A bola está longe. Anda no meio, às voltas, a saltitar de pé para pé. Está a 50 metros da baliza, tudo tranquilo. Ele deixa acontecer e nem luta contra isso: “Às vezes começo a tossir, ou músculos começam-se a contrair.” Podem ser tiques e espasmos. “Até posso desenvolver um tique num dos meus braços. Normalmente, é muito repentino”, chegou a admitir. Em cima de um relvado, a Síndrome de Tourette de Tim Howard é discreta. Obrigado, câmara de televisão, que sempre concentra as atenções na bola.

Logo aos 40 segundos, contudo, o foco já estava no guarda-redes norte-americano. Culpa dos belgas, que foram rápidos a deixar Divock Origi à sua frente, com a bola no pé. O avançado rematou e, com uma perna, Tim Howard defendia. Aí, quando é preciso proteger as redes, não há problema. “Quando as coisas ficam sérias perto da baliza, não tenho quaisquer tiques”, assegurou, em tempos, o barbudo e careca guardião. Aos 35 anos deu a melhor prova que, quando interessa, não há problema neurológico que o afete.

Os belgas são testemunhas. Um atrás do outro: Eden Hazard, Jan Vertonghen, Dries Mertens, Vicent Kompany, Kevin De Bruyne ou Romelu Lukaku. Todos tiveram a sua oportunidade para, com um pontapé,  fazer com que a bola ultrapassasse Tim Howard e seguisse para a baliza dos EUA. Em hora e meia de futebol, todos falharam.

Ao remate de Origi, quando o primeiro minuto ainda estava vivo, seguiram-se outros que, aos 21’, 22’ e 28 minutos, foram bloqueados pelo guardião norte-americano. Os remates sucediam-se. A técnica e gentileza por centímetro quadrado em pés belgas é muita. Tanta que os jogadores insistiam em complicar as coisas — passando a bola lentamente, tornado as jogadas previsíveis –, para depois as tentarem (e conseguirem) descomplicar. Ter Hazard, Witsel e De Bruyne na mesma equipa dá direito a jogar assim.

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Os EUA aprenderam isto. Viram que, por muitas perseguições que fizessem à bola e aos adversários, o melhor era esperarem. Fechar os espaços e deixar os belgas andarem de um lado para o outro. Depois, com a bola, o contra-ataque era a prioridade. Aos 45’, contudo, a primeira parte dizia goodbye com mais uma parada de Tim Howard. Queriam melhor prenúncio para a segunda parte?

Aos 47’, o guardião dizia que não ao golo proposto por um cabeceamento de Dries Mertens. Dez minutos passados e Vertonhen recebia o seu não, agora vindo de uma das pernas de Howard. Aos 67’, os mesmos protagonistas repetiam o filme. Depois, ao 71.º minuto, a enormidade do guardião aumentava mais um pouco, quando parou outro remate de Origi.

Aos 76’ agigantou-se outra vez para encolher uma tentativa de Kevin Mirallas. “Nem os médicos me conseguem explicar, mas acho que a minha concentração durante um jogo é mais forte do que a Síndrome de Tourette”, admitia Tim Howard, em 2013, quando o Der Spiegel se dedicou a perguntar-lhe sobre como conciliava a doença com a missão de tapar uma baliza. Pelos vistos, muito bem. Vinha o minuto 79 e com ele mais uma prova — Hazard rematava e Howard defendia.

Reflexos, coragem, sorte ou saber estar no sítio certo? Talvez tudo. Só pode, pois, aos 85’, Origi recebeu o seu terceiro não de Howard e, aos 90’, até o capitão Kompany levava uma nega. E os restantes dez norte-americanos? Corriam atrás da bola, defendiam e, quando já todos pensavam no prolongamento que aí vinha, Wondolowski quase pregava uma partida — o avançado, que entrara a meio da segunda parte, rematou por cima aos 93’, quando só tinha Thibault Courtois à frente.

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Teria sido o final perfeito para a epopeia. A dos EUA, comandada pelo herói Tim Howard. Não foi. E a imunidade do guarda-redes norte-americano só chegava para hora e meia de ataques — logo aos 93’, à primeira tentativa belga no prolongamento (o quinto deste Mundial), Kevin De Bruyne marcava, após Lukaku cavalgar pela direita e deixar a bola à mercê do homem do Wolfburgo. Aos 97’ ainda sacou outra parada a remate de Lukaku. O mesmo acontecia aos 101’. Já não havia dúvidas — derrota ou vitória, era a exibição de uma vida.

https://twitter.com/FootballVines/status/484097461318062081

Mas calma, ainda não era tempo para resumos. Aos 104’, outra defesa aparecia para não deixar a bola voltar a tocar nas redes, após ser pontapeada por Mirallas. Só no minuto seguinte, o terceiro remate de Lukaku conseguiria fugir aos reflexos de Tim Howard. 2-0, quinze minutos por jogar e a Bélgica parava de suster a respiração. Não por muito tempo. Com 107 minutos no relógio, Julian Green, dentro da área belga, rematou com a ponta da chuteira, e de primeira, na bola que Michael Bradley lhe passou pelo ar. 2-1, tudo aos pulos no banco dos EUA e esperança para a equipa de Jurgen Klinsmann.

E os norte-americanos tentaram. Uma, dois e três vezes. Um par de remates de Jermaine Jones, o alemão mascarado pelos States (dupla nacionalidade), falhou os remates que fez aos 108′ e 112′. Dois minutos depois, um livre à entrada da área deu à equipa uma oportunidade para executar o ensaiado nos treinos — a jogada combinada quase dava o 2-2, mas Courtois seguiu-se o exemplo que tantas vezes viu na baliza oposta e agigantou-se para impedir que Clint Dempsey empatasse o jogo. Pelo meio, aos 111′, Tim Howard ainda foi obrigado a desviar a bola da sua viagem quando Lukaku, pela última vez, o tentou enganar.

Beep, beep e beep. Os três últimos apitos do árbitro acabavam com a partida. Festa belga e desilusão norte-americana. E inglório ficou o esforço de um homem que fechou 120 minutos de futebol com 15 defesas feitas. Quinze. O maior número de sempre registado numa Copa do Mundo, desde 1966. Já agora, agiganta-se ainda mais este feito — nos últimos 48 anos, só um jogo de Mundiais (a vitória por 10-0 da Jugoslávia frente ao Zaire, em 1974) teve mais remates feitos a uma das balizas do que os 17 que Tim Howard teve de enfrentar. “Já larguei muitas bolas na minha carreira, mas nenhuma por causa de um tique [nervoso]”, assegurou o guarda-redes.

Neste dia, o problema foi esse — os EUA tiveram o azar de Howard não conseguiu tocar em duas bolas rematadas por belgas.