Os ex-bloquistas Daniel Oliveira, Ana Drago e, claro, Rui Tavares pontificam entre os promotores da plataforma/movimento/candidatura/projecto “Tempo de Avançar”. Respondendo a um alegado “sentimento de urgência nacional”, o movimento propõe-se “mudar a política e as políticas em Portugal”. Os 250 promotores, além de declararem considerar a “organização da resistência, mais do que nunca necessária”, desejam “contribuir para a construção de uma alternativa à austeridade, à destruição do Estado Social, à precariedade e à desigualdade”.
Para o efeito, como é hábito na respectiva área política, convocaram uma convenção. Daí resultou uma intenção de candidatura às eleições legislativas de 2015. “Tempo de Avançar” agrega o apoio de quatro agremiações: LIVRE, Fórum Manifesto, Renovação Comunista e MIC-Porto. Mas como só o LIVRE está constituído como partido político, será por essa via que se apresentará às eleições legislativas de 2015.
Chegados a este ponto, a natureza do projecto “Tempo de Avançar”/LIVRE fica mais clara: trata-se no fundo de procurar dar uma aparência de união a um projecto que nasce, no essencial, de rupturas no interior do Bloco de Esquerda. Rupturas essas que parecem ter sido em larga medida motivadas pela vontade de protagonismo e poder dos que agora assumem a liderança do novo grupo, com destaque para Rui Tavares.
Convém recordar que, não obstante o amplo apoio mediático, o projecto unipessoal do LIVRE ficou-se nas recentes eleições europeias por uns relativamente modestos 2,18%. Mesmo beneficiando de ampla cobertura – e indisfarçável simpatia – mediática, Rui Tavares conseguiu apenas pouco mais de 70.000 votos, falhando assim o objectivo pessoal de manter o seu lugar no Parlamento Europeu.
Rui Tavares é o mesmo político que, depois de ter sido eleito eurodeputado pelas listas do Bloco de Esquerda nas anteriores eleições europeias, viria a desvincular-se do grupo parlamentar do partido, recusando no entanto abdicar do seu lugar como deputado no Parlamento Europeu, em Bruxelas. Uma conduta esclarecedora para compreender o que se entende pela declarada vontade de “mudar a política”. As acções falam mais alto do que as declarações de intenções.
O projecto “Tempo de Avançar”/LIVRE procura agora colar-se à vitória do Syriza, mas também neste aspecto a conduta tresanda a oportunismo político, pelo menos para os ex-bloquistas. O Syriza, afinal, seguiu precisamente a lógica do Bloco de Esquerda. O paralelismo mais adequado seria com o DIMAR (“Esquerda Democrática”), a facção de dissidentes do Syriza que almejava governar com o PASOK. Ora, tendo-se o DIMAR apresentado aos eleitores gregos nas recentes eleições legislativas também ele numa coligação, obteve o não particularmente brilhante resultado de 0,49% dos votos, ficando consequentemente fora do Parlamento.
Terá sido porventura o fraquíssimo resultado do DIMAR que levou Rui Tavares a esquecer-se convenientemente do entusiástico apoio a esse mesmo partido em 2012 quando, num texto intitulado “Há uma nova esquerda”, declarava: “A Esquerda Democrática é uma coligação entre duas cisões, uma vinda dos socialistas e outra da esquerda radical: é como se em Portugal a ala esquerda do PS se aliasse aos bloquistas mais abertos. Em apenas um ano, estão nas sondagens acima dos dez por cento, e já apareceram em primeiro à frente de todos os outros partidos de esquerda.”
Num contexto de elevada volatilidade política, económica e social tudo está em aberto mas, até ao momento, o projecto “Tempo de Avançar”/LIVRE parece essencialmente comprovar o fracasso do Bloco de Esquerda, que nunca conseguiu ultrapassar a situação de orfandade depois da saída de Francisco Louçã da liderança.
A indefinição interna no PS e as notórias dificuldades de António Costa para afirmar a sua liderança podem dar algum ânimo a novos projectos à esquerda. Mas num cenário de fragmentação, e considerando a pouca credibilidade dos ex-bloquistas que são os principais protagonistas do “Tempo de Avançar”, o sucesso eleitoral afigura-se difícil.
Mais fácil, no entanto, considerando a configuração do sistema eleitoral português, será contribuir para a liquidação definitiva do Bloco de Esquerda. De facto, poderá bastar desviar algumas dezenas de milhar de votos bloquistas para enterrar eleitoralmente o Bloco. Considerando esta possibilidade, torna-se tacticamente mais compreensível a simpatia manifestada por Antóno Costa e pelo PS. Os ex-bloquistas que protagonizam o projecto “Tempo de Avançar”/LIVRE poderão não ir muito longe, mas parecem definitivamente lançados rumo ao PS.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa