Chegou ao Governo italiano há oito meses e encantou pela juventude, pela simpatia e pela promessa de mudança. Agora Matteo Renzi enfrenta duas provas de fogo: a reforma laboral e a reforma constitucional que estão em andamento. À medida que avança com os seus projetos para o país, Renzi parece estar a perder o seu estado de graça dentro e fora de portas – o confronto com Bruxelas sobre o orçamento italiano para 2015 parece iminente – algo que não o incomoda já que, segundo o próprio, “sem reforma, não há futuro”.
Milhares de pessoas saíram às ruas de Roma no sábado para protestar contra a reforma laboral que Matteo Renzi já fez passar no Senado no início do mês e agora vai precisar legislar e fazer passar no Parlamento italiano. A comandar a manifestação estava a Confederazione Generale Italiana del Lavoro, o sindicato mais poderoso do país que já fez saber que, caso a reforma avance, vai iniciar um período de greves em vários setores.
O primeiro-ministro quer flexibilizar o mercado de trabalho e, para isso, pretende alterar o artigo 18º do código de trabalho italiano, um dos dogmas das leis laborais do país que define que um trabalhador cujo despedimento seja considerado injusto pelos tribunais tem obrigatoriamente de voltar ao seu posto de trabalho. Este artigo data dos anos 70 e é visto por muitos economistas como um impedimento do investimento estrangeiro em Itália. Um ponto controverso para quem se apresenta como um homem de esquerda.
“O mercado de trabalho e a sua legislação estão bloqueados há anos por leis antigas. Se és jovem, é impossível perceber porque é que o sistema está virado para o passado”, argumentou o primeiro-ministro em entrevista ao Washington Post no final de setembro. Quanto aos sindicatos, Renzi diz saber que os sindicatos estão contra ele, mas afirma que vai continuar mesmo sem a sua aprovação, até porque “os sindicatos não vão parar o Governo”, disse também ao jornal norte-americano. Uma posição de força contra organizações que tal como ele próprio e o seu Governo, se situam à esquerda no espectro político.
“A nível teórico, um partido de esquerda que reduz a proteção laboral está a quebrar um pacto com os eleitores, mas na realidade o Partido Democrático (desde o tempo dos primeiros governos do então Partito Democratico della Sinistra em 1995) sempre foi um adepto da redução da proteção laboral como forma de redução do desemprego”, disse ao Observador o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Goffredo Adinolfi, que defende, no entanto, que os dois fenómenos “não têm correlação”.
O ministro do Trabalho, Giuliano Poletti, disse perante o Senado que o Governo pretende “eliminar o veneno que mata o investimento”, e para já, ainda não há uma proposta de reforma concreta, embora o Executivo já tenha mandato para a elaborar e fazer aprovar na Câmara de Deputados.
A The Spectator apresenta a Ópera de Roma como um dos exemplos das alterações que já estão a acontecer no país. No início de outubro, todo o elenco da ópera foi demitido – num total de 182 pessoas entre músicos, bailarinos e coro -, e a revista aponta como principais problemas os benefícios dos seus trabalhadores. O horário de trabalho eram 28 horas semanais, recebiam 16 meses por ano e tinham ainda direito a um subsídio sempre que tocavam e cantavam ao ar livre devido a possíveis doenças que pudessem contrair ligadas às condições climatéricas. Segundo o Telegraph, a Ópera tem milhões de euros em dívidas e um orçamento anual de 12,5 milhões de euros. O jornal questiona mesmo se os trabalhadores destas instituições – a este despedimento coletivo seguiram-se várias greves de outras companhias apoiadas pelo Estado – serão o equivalente para Renzi dos mineiros que afrontaram Thatcher nas suas reformas laborais.
O fim do Senado tal como Itália o conhecia
Renzi também quer acabar com o sistema bicamaral do país tal como ele existe, fazendo com que os senadores deixem de ser eleitos, mas sim nomeados e ainda reduzindo as suas capacidades legislativas, passando maior ênfase para a Câmara de Deputados. O passo mais difícil, fazer com que o próprio Senado permitisse ao Governo iniciar esta reforma constitucional já foi dado, encontrado reticências nos partidos da oposição como o Movimento 5 Estrelas ou Liga Norte que saíram da sala quando o início desta alteração foi votado em agosto. Dentro do seu próprio partido, o primeiro-ministro enfrentou opiniões desfavoráveis, com dois senadores do Partido Democrático a votarem contra.
“Vai demorar, vai ser um processo longo e até pode haver falhas, mas ninguém pode parar a transformação que começou hoje”, disse Matteo Renzi, aquando o início da reforma constitucional em Itália.
Apesar da oposição de alguns senadores, esta medida pode vir a ajudar a popularidade de Renzi. “A opinião pública quer reformas constitucionais muito embora não perceba praticamente nada de constitucionalismo. Isso deve-se a um mal-estar muito profundo que faz com que os cidadãos desconfiem da elite politica e a apoiem qualquer líder que faça promessas para reduzir o poder dos ‘políticos de profissão’. Grillo nas eleições de 2013 e Renzi, com o discurso de pôr de lado os velhos líderes, nas eleições europeias de 2014”, afirma o investigador Goffredo Adinolfi. As alterações constitucionais podem mesmo levar a um referendo.
Segundo este académico radicado em Portugal, está ainda em curso uma reforma eleitoral e já foi aprovada uma reforma que equivale à reforma administrativa mas a nível dos distritos ou províncias italianas. “São apresentadas como reformas democratizadoras, mas de facto mostram o fechamento do sistema político italiano”, defende.
Caso consiga ser bem-sucedido nas duas frentes – na doméstica e em Bruxelas -, Renzi pode vir a recolher um capital político importante para os próximos anos e dar um sinal positivo de estabilidade aos mercados, evitando mais um ano de recessão económica no país. Caso não seja, é conhecido por saber dar a volta. “Renzi é um grande construtor de consensos. Mesmo que tudo se revele uma grande derrota ele poderia transformar a derrota em vitória acusando as forças do conservadorismo de bloqueio”, admite Adinolfi.