Face às sondagens, a vitória confortável do Syriza não surpreendeu, mas nem por isso deixa de constituir um evento marcante na política europeia. De facto, há meia dúzia de anos atrás, muito poucos admitiriam como plausível a possibilidade de uma coligação de pequenos partidos de extrema-esquerda, com uma agenda assumidamente radical, chegar ao poder num país da União Europeia. É certo que a boa imagem e o carisma do Eng. Alexis Tsipras, assim como a indisfarçável simpatia para com o Syriza por parte da maioria dos jornalistas, ajudaram a essa vitória, mas seria um erro não ir além desses factores na análise do fenómeno.

Qualquer que seja o rumo futuro da Grécia, esta eleição marca já o fracasso da política europeia assente no dogma de maior integração a qualquer custo. O desígnio de manter a Grécia na zona euro contra todas as evidências gerou uma montanha de dívida de cobrança (muito) duvidosa e uma situação interna explosiva no país. Cabe agora aos líderes europeus não fecharem os olhos e assumirem a necessidade de dar um passo atrás, mesmo que tal implique aceitar perdas significativas e a saída da Grécia da zona euro, onde provavelmente nunca deveria ter entrado.

As ondas de choque após a vitória eleitoral não se fizeram esperar. A primeira foi a opção de Tsipras ao escolher para parceiro de governação um partido nacionalista que, se não fosse parceiro do Syriza, seria amplamente acusado de ser de extrema-direita. Felizmente para Tsipras, a extrema-esquerda lava mesmo mais branco. Com a escolha dos ministros, veio o segundo choque: zero mulheres, provavelmente para marcar simbolicamente a distância face a “austeritaristas” como Angela Merkel (que é mulher, mas não conta). O ruidoso silêncio da generalidade dos habituais defensores da “igualdade de género” fica registado.

Mais significativamente, Tsipras foi rápido no cumprimento de algumas das promessas eleitorais. O leque incluiu o aumento substancial do salário mínimo e a suspensão de privatizações, entre outras medidas que empurram a Grécia para um cenário de incumprimento. Com o risco de ruptura a aumentar de dia para dia, o desafio que se coloca aos socialistas europeus não pode ser ignorado. Neste contexto, as reacções em Portugal foram, no mínimo, estranhas.

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A auto-congratulação do PCP é difícil de compreender quando, na Grécia, o seu equivalente KKE teve um resultado medíocre e, adicionalmente, excluiu a possibilidade de se coligar com o Syriza. Mas verdadeiramente bizarra foi a reacção do PS liderado por António Costa. Como bem apontou João Cardoso Rosas: “O líder do PS mostrou-se vagamente contente (ele mostra-se sempre “vagamente qualquer coisa”) e não esboçou sequer uma crítica às propostas de Tsipras e à ruína do seu partido-irmão na Grécia, o PASOK. Se Costa está contente com o Syriza, por que não vota no BE?”.

Poder-se-ia dizer apenas que, com partidos amigos destes, os partidos da Internacional Socialista não precisam de inimigos, mas a situação levanta um problema mais profundo: o da necessidade de definição interna nos partidos socialistas europeus em geral, e no PS em particular. A estranha reacção de António Costa pode ser, é certo, atribuída à inabilidade de um novo líder partidário que tarda em apresentar ideias concretas e parece incapaz de se distanciar dos aspectos mais negros do passado governativo do PS. Mas o mesmo não pode ser dito de outras vozes que apoiaram o Syriza e que estão entre os mais promissores e influentes líderes intelectuais do novo PS, como João Galamba ou Tiago Barbosa Ribeiro. Ora, esta linha dificilmente poderá ser compatibilizada com o discurso mais institucional e realista de figuras como Jaime Gama ou Manuel Caldeira Cabral.

O PS, tal como os restantes partidos socialistas europeus, enfrenta uma escolha inevitável: ou está com o Syriza – com tudo o que isso implica do ponto de vista de uma potencial ruptura institucional – ou se apresenta como uma alternativa política dentro do quadro institucional estabelecido. No fundo, como realça Rui Ramos, trata-se de saber se a esquerda radical substituirá ou não a esquerda social-democrata. Uma boa parte do futuro político da Europa dependerá da resposta a esta questão.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa