Até António Costa assumir a liderança do Governo, com o apoio da esquerda, o regime tinha no PCP e no Bloco de Esquerda os principais guardiões do regime. Sendo contra o sistema eram, na prática, o seu seguro de vida com a denúncia dos abusos de poder do bloco central, protagonizados pelo PS e PSD.

Neste momento, comunistas e bloquistas começam de novo a apontar o dedo ao assalto à administração pública e a algumas empresas, mas estão completamente manietados pelo PS. As suas críticas existem, mas a sua eficácia é bastante reduzida, desconhecendo-se se é por puro cálculo político ou se existem outras razões. O PSD de Pedro Passos Coelho acaba por ser o que grita mais alto “é uma vergonha”. Mas ninguém o quer ouvir, quer porque os sociais-democratas também têm um passado longe de estar limpo, quer porque Passos deixou cair nas suas costas a responsabilidade pelos anos de chumbo da troika.

Do lado da justiça estamos a percorrer um perigosíssimo caminho, como alerta Nuno Garoupa, um dos economistas portugueses que conhece mais profundamente o sistema português. Sucedem-se os casos, há uma generalização de arguidos no PSD, no PS e entre os gestores de empresas com ligações directas ou indirectas a negócios com o Estado. O caso mais grave é o de José Sócrates por ter sido primeiro-ministro. Mas continuamos a ter os casos BPN e BES juntando-se agora a EDP.

Ter arguidos, ou mesmo acusados, sem condenações será tanto ou mais grave do que não iniciar os processos contra os “poderosos”. Claro que não se está a defender que a justiça force condenações para se salvar a ela própria. Mas investigadores, procuradores e juízes têm de ter consciência do enorme desafio que têm pela frente. E têm de ter a noção da ameaça ao regime que constituem processos menos cuidados contra figuras mediáticas vistas como poderosas pela opinião pública.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já vai longe o tempo em que António Guterres se demitiu por considerar que vivíamos num “pântano”. Desse ponto de vista foi visionário. Não conseguindo secar o pântano foi-se embora, como depois fez o mesmo José Manuel Durão Barroso. Cada um tratou da sua vida à sua maneira. Tendo estes exemplos como referência, resta-nos agradecer a quem ficou, a Pedro Passos Coelho e agora a António Costa. E não é ironia.

O país está neste momento demasiado polarizado para perceber que há políticos que se dedicam de facto à causa pública. Podemos não concordar com eles mas quer Passos Coelho como Costa têm uma carreira que nos mostra que procuram o bem público – tal como Jerónimo de Sousa, Catarina Martins e Assunção Cristas.

Dito isto, aquilo a que assistimos são a escolhas ditadas por convicções, circunstâncias ou condicionalismos diversos tendo como pano de fundo a manutenção do poder. Alguns exemplos. A oportunidade perdida na redução das rendas da EDP foi em grande medida ditada pelo estado de necessidade financeira em que o país estava: para entrar dinheiro em grande na privatização vindo do exterior, neste caso de chineses, para um país que estava na bancarrota. A reversão da venda da TAP é um caso que ainda hoje está muito mal explicado. Muitos limitam-se a dizer que a razão é ideológica. Ideológica quando temos a rede eléctrica e a produção e distribuição de electricidade privatizada? O tempo mostrará a razão pela qual se reverteu a privatização de uma empresa com uma dívida monumental. Outras reversões são compreensíveis à luz da conquista do poder. É o caso dos transportes. Basta colocar-nos no lugar do PCP e da CGTP para perceber que a reversão da concessão dos transportes era uma questão de sobrevivência. Entre sobreviver e fazer uma aliança com o seu adversário histórico escolhe-se sobreviver.

Onde está aqui então o interesse público? Parece haver uma contradição com o que se escreveu uns parágrafos antes, mas não há. As acções, privatizações, renacionalizações ou reversões, são meios para atingir fins. Cada um à sua maneira considera que está a defender o que é melhor para o país. O problema é que os meios começam a revelar-se cada vez mais degradantes aos olhos da opinião pública.

É o caso dos empregos para os amigos e familiares. O caso que tem estado na actualidade neste momento é dos empregos da família de Carlos César. Claro que os familiares de políticos não estão impedidos de aceder a cargos de nomeação política quando têm qualificações. O problema, neste caso, é o número de familiares envolvidos. E o facto de boa parte dos portugueses, com ligações à administração pública, saber que está generalizada esta prática de empregos para os amigos, familiares e militantes partidários.

O regime está muito doente e sob uma séria ameaça. Os partidos de poder andam há demasiado tempo a brincar com coisas sérias, convencidos que com papas e bolos vão enganando os tolos dos eleitores. França mostrou que não é assim. Um dia o povo diz basta. Resta-nos esperar que o nosso “basta” seja à francesa, mesmo não se sabendo ainda muito bem o que traz Macron.