“Cresci a ver a minha família cozinhar comida portuguesa”, conta George Mendes ao Observador. O nome que carrega há 42 anos denuncia de imediato uma dupla nacionalidade. O sotaque encerra as dúvidas. Sentado num bar de um terraço lisboeta, o chef lusodescendente — filho de emigrantes beirões de Ferreirós do Dão e nascido nos Estados Unidos da América, no Connecticut — tenta ao máximo falar em português. Volta e meia regressa ao dicionário inglês. As palavras em ambos os idiomas acabam, por fim, por se encontrar e um discurso bilingue domina a entrevista.
Repita-se a ideia principal: a infância de George Mendes está recheada, literalmente, de sabores nacionais que eram as estrelas de reuniões familiares feitas à mesa. A mãe e a tia são as grandes responsáveis por ele ser, hoje em dia, um cozinheiro de sucesso. Foram as receitas que as duas figuras femininas introduziram no quotidiano de um rapaz, mais tarde homem, que viriam a ditar-lhe o percurso profissional. Ele que cresceu por terras norte-americanas, ganhou apetite pelas cozinhas francesa e espanhola, mas nunca se esqueceu das origens. E são essas raízes o motivo de conversa.
Ao contrário do que seria de esperar, George Mendes não soube desde tenra idade que queria ser cozinheiro. Apesar de fã acérrimo de temperos e texturas, só em adolescente deixou-se convencer pelo ritmo e pressão que uma cozinha exigia. Era um jovem ativo, tinha por hábito jogar futebol e basquetebol, e recusava a ideia de um trabalho que o prendesse por largas horas a um mesmo escritório.
Depois de uma visita de escola ao Instituto de Culinária da América, aos 17 anos, percebeu que queria ser chef. Os pais não gostaram de imediato da ideia, mas em vez de um redondo “não”, aos ouvidos chegou-lhe um “pensa bem se é isso que queres”. Não houve dúvidas de maior e a maratona por tachos e panelas começou. A meta, essa, está longe do fim e a próxima etapa é em português.
George estreou-se na cozinha francesa, com a qual ganhou familiaridade. Mas foi em pleno território espanhol que se deixou encantar pelas receitas tradicionais servidas na forma de pratos gourmet, depois de trabalhar lado a lado com o aclamado chef Martin Berasategui. “Martin foi uma grande influência. Ele usava a comida dos antepassados, da família, que reinterpretava com criatividade e técnica. Isto numa altura [década de 2000] em que Espanha estava a receber toda a atenção culinária do mundo — ainda hoje está”. Foi também ele quem abriu os olhos a George que a partir das suas raízes começou a criar um estilo próprio, o mesmo que o levou a querer ser dono de um restaurante. O Aldea, cujo nome significa “aldeia” em espanhol, abriu as portas em 2009.
O desafio. O risco. A oportunidade. Uma receita de três ingredientes que culminou nesse restaurante moderno nova-iorquino e cuja gastronomia de base é ibérica. O resto é comandado pelo espírito livre: “Costumo dizer que nós somos os heróis do mar e explorámos o mundo inteiro. Eu cozinho no mesmo registo. Posso ir à Tailândia ou ao México e interpreto os sabores à minha maneira”. A experiência tem resultado bem até ao momento, não fosse a estrela Michelin falar por si: “Pode ser a cidade que nunca dorme, mas as pessoas gostam de descontrair e de estar sentadas à mesa a saborear a comida. E aquela portuguesa é rústica, acolhedora, com alma e informal, e as pessoas gostam disso, mais do que há 10 anos”.
Esse é um dos motivos porque George voltou a arriscar, com ou sem oportunidade. O chef vai abrir um novo espaço no início do próximo ano — “se deus quiser, lá para janeiro ou fevereiro” — ao estilo de uma cervejaria típica com aposta em comida nacional. Além das cervejas (artesanais e de pressão) e dos vinhos, na ementa vão constar “verdadeiros clássicos portugueses”, como Bacalhau à Brás e Amêijoas à Bulhão Pato, mas também receitas reinventadas. “Quem é que não vai gostar disto?”, atira. “Vamos fazer coisas muito simples, desde bife nas brasas a camarão grelhado”. Ao que perguntamos se a ementa é 100% portuguesa. O chef abana a cabeça na vertical e exclama”I can promise you that!”
Por enquanto não há nome escolhido para o espaço, mas o rumor é que será fortemente influenciado pela cultura lusa, a mesma que está contada no novo e primeiro livro de George Mendes. My Portugal: Recipes and Stories, que a partir de 7 de outubro pode ser adquirido através da Amazon apenas em inglês, resulta de uma viagem que o cozinheiro fez a Portugal ainda neste verão.
Durante mais de uma semana andou a percorrer o país e viu (e provou) o Alentejo e o Algarve, mas não só, pela primeira vez na vida. Sopa de poejos, açordas, migas e marisco preencheram os dias e um conto que agora tem vida própria na obra literária. Mais do que um livro de receitas (há um capítulo dedicado por inteiro ao bacalhau), é um de viagens e de histórias. Uma autobiografia documentada entre medições culinárias e paisagens de um país que, já na fase adulta, enche as medidas de George.
“A minha missão é educar o público norte-americano sobre o que é a gastronomia portuguesa, colocá-la ao mesmo nível da italiana e da espanhola”.Posto isto, perguntamos se está orgulhoso de ser (pelo menos metade) português. Foge-lhe um “Absolutely!”.