Duas semanas depois do incêndio florestal mais mortífero da história portuguesa e, possivelmente, fora de Portugal, há uma coisa de que podemos ter a certeza: tudo ficará como dantes! Dinheiro prometido aos rodos e anúncios de iniciativas sem fim nem controle, seguidos de contradições entre todos os envolvidos, parecem ser, portanto, a única linguagem cacofónica que o governo e o resto do país sabem falar. Em suma, nada irá mudar na política florestal, ou seja, nada daquilo que seria necessário fazer. Não será para amanhã nem depois!

As pretensas reformas florestais esboçadas até aqui já não haviam acompanhado a extrema fragmentação das chamadas florestas precipitada pela entrega dos antigos baldios aos moradores das regiões a norte do Tejo depois do 25 de Abril, em nome de um populismo paralelo ao da reforma agrária no Sul que o PCP continua a clamar muitos anos mais tarde, ao mesmo tempo que mitifica o papel de uns pretensos «compartes» acerca de quem nada se sabe.

Entretanto, o Estado desresponsabilizou-se dessas áreas e o PS acabou por extinguir a Guarda Florestal há mais de 10 anos. Ao mesmo tempo, continua o Estado português por fazer o cadastro que nunca foi capaz de realizar no norte do país desde a Maria da Fonte nos idos de 1840 e tal. Do mesmo modo, também nunca foi contemplado o sistemático abandono dos campos devido à corrente ininterrupta de emigração rural, ao ponto de hoje se ignorarem os donos de muitos terrenos ardidos e de ninguém ou muito poucos pagarem imposto fundiário.

Tão pouco se incorporou de forma concreta na política florestal do país o surgimento do eucalipto destinado a uma industrialização incomparável à do próprio pinheiro. Com efeito, a fileira do eucalipto tem hoje um volume de negócios de 2 mil milhões de euros e constitui, segundo a indústria, uma fonte de rendimento para mais de 400.000 proprietários privados e vários milhares de empregados. Quanto ao detestado «grupo Portucel», é o segundo maior exportador nacional, com mais de mil milhões de euros vendidos no mundo inteiro, do qual não há governo que não se sirva.

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A machadada final numa reforma florestal realmente moderna foi dada pelo governo Sócrates ao adoptar a actual legislação que pôs toda a ênfase no combate ao crescente número de incêndios e de áreas ardidas, em vez de ter dado a prioridade, como devia, à prevenção desses incêndios. O resultado foi que, enquanto todos os países da UE têm visto diminuir as áreas ardidas, Portugal é o único onde elas continuam a aumentar.

Ora, de quem é a responsabilidade deste facto condenatório da política florestal em vigor se não o governo? Ou seja, neste caso: o primeiro-ministro; o ministro da Agricultura e das Florestas, cuja incompetência se manifesta na promessa ridícula de prometer que «não haverá mais um único hectare de eucalipto em Portugal!»; e a ministra da Administração Interna, cuja desorientação ante os factos de Pedrógão Grande ditaria em qualquer país civilizado a sua rápida auto-demisão. É possível, porém, que o primeiro-ministro a tenha impedido de assumir as suas responsabilidades, preferindo acusar esse monstro inimputável que é «o clima», segundo a mentalidade fatalista que caracteriza os países com baixos níveis de instrução como Portugal…

Curiosamente, até agora, sem falar de uns relatórios que ninguém viu, a única coisa que o governo se apressou a fazer, foi alcatroar a «estrada da morte» onde pereceram dezenas e dezenas de pessoas da forma mais horrível que se pode imaginar. Agora que já taparam os vestígios da tragédia, nunca saberemos o que efectivamente se passou e, portanto, também ninguém será responsabilizado pelo erro – involuntário com certeza, mas não menos fatal para as vítimas – de deixar as pessoas entrar na fogueira em que aquela estrada se tinha transformado!

Entretanto, toda a gente já percebeu que cada entidade envolvida negará quaisquer responsabilidades, empurrando-as para o vizinho do lado, da guarda para os bombeiros e vice-versa, e muito concretamente para esse SIRESP – que nos custou 500 milhões de euros – e pretende negar o facto de ter deixado ir abaixo as comunicações. Ao mesmo tempo, ficámos a saber que, seja qual fôr a sua incompetência, o SIRESP já está ilibado de compensações financeiras pelo contrato que o Estado português fez com ele à pressa, como agora se soube. É caso para perguntar quem se esconde atrás de dessa PPP: ora quem havia de ser, se não os suspeitos do costume?

A concluir, a forma partidarizada como foi constituída uma «comissão parlamentar», cuja missão devia ser apurar o que realmente se passou e porquê, já mostrou que dali nada sairá. Nem quanto ao apuramento de responsabilidades políticas e factuais, nem muito menos quanto a uma futura reforma florestal. O «clima» tem sido demasiado misericordioso para o governo, pois desta já se safou mediaticamente… Nos dias que correm, é isso exclusivamente que conta!