-se ir ora porque está narcotizado – ajuda muito não ter os sindicatos da CGTP a denunciarem todos os dias que há dificuldades nos hospitais e faltas graves nas escolas –, ora porque a desistência de fazer a mais mínima das reformas permite que ninguém se sinta incomodado e venha para a rua protestar, ora sobretudo porque esse mesmo país nada faz – e sobretudo nada investe – quando sente que a incerteza é grande e o rumo ziguezagueante.
Não são só pessoas como eu, que sempre critiquei esta solução governativa, que têm consciência que assim vamos esbarrar numa parede daqui por uns tempos. Foi Paulo Trigo Pereira, deputado independente do PS, aqui mesmo no Observador, que defendeu que “o OE2016 e o OE2017 mostram que é possível fazer diferente (TIA, There Is Alternative), mas que essa diferença não é sustentável a prazo se não houver também uma TIA à escala europeia dentro de poucos anos”. Nunca gostei de defender políticas cujo êxito não depende de nós, do que formos capazes de fazer, mas sim de outros. Mas ainda gosto menos de o fazer com base em quimeras: a Europa não vai ser mais solidária no futuro, pelo contrário; o euro não vai ter regras mais flexíveis, pelo contrário, pois vamos continuar a perder soberania orçamental; os países do Norte nunca pagarão as facturas dos países do Sul, nem perdoarão as dívidas, nem transferirão recursos como sucede num Estado federal, pois nunca a Europa será um Estado federal em dias da minha vida (e ainda bem, pois nesse dia deixaríamos de viver em democracia).
É por tudo isto que sinto que andamos por aqui como sonâmbulos, sem destino nem fito, entretidos com o dia-a-dia e iludidos com a aparente doçura da ausência de conflitualidade. Caminhamos para um abismo qualquer (juros a 4% e DBRS a cortar o rating?) ou então conformamo-nos com o empobrecimento relativo e uma estagnação sem fim à vista nem esperança de reversão.
António Costa vai gerindo o dia seguinte. Nós vamo-nos afundando, mas ao menos já nem queremos saber. O que é a pior de todas as condições.
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