Ainda há poucos dias os jornalistas de serviço repetiam o mantra da «enorme vitória» do PS nas eleições autárquicas. A verdade, porém, é que no plano nacional o PS só ganhou 1,5 pontos percentuais em relação às legislativas de 2015 e continua a estar muito longe da maioria absoluta, enquanto a chamada «direita» perdeu 4 pontos percentuais, mas nas autárquicas houve inúmeras candidaturas ditas independentes, como a de Isaltino Morais em Oeiras, que tiveram certamente mais votos da antiga coligação PSD+CDS do que da «geringonça»… Por exemplo, a «enorme vitória» do PS em Almada foi de 300 votos e a «enorme vitória» em Pedrógão Grande, depois do trágico incêndio do início do Verão, foi obtida com a «transferência» do antigo presidente da câmara do PSD para o PS…
Muito mais séria do que essas pretensas «enormes vitórias» é a «enorme derrota» dos incêndios florestais. Estes causaram até agora, por manifesta incompetência do actual governo, documentada no recente relatório da Comissão internacional de especialistas, mais de cem mortes – mais de cem! A memória destes factos trágicos, mesmo esperando que não se repitam nesta escala descomunal, não desaparecerá. Antes pelo contrário!
A auto-desresponsabilização sistemática do primeiro-ministro e dos seus principais acólitos da chamada «Protecção Civil», a começar pela ministra da Administração Interna, sem quaisquer pedidos de desculpa nem promessas de compensação material do Estado às vítimas, mas acusando-as de falta de «resiliência», tal denegação das suas responsabilidades políticas ficará na nossa memória como a prova do feroz apego da actual coligação governamental ao poder pelo poder: é disto que estamos a falar!
Nem sequer os comparsas da extrema-esquerda, que na altura do incêndio de Pedrógão Grande se tinham atirado às grandes empresas de celulose por causa do eucalipto, se atreveram agora a dizer uma palavra acerca das 38 ou mais mortes dos últimos dias, apesar de estas terem sido badaladas em toda a imprensa internacional, não só como uma tragédia humana mas também como a demonstração cabal da incompetência e renitência das autoridades portuguesas! Reparar-se-á aliás que o tema do eucalipto desapareceu da agenda. Como e porquê ninguém explicou… A verdade é que a imprevidência e o desarmamento de recursos por parte da «protecção civil» após o fim da «estação oficial dos fogos» foram totais e sem perdão!
Ora, como tive oportunidade de escrever na altura de Pedrógão Grande, o actual primeiro-ministro tem, enquanto ministro da Administração Interna do governo Sócrates de 2005 a 2007, responsabilidades pessoais directas na política oficial de protecção civil actualmente em vigor na área das florestas e dos fogos florestais, bem como no processo de aquisição do famigerado SIRESP, cujos falhanços tanto contribuíram para a descoordenação geral do combate aos fogos!
Nessa altura, tal política assumiu claramente a prioridade do combate aos fogos quando a Comissão científica internacional atribui a prioridade – sim – ao ordenamento e à manutenção da floresta. Destes, porém, ninguém se ocupou desde o dia em que a floresta portuguesa foi em grande parte entregue a pequenos proprietários após o 25 de Abril, fazendo de Portugal o país da Europa onde a floresta está mais privatizada (96%).
Com a agravante de, nestes últimos 40 anos, o interior do país ter perdido grande parte da sua população, entre a qual esses proprietários hoje distantes ou desaparecidos, sendo assim grande parte da floresta entregue ao virtual abandono. Na prática, acabam por ser as plantações das grandes empresas as mais bem cuidadas. Como é hábito secular entre nós, há leis e regulamentos, mas não são para cumprir! Irão ser agora? Quem é que acredita? Com efeito, o que está demonstrado, desde que Portugal participa no grupo de acompanhamento científico da prevenção e combate dos incêndios florestais nos países da Europa do Sul, é que a área ardida tem vindo a diminuir gradualmente em todos esses países europeus menos Portugal, onde não cessa de aumentar!
A questão não é, porém, exclusivamente sócio-demográfica e económica, nem tão pouco se reduz às fatalidades do «clima» nem à dos «pirómanos» invocados pelos governos. Para a presente «geringonça», baseada na aliança com os partidos anti-europeístas da extrema-esquerda e no comando sistemático da agenda mediática, a questão é antes de mais política – no sentido estritamente partidário do termo – e eleitoral. Desta vez, contudo, parece que o PS e os seus aliados no governo, após mais de cem mortes no espaço de um verão quente, estão a perder a batalha propagandística. Na vizinha Galícia, perante quatro mortes no fim de semana passado, houve já manifestações contra as autoridades. Em Portugal não, infelizmente, mas já há muitas críticas nas chamadas redes sociais e até em alguma imprensa. Só falta fazer uma sondagem sobre o comportamento do primeiro-ministro e dos seus colaboradores. Quem se atreve? Poderia verificar-se uma enorme derrota!