Facto: Portugal foi esmagado na primeira jornada pela Alemanha (0-4). Curiosidade: foi apenas a sexta vez que alguém conseguiu esse resultado na jornada inaugural na história dos Campeonatos do Mundo. Vamos lá contar esta história direitinho e perceber se podemos sorrir. Mas fica o alerta: se respeitarmos o passado dos Mundiais, talvez não seja má ideia começar a dobrar a roupa e fazer a mala…

A primeira vez que aconteceu foi logo no primeiro Campeonato do Mundo, em 1930, no Uruguai. O Grupo 2 contava com Jugoslávia, Brasil e Bolívia. Os jugoslavos começaram da melhor maneira com uma vitória sobre o Brasil (2-1): marcaram Tirnanić e Bek; Preguinho festejou pelos canarinhos. A estreia da Bolívia, no Estádio Parque Central, em Montevideo, seria terrível. A Jugoslávia chegava àquela partida embalada pelo triunfo sobre os canarinhos e Bek, com mais dois golos, faria a equipa levantar voo. A seleção dos Balcãs marcaria quatro golos na última meia hora. Os bolivianos não reagiram. Quatro-zero. A tragédia ficava por aqui? Não senhor. O Brasil ofereceria mais uma recital da mesma fibra: 4-0 vs. Bolívia. Conclusão? Dois jogos, duas derrotas, oito golos sofridos e zero marcados. Assim começa a nossa aventura…

O Campeonato do Mundo de 1950, organizado no Brasil, marcou o regresso do evento mais importante da modalidade após uma paragem de 12 anos por causa da Segunda Guerra Mundial. O povo já salivava por jogos épicos, duelos eternos, fintas sem fim e golaços. O trono pertencia à bicampeã Itália desde 1934, o reinado mais longo que o futebol viu.

Ademir, Jair e companhia fizeram o Brasil levantar voo na estreia: 4-0 vs. México. A terra do samba ficou virada do avesso, a lenda do escrete começaria ali, acreditavam. Mas não começou, deitariam tudo a perder com o Uruguai no derradeiro jogo (Maracanazo). Os mexicanos acabariam no último lugar do Grupo 1, atrás da Jugoslávia e Suíça.

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Foi preciso esperar 44 anos para ver novo festival na primeira jornada. Estamos no EUA-94 e a Argentina de Alfio Basile prometia fazer estragos. A estreia foi no Estádio Foxboro, em Foxborough. Um hat-trick de Gabriel Batistuta mais um golo de Maradona deixavam KO uma seleção grega que não tinha muitas aspirações. Sim, a Grécia ficou pelo caminho ao acabar em último. Apesar desse jogo brilhante, a Argentina abanaria e acabaria o grupo em terceiro lugar com seis pontos, exatamente como Nigéria e Bulgária — os quatro melhores terceiros classificados apuravam-se, o que se verificou neste caso. Os sul-americanos ficariam pelos “oitavos”, ao cair com a Roménia (2-3). Os outros dois cairiam com o futuro finalista, a Itália de Roberto Baggio. A lenda italiana resolveria, curiosamente, ambas as partidas, que acabariam 2-1, com dois golos em cada.

Agora o África do Sul-2010. A Alemanha dava o pontapé de saída em Durban, a cidade onde Fernando Pessoa viveu durante alguns anos da sua juventude. O adversário era a Austrália treinada pelo holandês Verbeek, que acabaria por sofrer uma derrota pesada: marcaram Podolski, Klose, Müller e Cacau. Que apropriado este último: foi um verdadeiro chocolate.

Bom, vamos em quatro goleadas, quatro eliminações. O balanço não está nada favorável a Portugal. Mas há esperança, prometemos. Sofrer quatro golos sem resposta e passar a fase de grupos só aconteceu uma vez em 80 anos de Campeonatos do Mundo. Uma. A lição de cair e levantar como se nada fosse chegou da Ucrânia, no Mundial-2006. O palco desta efemeridade foi o Zentralstadion, em Leipzig, na Alemanha. Espanha e Ucrânia davam o pontapé de saída do Grupo H. A equipa do leste depositava em Shevchenko a responsabilidade de transportar os sonhos inteiros de um país. Sheva era um craque impiedoso, um autêntico pesadelo para os guarda-redes, que chegava àquela competição campeão europeu (Milan-Liverpool, 2-1) depois de marcar nove golos na prova e 19 na Serie A.

Sonhar era de borla e, quando se tem Shevchenko na equipa, obrigatório. No entanto, do outro lado estava uma Espanha farta de ser uma desilusão para as suas gentes. A eliminação precoce no Euro-2004, após a derrota com Portugal (0-1, Nuno Gomes), foi só mais um episódio triste. O Mundial da Alemanha chegava e os espanhóis queriam dar outra imagem. Aos 17′ já estava 2-0 para La Roja — Xabi Alonso e David Villa. Estavam decididos. Era desta. A equipa do antigo grande avançado ucraniano, Oleg Blokhin, estava prestes a passar um mau bocado. Pior ficou quando Vladyslav Vashchuk viu o cartão vermelho aos 47′. No minuto seguinte Villa bisou e fixava o marcador em 3-0. Faltava muito tempo para jogar e esperava-se o pior (ou o melhor para quem quer ver golos). Mas não, estava tudo mais ou menos controlado. Os 43 mil adeptos presentes no estádio só veriam Shovkovskiy sofrer mais um golo: Fernando Torres aos 81′. No final, Sheva trocou de camisola com Puyol. Curioso: um seria sempre o vilão do outro.

A resposta desta seleção seria um verdadeiro exemplo para os demais. Seguia-se a Arábia Saudita e, desta vez, Blokhin já apostou em Rebrov para o 11 titular. Afinal, não era de bom tom separar a dupla maravilha que em tempos assombrou a Europa com a camisola do Dinamo Kiev. Conclusão? Quatro-zero (Rusol, Rebrov, Shevchenko e Kalynychenko). O destino voltou a estar nas mãos deles. O orgulho ferido sarou.

No terceiro e derradeiro jogo os ucranianos venceriam a Tunísia por 1-0. O herói foi Sheva, pois claro (penálti). O stop desta seleção só chegaria nos quartos-de-final, perante a futura campeã do mundo: 0-3 vs. Itália.

É nesta fábula ucraniana que Portugal tem de colocar os olhos. Todos caem, vejam a seleção espanhola. As grandes lições e momentos que se tornam míticos nascem da adversidade, do que é improvável. Tem o direito a resposta Cristiano Ronaldo e companhia…

Já agora, para a Alemanha não sorrir com a desgraça alheia, que Müller e companhia saibam que nunca um campeão do mundo ganhou 4-0 na estreia do torneio. Sim, é um argumento muito fraco, mas tentámos equilibrar a balança…