Never, Nie. Em inglês e alemão, para que não sobrem dúvidas. Afinal, são as outras duas línguas que se falarão no grupo G, que vai acolher Portugal, Alemanha, EUA e Gana durante o Mundial do Brasil. São o equivalente ao ‘nunca’ português, a palavra que se usa para resumir o que nenhum dos cinco campeonatos do mundo colocou no caminho da seleção nacional – um treinador português.
Nunca um técnico português defrontou Portugal num Mundial enquanto comandava outra seleção. Nunca. No Brasil, contudo, é possível que antes e depois de um jogo, Paulo Bento possa vir a apertar a mão a um treinador português. Isto porque na Grécia há Fernando Santos, e no Irão está Carlos Queiroz. E, se a sorte, o engenho e os resultados assim o permitirem, o ex-seleccionador nacional (entre 2008 e 2010) até pode chocar com Portugal logo nos quartos de final – basta que passe a fase de grupos na posição inversa à da seleção nacional e, depois, ultrapasse os ‘oitavos’.
Em 2010, Toni nem era treinador – mas esteve quase a cruzar-se com Portugal. Acabou por ver o Portugal-Costa do Marfim “no hotel”, em Joanesburgo. De resto, nada de relatórios, espionagem ou informações privilegiadas. Aliás, os africanos nem precisavam. “Já lá tinham um homem da informática, com quem fiquei a saber mais do que já sabia sobre Portugal”, recordou Toni ao Observador que, na véspera do arranque do Mundial do Brasil, pegou no telefone para saber o que andou o treinador a fazer há quatro anos, na África do Sul.
Toni e o Mundial de 2010. Como aconteceu esta relação?
Foi uma experiência que eu quis viver, no seguimento de uma conversa que surgiu [com Sven-Goran Eriksson] Estive por dentro, mas foi um estar por dentro sem grande preponderância.
Então?
Fui tentar viver a experiência de estar num Mundial, pois nunca tinha tido essa oportunidade. Já tinha vivido um Europeu em 1984, e na África do Sul aconteceu a coincidência de ficar no mesmo grupo com Portugal, que acabaria por seguir em frente e perder com a Espanha, que viria a ser campeã do mundo.
O que lhe veio à cabeça quando atendeu o telefone e ouviu o convite de Erikssen?
Nããão. O convite nem foi feito pelo telefone pá. Foi quando ele esteve em Portugal. Eu só me juntei à comitiva na já na África do Sul. Na altura, até houve uma certa relutância para me aceitarem, por ser português. Mas afinal, você quer desenterrar o quê?
Nada. Só lhe pergunto pois há a probabilidade de Portugal encontrar o Irão de Queiroz nos quartos de final do Mundial.
[Toni ri-se] Ah, está bem. Nessa altura, em 2010, houve essa coincidência de Portugal estar no mesmo grupo da Costa do Marfim. E repare, eu sei o nosso hino nacional, nem sei o da Costa do Marfim. E na altura até houve algumas opiniões em relação à minha presença com a seleção africana.
Até houve jornais a noticiarem que Eriksson lhe tinha pedido para ser um ‘espião’ durante o Mundial.
Sim, mas repare, não foi por mim que Portugal empatou esse jogo [0-0, na partida inaugural]. A Costa do Marfim nem sequer passou da fase de grupos.
O Eriksson perguntou-lhe alguma coisa em especial sobre a seleção portuguesa?
Nããão [já era o segundo]. Se fosse para destacar os pontos fortes e os fracos, eu teria logo ido para a Suíça. A preparação da seleção da Costa do Marfim começou três semanas antes de eu me juntar a eles, já na África do Sul. E sabe um pormenor?
Não. Qual é?
Vou-lhe dizer. Os costa-marfinenses tinham com eles um homem da informática, como todas as equipas. E foi com ele que fiquei a saber mais sobre a equipa portuguesa do que aquilo que já sabia. Na altura, até sabiam que, a cada dez penáltis que o Cristiano Ronaldo marcava, salvo erro, cinco iam para o canto superior esquerdo e quatro para o canto superior direito e um para o inferior esquerdo. Até sabiam estes pormenores. Ainda se lembra do resultado desse jogo?
Do Portugal-Costa do Marfim? Ficou empatado, 0-0.
Claro. E sabe qual foi o jogo chave? Os 7-0 à Coreia do Norte. Se eu fosse uma peça assim tão importante, tinha ido logo para o estágio da Suíça.
Então quais foram afinal as suas funções?
Nããão [hat-trick]. Durante 15 dias vivi o Mundial um pouco por dentro. Aproveitei o apoio que tive ali para ir a outros jogos, fora de Joanesburgo, e foi uma experiência valiosa. Eu fui convidado quando o staff técnico da Costa do Marfim já estava definido. Fui convidado na sequência de uma conversa que tínhamos tido. Até acabei por ajudar mais os seus colegas [jornalistas] que por lá andavam. Quase que servi como um assessor de imprensa. Até vi o Portugal-Costa do Marfim pela televisão, nem sequer acompanhei a equipa. Fiquei em Joanesburgo [jogo foi no Nelson Mandela Stadium, em Port Elizabeth].
Mas chegou a sentir alguma coisa por viver o dia-a-dia de uma seleção que iria defrontar Portugal no campeonato do mundo?
Aqueles sinais do Fernando Santos, agora no Portugal-Grécia, de estar no outro banco, o da Grécia, a ouvir o hino nacional. Eu não cheguei a ter essas sensações. Se estivesse numa função mais próxima à equipa, aí teria sentido algo. Ouvir o hino teve, tem e terá sempre uma sensação especial, um arrepio.
E se por acaso Carlos Queiroz apanhar Portugal nos quartos de final deste Mundial?
O que eu gostaria era ver o Fernando Santos passar à fase seguinte com a Grécia, que Portugal o conseguisse também, e que o Irão do Carlos Queiroz também o fizesse. Mas acho que é uma luta desigual aquela que os iranianos terão pela frente. A Argentina e a Bósnia são realidades diferentes, como também o é a seleção da Nigéria. Era bom sinal se chegasse a um Portugal-Irão.
E se isso acontecer, acha que Queiroz vai pedir ajuda a algum ‘espião’ português?
Por exemplo, em 2010, Luis Filipe Scolari já não era o treinador de Portugal. Mas se o fosse, e se tivesse o Brasil pela frente, o Scolari não iria montar uma forma fácil para a seleção brasileira passar. Claro que o Carlos Queiroz continua a torcer pela seleção portuguesa, mas, caso se cruzem, continuará a ser um profissional.
E de novo Portugal calha com uma equipa africana no grupo.
Sim, há um certo paralelismo. A Costa do Marfim era composta por grandes individualidades, onde pontificavam o Drogba, o Gervilho e o Yaya Touré. E agora é o Gana, que foi a melhor seleção africana em 2010 [perdeu nos quartos de final, contra o Uruguai] e tem quase os mesmos jogadores desse Mundial. Só que mais experientes. Muitos deles andam por grandes clubes da Europa e as equipas africanas acabam sempre por causar problemas. Mas a Nigéria, do tempo do Yekini, ou os Camarões, do Roger Milla, foram equipas que, em termos de organização, acabaram sempre por não se tornarem tão fortes quanto aquilo que os seus jogadores deixavam antever. Esperemos que isto se confirme em relação ao Gana.
Deixando a Alemanha de parte, quem incomodará mais a seleção: o Gana ou os EUA?
Penso que será o Gana. Não vejo os EUA a rivalizarem com Portugal.
O que achou destes três encontros de preparação para o Mundial?
Em primeiro lugar, nunca jogámos com a mesma equipa. Depois, não sofremos nenhum golo.
Sofremos apenas um, contra a Irlanda.
Ah sim, foi ontem, claro. Mas fundamentalmente, Portugal teve várias coisas em comum com as restantes seleções. Jogadores que chegaram dos seus campeonatos desgastados do ponto de vista físico e mental, a precisarem de um tempo de regeneração. E esse tempo marcou a preparação da seleção, que só teve os 23 disponíveis agora no último jogo, contra a Irlanda.
Foi por isso que Paulo Bento fez tantas experiências?
Acho que sim. Fruto das circunstâncias, até acabou por testar um sistema alternativo àquele com que habitualmente joga [o 4-4-2, diante da Grécia]. E penso que é nesse que a seleção vai assentar contra a Alemanha. Com a Irlanda, a seleção utilizou processos mais simples e alcançou um bom resultado. Mais do que isso, vimos que já temos uma seleção com todos os jogadores disponíveis para uma competição que até se pode reduzir a 10 dias. Esperemos que não.
Com o que viu no jogo com a Irlanda, está à espera que Ronaldo apareça bem no Mundial?
Já desde o Real Madrid que sempre houve a ideia de que não teríamos um Ronaldo a 100%. Houve uma série de extrapolações sobre a lesão que tinha e a forma como deveria ser conduzida a sua recuperação. Mas a verdade é que ele quer estar a 100%. O Mundial é o evento que Ronaldo espera para marcar a sua chancela. E se ele estiver a 100%, será um grande Mundial para ele. E se o for para Cristiano Ronaldo, também o será para Portugal.
No meio campo: Miguel Veloso ou William Carvalho?
O Paulo Bento é que sabe. A seleção não é um clube e há muito menos tempo para trabalhar. Penso que ele vai recuperar os seus jogadores preferidos e os três médios deverão ser o Veloso, o Meireles e o Moutinho. Claro que o William tem tido uma ascensão muito grande. Não se nota que estamos perante um jogador com a sua idade [22 anos]. Tem maturidade e personalidade, e já mostrou que a seleção pode contar com ele. Mas estas três âncoras do meio campo já tem rotinas, e estas rotinas são importantes numa seleção que não tem tempo para funcionar como um clube.
Ficou com alguma dúvida então?
Até ontem não tinha. Mas agora, a única que tenho é em relação ao Hugo Almeida. Aproveitou a oportunidade contra a Irlanda, marcou dois golos e pode tirar o lugar ao Hélder Postiga. O Paulo Bento saberá quem escolher para se juntar a Nani e Cristiano Ronaldo na frente.
E o Neto, que foi o único defesa central a aparecer nos três jogos de preparação?
Houve a preocupação de dar minutos e espaço a outros jogadores, para que ninguém passe um mês e meio sem sequer entrar num jogo. E o Neto disse: “Estou aqui.” Aproveitou uma certa experiência de já ter jogado lado-a-lado com o Bruno Alves e mostrou que teve uma ascensão muito boa nos últimos anos. Paulo Bento já deve saber bem com o que pode contar.