Se até os Óscares, que são plebiscitados por mais de seis mil profissionais do ofício do cinema, têm que ser encarados com alguma distância cética, o que dizer dos Globos de Ouro, atribuídos por pouco mais de 90 membros da Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood (AIEH), que precisam apenas de ter escrito quatro artigos por ano para terem direito a votar? Não faltam amolgadelas na credibilidade destes prémios. O New York Times chegou a fazer, há alguns anos, um trabalho de investigação sobre os Globos de Ouro, por causa das histórias e alegações de tráfico de influência, favorecimento nas nomeações e compra de votos por parte de estúdios e produtores que corriam no meio do cinema.
Há o embaraçoso caso, em 1981, de Meshulam Rilkis, marido da atriz e cantora Pia Zadora e produtor do inenarrável “Butterfly”, do qual a mulher era a vedeta, que conseguiu que ela fosse distinguida como Melhor Nova Estrela do Ano, embora o filme nem sequer se tivesse estreado nos EUA e Zadora se tivesse estreado no cinema em 1964, aos 11 anos. Antes da votação, Rilkis, dono de vários casinos em Las Vegas, tinha oferecido um luxuoso fim de semana a vários membros da AIEH na cidade do jogo. A bronca foi tão grande que a categoria acabou por ser extinta um ano depois, e “Butterfly” passou a figurar a partir daí em muitas listas dos Piores Filmes Já Feitos.
“Trailer” de “Butterfly”
Em 1999, cada membro da AIEH recebeu um valioso relógio, nominalmente enviado por Sharon Stone, intérprete de “A Musa”. Quando a notícia do presente saiu a público, o então presidente da organização mandou toda a gente devolver os relógios à produtora da fita, a USA Films, enquanto Stone atirava as culpas para cima desta, que por sua vez dizia que tinha sido a atriz e não ela a ter a ideia. E em 2011, após o policial “O Turista”, com Johnny Depp e Angelina Jolie, ter sido nomeado, para estranheza de muitos, na categoria de Melhor Musical ou Comédia, tal como “Burlesco”, com Cher e Christina Aguilera, soube-se que a Sony, distribuidora dos dois filmes, havia oferecido uma viagem a Las Vegas aos membros da AIEH, com todas as despesas pagas, que culminou com um concerto privado dado por… Cher.
http://youtu.be/IfdutPeQkY0
Anúncio dos nomeados deste ano
Mesmo assim, os Globos de Ouro têm muitos trunfos. O desdobramento de categorias em relação aos Óscares (Melhor Drama e Melhor Musical ou Comédia) permite nomear e premiar mais e um maior leque de filmes; a televisão também tem direito a prémios, e não só o cinema (ver mais abaixo); a cerimónia de entrega é mais descontraída, informal e “cool” que a dos Óscares, a sensação de proximidade das “estrelas” é maior, e os apresentadores costumam ser muito mais bem escolhidos do que os das estatuetas (Tina Fey e Amy Poehler, este ano); a AIEH faz muito bom “marketing” do acontecimento; e apesar de a realidade não o confirmar, ainda há muito boa gente que engole aquela de os Globos de Ouro serem a antecâmara/bússola/bola de cristal dos Óscares.
Trailer de “Birdman”, o favorito de 2015
Cinema e séries: os favoritos deste ano
Na cerimónia deste ano, o grande favorito é “Birdman”, de Alejandro González Iñárritu, com sete nomeações, seguido de “Boyhood-Momentos de uma Vida”, de Richard Linklater, e “O Jogo da Imitação”, de Morten Tyldum, com cinco cada. Com quatro, estão “Grand Budapest Hotel”, de Wes Anderson, “Selma”, de Ava DuVernay e “A Teoria de Tudo”, de James March. Entre os filmes com três indicações, surgem “Foxcatcher”, de Bennett Miller, “Caminhos da Floresta”, de Rob Marshall, ou “Olhos Grandes”, de Tim Burton. Deste grupo de títulos deverá, previsivelmente, sair o grosso dos vencedores desta 72ª edição dos Globos de Ouro. Deles, “O Jogo da Imitação”, “Selma”, “A Teoria de Tudo” e “Olhos Grandes” ainda não se estrearam em Portugal. Os restantes estão em exibição e “Grand Budapest Hotel” já foi editado em DVD.
Entre os filmes com mais visibilidade que não tiveram os favores dos poucos mais de 90 membros da AIEH, contam-se “Interstellar”, de Christopher Nolan, “Sniper Americano”, de Clint Eastwood, e “Invencível”, de Angelina Jolie. O resto, são as vaidades da passadeira vermelha e a palha dos mexericos dos “famosos” .
Nos grandes prémios do cinema e da televisão, a Internet passou de intrusa a presença obrigatória em pouco tempo. Para além das disputas entre filmes, séries e protagonistas, os olhos também vão estar postos no duelo direto entre os dois serviços de streaming Netflix e Amazon, na categoria de melhor série de comédia: a primeira concorre com “Orange is the new black”, a segunda com “Transparent”. “Silicon Valley” (do canal HBO), “Jane, The Virgin” (The CW) e “Girls” (HBO e vencedora do Globo em 2013) são as restantes concorrentes.
“Transparent”, história sobre a família Pfefferman que descobre que o pai é transexual, estreou em 2014 e valeu à Amazon as primeiras nomeações de sempre nos Globos de Ouro, para melhor série de comédia e melhor ator (Jeffrey Tambor). As previsões de meios de comunicação norte-americanos como o Washington Post, Variety ou Indiewire indicam que a Amazon pode chegar, ver e vencer logo à primeira, graças à prestação de Jeffrey Tambor. Mas dizem que o Globo de Ouro para melhor série cómica deverá ir para “Orange is the new black”.
A estrela dos serviços online é a Netflix. Há um ano fez história ao conquistar o seu primeiro Globo de Ouro, na categoria de melhor atriz numa série dramática pelo desempenho de Robin Wright em “House of Cards”. Para a 72.ª edição, a Netflix soma sete nomeações, três delas para “House of Cards, entre as quais melhor série dramática.
Sem a superestrela “Breaking Bad” na corrida (em 2014 terminou em beleza ao vencer o Globo de melhor série dramática e Bryan Cranston o Globo de melhor ator), e com “Homeland” a não conseguir a nomeação (em 2012 e 2013 foi a série vencedora nesta categoria), as apostas dividem-se muito sobre quem vai vencer o importante galardão. Para além de “House of Cards”, que vai à frente nas apostas, em competição estão também “Downton Abbey” (ITV), “The Affair”(Showtime), “Game Of Thrones” (HBO) e “The Good Wife” (CBS).
A confirmar-se a vitória de “House of Cards”, não é só o mundo do streaming a rejubilar. O protagonista Kevin Spacey também deverá saltar da cadeira, já que nunca teve sorte com a AIEH: sete nomeações nos Globos desde 1996, sete derrotas. Será que à oitava é de vez? As previsões na categoria de melhor ator dramático dividem-se, mas o personagem Frank Underwood é um dos grandes motivos de sucesso para “House of Cards”, o que lhe dá boas hipóteses. Clive Owen, em “The Knick”, e Dominic West, em “The Affair”, podem ser os grandes adversários.
Na categoria de melhor atriz em série dramática também há nomes de peso. A começar com Claire Danes, que este ano deu à multipremiada “Homeland” a única nomeação nos Globos de Ouro. A associação de imprensa estrangeira já reconheceu o talento da atriz com quatro Globos de Ouro no passado, mas é Viola Davis, de “How to get away with murder”, a mais apontada como potencial vencedora. Julianna Margulies (“The Good Wife”), Ruth Wilson (“The Affair”) e a vencedora do ano passado Robin Wright (“House of Cards”) são as restantes nomeadas.
As minisséries também estão em destaque e “Fargo” é mesmo a campeã, com cinco nomeações. A série inspirada no filme com o mesmo nome que Joel e Ethan Coen realizaram em 1996 pode vencer na categoria de melhor telefilme ou minissérie, melhor atriz (Allison Tolman), ator (Martin Freeman e Billy Bob Thornton) e ator secundário (Colin Hanks). O adversário direto chama-se “True Detective” e é de peso. Soma quatro nomeações: melhor telefilme ou minissérie, melhor ator (Matthew McConaughey e Woody Harrelson) e melhor atriz secundária (Michelle Monaghan). A Variety aposta que “True Detective” vai arrecadar o desejado Globo de melhor minissérie. E se há categoria onde é difícil arriscar é a de melhor ator, graças às interpretações sólidas de Matthew McConaughey, Woody Harrelson e o malévolo Billy Bob Thornton no papel de Lorne Malvo.
A lista completa de nomeações pode ser consultada na página dos Globos de Ouro.