As operações de recompra de títulos de dívida emitidos pelo Banco Espírito Santo (BES), e que provocaram um rombo de centenas de milhões de euros nas contas semestrais, foram efetuadas durante os primeiros 22 dias de julho. Isto significa que estas transações, que envolvem a empresa suíça Euorofin, e estão a ser investigadas por reguladores e autoridades judiciais, continuaram ainda depois de Vítor Bento assumir a presidência do banco. As perdas no BES resultaram em ganhos que beneficiaram as empresas do Grupo Espírito Santo (GES).
A deliberação do Banco de Portugal de 30 de julho, que fundamenta a suspensão de funções de administradores e responsáveis de órgãos de controlo interno do BES, explica que as operações de recompra de dívida do próprio banco foram efetuadas “durante os primeiros 22 dias de julho de 2014 e ascenderam a 1484 milhões de euros (expressas em valor nominal”).
Ora, a entrada de Vítor Bento para a presidência executiva do BES, acompanhado de João Moreira Rato e José Honório, concretizou-se antecipadamente em relação ao previsto, e na sequência da pressão movida pelo Banco de Portugal junto dos acionistas de referência do BES, numa reunião realizada num domingo a 13 de julho. Mas a entrada de novos administradores, no dia seguinte (14) não chegou para travar de imediato as operações sob suspeita que vieram a trazer elevados prejuízos ao banco. O ex-presidente do BES e do Novo Banco tem audição marcada na comissão de inquérito dia 2 de dezembro, na próxima terça-feira.
Argumentos da diretora: Operações evitaram perda de confiança no BES
A ata da reunião do conselho de administração do Banco de Portugal diz que as operações de recompra verificadas no primeiro semestre “foram insignificantes”. Mas a “partir essencialmente de 11 de julho de 2014 surgiu um número significativo de pedidos de recompra os quais foram sempre satisfeitos pelo BES, pois segundo a Drª Isabel Almeida (diretora do departamento financeiro, de mercado e estudos) não os satisfazer poderia implicar uma perda de confiança no BES e uma consequente corrida aos depósitos”, apesar de reconhecer que “o reembolso tem um impacto negativo na liquidez disponível do Banco”.
Estas recompras, também conhecidas como operações Eurofin, sociedade financeira suíça, foram determinantes para o agravamento súbito dos prejuízos do BES, para 3,6 mil milhões de euros, precipitando a resolução do banco. As suspeitas relativas às operações Eurofin, realizadas ao arrepio das orientações do Banco de Portugal, constam da queixa-crime apresentada pelo supervisor em setembro e que terá estado na origem das buscas realizadas esta quinta-feira a escritórios do antigo BES e à residência de Ricardo Salgado e outros ex-administradores do banco.
A deliberação de 30 do Banco de Portugal foi entregue à comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (GES), tendo sido entretanto disponibilizada no site do supervisor. Este documento refere ainda que órgãos e responsáveis tiveram conhecimento destas recompras e qual foi o circuito de autorizações revelado à data pela então diretora financeira do BES.
Segundo Isabel Almeida, a afluência de pedidos de recompra foi discutida com o administrador com o pelouro financeiro, Amílcar Morais Pires, que deu instruções relativas a estas transações, e com outros administradores, sendo referidos os nomes de João Freixa, Stanislas Ribes e Jorge Martins. O tema chegou a estar agendado para discussão na comissão executiva, mas tal não aconteceu.
A recompra massiva de obrigações emitidas pelo BES foi detetada numa análise da PricewaterhouseCoopers (PwC) onde se conclui que estas operações originaram “perdas nas contas do banco de cerca de 254 milhões de euros, decorrentes da diferença entre o respetivo valor contabilístico e o preço pago”. O período de recompras, primeiros 22 dias de julho e as explicações dadas por Isabel Almeida, constam deste relatório inicial da PwC. Desde então, e segundo dados já divulgados na imprensa, estima-se que o prejuízo provocado ao banco pela recompra de obrigações com intermediação da Eurofin, tenha atingido quase 800 milhões de euros.
As perdas para o BES traduziram-se em transferência de ganhos para empresas do Grupo Espírito Santo (GES), através de um esquema muito complexo que envolveu triangulação por sociedades offshore e veículos especiais geridos pelo Crédit Suisse. As ações preferenciais destes veículos estavam colocadas junto de clientes não residentes do BES. As obrigações emitidas pelo banco foram usadas para substituir a dívida do GES, que fazia parte do ativo das tais sociedades veículo, e depois recompradas a um preço muito mais alto pelo próprio banco.
Preço de recompra indicia concertação entre intervenientes
Da análise efetuada “aos preços praticados constata-se que ocorreram emissões por preços com significativo desconto e altos yelds (rendibilidades) e recompras por preços superiores aos expectáveis”. Não é claro quem fixa os preços das várias transações, “embora pareça existir um elevado nível de coordenação na atuação dos intervenientes”.
Segundo a descrição feita no relatório da PwC, a comissão executiva terá dado luz verde a estas transações, porque temia que os instrumentos de dívida das empresas do GES, em forte desvalorização e à beira do incumprimento, perdessem valor e prejudicassem os clientes. “Adicionalmente, também não era do interesse do Banco que se viesse a saber que os ativos do Fundo eram compostos por dívida GES”. Não foi contudo encontrada qualquer formalização sobre a discrição das operações.
O Banco de Portugal conclui que estas informações “indiciam o incumprimento dos deveres de diligência indispensáveis para garantir uma gestão sã e prudente”, e o incumprimento de normas relativas a operações de risco, o que fundamentou o afastamento imediato dos responsáveis pelos órgãos de controlo interno: compliance, gestão de risco e auditoria interna.
A comissão executiva já liderada por Vítor Bento comunicou ainda ao regulador a existência de duas cartas de conforto emitidas em nome do Banco de Desarrollo Economico & Social Venezuela e Fondo Desarrollo Nacional Fonden, e assinadas por Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo, que asseguram a liquidez necessária para assegurar o reembolso de títulos de dívida da Rioforte. Estas garantias representavam 270 milhões de euros.