Tal como esta sexta-feira António Costa apresentou ao partido e ao país a moção política ao XX Congresso Nacional do PS, em janeiro de 2009 era José Sócrates que apresentava o documento estratégico para o Congresso, que foi escrito precisamente sob a coordenação de António Costa. Cinco anos depois, a realidade do país mudou e, por isso, há diferenças nos dois textos e ausências muito notadas – como a dívida e o rigor orçamental – mas há também muitas semelhanças. No discurso e no caminho a seguir.

Palavras como dívida pública e endividamento externo não entravam na moção de José Sócrates, intitulada “PS: a força da mudança”, mas eram possivelmente as mais aguardadas na moção política e na prometida “Agenda para a década” de António Costa. Apesar de não defender nem a reestruturação nem a renegociação da dívida, Costa aponta uma proposta de solução mais alargada para o problema da dívida, que passa pela Europa e nomeadamente por uma “leitura mais flexível das regras orçamentais”.

Metas, regras e disciplina orçamental também não. São palavras que pouco ou nada aparecem no documento de José Sócrates. Mas cinco anos depois Costa defende, por um lado, que não devem ser postas “em causa as regras fundadoras da disciplina orçamental da União Europeia”, mas diz ao mesmo tempo que deve ser feita uma “leitura inteligente da disciplina orçamental”, isto é, com vista a uma mais flexibilidade das metas do Tratado Orçamental.

A postura perante a Europa é, precisamente, outro dos aspetos que distingue o discurso 100% europeísta do PS de Sócrates em 2009 e um discurso mais crítico de Bruxelas na moção estratégica do agora candidato a líder socialista. Se Sócrates dizia em 2009 que o “PS é o partido da Europa” – “sem qualquer hesitação, ambiguidade ou reserva” -, a moção de Costa pede agora uma “nova voz na Europa” e um “novo impulso na União Europeia”. Apesar de não querer um “virar de costas” a Bruxelas, Costa defende claramente uma mudança de direção.

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Em cinco anos muito mudou no cenário económico-social português, mas mantém-se o discurso dos dois socialistas no que diz respeito à “resposta à crise“. Uma crise que, escrevia Sócrates na altura, se traduziu num défice “elevadíssimo” em 2005 devido “ao fracasso da governação da direita [governos de Durão Barroso e depois Santana Lopes]”. E uma crise que, diz Costa cinco anos depois, foi agravada pela resposta “pró-ciclica” dada pelo atual Governo de Pedro Passos Coelho.

No documento estratégico de Sócrates, lê-se que o PS se concentrou na tarefa de “promover o crescimento económico e a criação de emprego” a par de uma “política de rigor” para reduzir o défice. Uma postura de “resposta à crise” que Costa caracteriza de “contra cíclica” e que faz questão de lembrar no documento que agora apresenta:

“Enquanto a resposta em 2009 foi contra cíclica, tanto do ponto de vista orçamental como das políticas escolhidas – que procuraram conciliar a urgência da resposta no curto prazo com o investimento modernizador no longo prazo –, a resposta ao choque de 2011-2013 foi pró-cíclica”.

Entre 2009 e 2014 muito mudou, desde o pedido de ajuda externa à assinatura e execução do memorando da troika, mas as semelhanças nos discursos e nas propostas dos dois socialistas são evidentes, havendo no documento de Costa a promessa da reposição de algumas medidas do Governo anterior. Ficam aqui alguns exemplos:

Política Fiscal

Costa: Definir um quadro de estabilidade e transparência fiscal; estabelecer uma tributação pessoal mais equitativa; programar a evolução do IRS até 2020 e eliminar a sobretaxa e “outros elementos de regressividade do imposto”.

Sócrates: Assegurar um “maior equilíbrio”, nomeadamente através do apoio às famílias de rendimentos médios e do estimulo à natalidade, e uma “melhor distribuição do esforço fiscal” com limites às deduções de que beneficiam os que têm rendimentos mais elevados para que possam beneficiar os que têm rendimentos médios, eram bandeiras fiscais de Sócrates. Também a “maior transparência” estava presente.

Políticas sociais

Costa: Repor progressivamente as condições de equilíbrio dos sistemas de proteção social; centrar o combate à pobreza nas crianças e aos jovens. E repor o Complemento Solidário para Idosos, uma medida do governo socialista.

Sócrates: Já Sócrates se comprometia a “aprofundar as prestações sociais para aqueles que não podem aceder a rendimentos dignos através da atividade económica”. Pedia o “alargamento da proteção social para todos os setores da população que têm dificuldades de acesso a essa proteção”, e lembrava o Complemento Solidário para Idosos que, segundo Sócrates, tinha permitido retirar da situação de pobreza cerca de 200 mil idosos.

Salário mínimo

Costa: Não diz quanto nem quando, mas uma das promessas de António Costa é o “aumento sustentado” do salário mínimo nacional.

Sócrates não falava, na altura, em promessas de aumento do salário mínimo, mas não esquecia o assunto para dizer que “promovemos um aumento substancial do salário mínimo”.

Reforma do sistema eleitoral

Costa: Para já, promete alterar o sistema eleitoral, através da introdução dos sistemas uninominais. “Aperfeiçoar o regime de incompatibilidades entre a esfera pública e privada” também estará no horizonte.

Sócrates: Admitia a possibilidade de uma revisão da Constituição. Sobre a reforma do sistema eleitoral, Sócrates dizia que era para continuar. “Concluir a reforma com vista a uma maior aproximação entre eleitos e eleitores, mas com respeito pela proporcionalidade”, lia-se no documento.

Simplex

Costa: Ressuscitar o Simplex de Sócrates na administração pública central e local, e na gestão pública.

Sócrates: O programa Simplex era uma das bandeiras de Sócrates, e na moção estratégica volta a hastear a bandeira. Uma das metas do PS na altura era “a modernização continuada de um Estado amigo e promotor da iniciativa empresarial e do investimento”, através do aprofundamento do Simplex, isto é, da “simplificação dos procedimentos para os cidadãos e para as empresas”.

Apesar de os documentos de orientação política não serem propostas de governo, ambos os textos pedem uma clara maioria absoluta para governar. “Essa maioria é uma condição essencial para a formação de um governo estável e com condições para levar a cabo uma política sólida e consistente para sair da crise e colocar o país num caminho de crescimento e emprego”, diz Costa. “Uma nova maioria absoluta do PS dará ao País as garantias de estabilidade política e de governabilidade que são essenciais para que Portugal possa vencer as consequências da crise económica internacional e prosseguir, sem retrocessos, um rumo de modernização e de reformas”, dizia Sócrates.

Além do coordenador António Costa, faziam também parte da equipa escolhida por Sócrates para redigir o documento outros nomes que estão ainda hoje no palco do PS: Vieira da Silva, responsável pelos assuntos financeiros na bancada do PS, o deputado Jorge Lacão, o ex-líder parlamentar, da ala segurista, Alberto Martins, assim como Augusto Santos Silva, Vera Jardim e Pedro Adão e Silva.