Impenetrável. Nem por um segundo deixa escapar uma emoção. Vai, caminha, pega na bola e meta-a na marca. Dá uns passos atrás, começa a correr e, quando o pé bate na bola, inclina o corpo para trás, abranda a perna e a bola sai em chapéu. Andrea Pirlo sacava um penálti ‘à panenka’ da cartola. Minutos de depois, a Inglaterra estava fora do Europeu. Em 2012 foi assim, quando o médio foi um dos italianos a bater uma grande penalidade no desempate com os ingleses, nos quartos de final na prova. “Damn genious!“, terão vociferado, na altura, os britânicos. Agora, no Mundial, tinham oportunidade de sacar uma revenge. Afinal, no dia anterior a Holanda tinha feito a sua (5-1, à Espanha).

O onze inicial mostrava vontade de sobra para que isso acontecesse. À frente de Gerrard e Henderson apareceu Sterling, jovem atrevido do Liverpool. No ataque, Sturridge, o inglês que mais golos marcou esta época (25), fazia companhia a Wayne Rooney e Danny Wellbeck. A ousadia nos nomes era muita. No relvado, era pouca.

O encontro arrancou com os italianos armados em tiquetaqueadores – sim, isso mesmo, a quererem ser donos da bola, egoístas ao ponto de, à meia hora de jogo, De Rossi, Pirlo e Verrati terem percentagens de eficácia de passe de 93%, 96% e 96%. A Itália ensaiava carrousséis de passes mas foi a Inglaterra a rematar primeiro, logo aos 4 minutos. Aos 6, Henderson repetia a graça.

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Os rapazes do Liverpool dispararam os primeiros avisos, mas a bola falava italiano. Muito e bem. Os ingleses não se preocupavam muito e parecia que apenas reservavam atenção para um homem – Andrea Pirlo. Até fazia sentido. O cabeludo e barbudo italiano, capitão na ausência de Gianluigi Buffon da baliza, é o farol que a Itália sempre procura para saber o que fazer à bola. Com Verratti e De Rossi ao seu lado, porém, bastava ao médio da Juventus mexer-se um pouco (por norma, avançando uns metros), para levar consigo um marcador inglês e deixar os outros dois médios pensadores italianos com espaço para matutarem a próxima jogada.

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Podia ter companhia de mais médios dotados a tratar a bola, mas o génio, esse, está todo na cabeça de Pirlo. Aqui vai uma prova. Aos 35 minutos, a Itália tem um canto. Sai curto, para os pés de De Rossi. O médio da Roma levanta a cabeça e vê o barbudo da Juventus a aproximar-se da entrada da área. Atira a bola, rasteira, na sua direção. Havia um problema: estava um teimoso inglês a acompanhar Pirlo. Como sair dali?

Andrea não saiu, apenas abriu as pernas para a bola por ali passar e chegar a Claudio Marchisio. A autoestrada aberta pelo capitão deixou o médio à vontade, com tanto tempo que ainda pisou a bola antes de a rematar para o fundo da baliza de Joe Hart. 1-0. Era bom sinal – desde 1974 que a Itália não perdia um jogo num Mundial em que tivesse sido um homem da Juventus a marcar o primeiro golo.

Durou pouco. Dois minutos depois, Daniel Sturridge já estava a treinar o breakdance, ao celebrar o golo do empate após desviar um cruzamento de Wayne Rooney dentro da área. 1-1. De repente, o jogo animava. Mas murcharia logo depois. Reposto o empate, a Inglaterra voltou a recuar e a Itália a mandar de novo na bola. Nada se passou até aos 47′, quando Andrea Pirlo quis recordar os seus tempos de número 10 (no Inter de Milão) e levou a bola até à área inglesa, onde sacou um passe que deixou Balotelli na cara de Joe Hart. Tão perto ficou que teve de desviar a bola do guardião, rumo à linha lateral. Sem ângulo mas com o guarda-redes fora da baliza, o Super Mario faz um chapéu que só Phil Jagielka, em cima da linha, impediu que acabasse em golo. That was close. Mesmo.

A segunda parte foi mais do mesmo. Com uma diferença – a Inglaterra não voltaria a marcar após a Itália o fazer. Aos 49′ lá chegou o primeiro aviso inglês, por Sturridge, que rematou para defesa de Sirigu após meter a quinta e ultrapassar De Rossi. Um minuto depois, reapareceu Super Mario. O Balotelli, o homem que jogou sozinho na frente, ficou à espera ao segundo poste de um cruzamento, que lhe chegou desde o pé esquerdo de Candreva, para fazer o segundo golo e o seu primeiro em Mundiais. Oito anos volvidos, um italiano voltava a fazer estragos com a cabeça durante um Mundial – não acontecia desde 2006, quando uma cabeçada de Materazzi (e não a de Zidane), resultou em golo na final contra a França.

Era o 2-1, o sinal que os transalpinos precisavam para continuarem armados em espanhóis e multiplicarem as viagens que davam à bola. Os ingleses ainda reagiram, primeiro por Wayne Rooney, depois Sterling e a seguir Gerrard, mas nada. Aos 62′, o avançado do Manchester United (que nos oito anteriores jogos de Mundiais em que esteve nunca marcou), falhou em frente à baliza a melhor oportunidade inglesa para empatar. E pronto, perigo foi coisa que apenas se viu mais uma vez na baliza de Sirigu, quando Baines bateu um livre à direita para o guardião italiano defender para canto. O resto foi um tu-cá-tu-lá de Andrea Pirlo com a bola. Desde os 57 minutos que assim o foi, a partir do momento em que Verratti saiu de campo e houve menos um italiano a exigir ter a bola no pé.

A Itália controlou, manteve a bola, pôs os ingleses a correrem atrás dela e ainda viu Pirlo a teleguiar uma bola até à barra da baliza inglesa, num livre. Antes e depois viram-se passes, passes e mais passes. Cesare Prandelli, seleccionador italiano, montou uma equipa com cinco médios, todos habituados a estar no centro do relvado, dando-lhes ordem para serem egoístas e nunca partilharem a bola com o adversário.

Resultou. A Inglaterra até conseguiu acordar e reagir aos dois golos italianos. A bola foi mais italiana, mas quando a tiveram os ingleses também a aproveitaram bem – acabaram com 91% de eficácia de passe (425 feitos). Nada mau, claro, mas a Itália fez melhor, com 93% e 561 passes realizados.

A partir da hora de jogo, o calor e humidade de Manaus deram um cansaço aos britânicos que lhes foi prendendo mais as pernas. E isto notou-se. Pirlo começou a ter mais espaço e acabou a partida com 100 passes completos. Exibição monstra. A Inglaterra arranca o Mundial a perder e faz com que o duelo contra o Uruguai seja uma luta entre aflitos – quem perder, corre o risco muito sério de voltar para o hotel e começar logo a fazer as malas para regressar a casa. Já os italianos, que mantenham as malas sossegadas. A jogar assim, vão ficar pelo Brasil durante umas semanas.