Os investidores estão a comprar dívida pública portuguesa, uns aos outros, no chamado mercado secundário, exigindo uma rendibilidade de 2,1%. É um mínimo histórico que os analistas explicam com o acordo preliminar obtido na sexta-feira entre o Eurogrupo e a Grécia e, sobretudo, com a intervenção iminente do Banco Central Europeu (BCE) no mercado de dívida pública europeia, ao abrigo do programa inédito de expansão monetária anunciado em finais de janeiro e que arranca a partir da próxima semana. Bancos de investimento estão a reforçar a aposta nas obrigações do Tesouro, acreditando que o seu preço vai continuar a subir e a taxa respetiva a cair, numa semana em que o Tesouro português volta a emitir nova dívida a 10 anos.
As taxas implícitas na dívida portuguesa estão a baixar em todos os prazos esta manhã de segunda-feira, com a taxa a 10 anos a descer nove pontos base para 2,14%, com mínimo histórico de 2,12%, e a yield a cinco anos a descer 11 pontos base para 1,20%. A dívida de Portugal está a imitar a tendência das obrigações de outros países, como Espanha e Itália, onde as taxas a 10 anos estão em 1,44% e 1,52%, respetivamente.
A diferença (spread) entre a taxa a 10 anos de Portugal e da Alemanha está em 175 pontos base, um mínimo desde maio de 2010, o mês em que a Grécia pediu resgate internacional pela primeira vez. Este é um indicador da margem de risco exigida pelos investidores para comprar dívida pública nacional em detrimento da chamada dívida sem risco europeia, isto é, as obrigações do Tesouro federal alemão.
Risco da dívida nacional em mínimos de maio de 2010
Rabobank aposta que spread vai cair mais 50 pontos base
O influente banco holandês Rabobank acredita que esta margem de risco vai continuar a estreitar-se. Os operadores do banco acabam de investir na dívida portuguesa na expectativa de que este spread desça até aos 125 pontos base, segundo informação a que o Observador teve acesso.
Os analistas do banco justificam o investimento com a expectativa de que, “ainda que o acordo do Eurogrupo com a Grécia não tenha eliminado a tensão entre o país e os seus credores oficiais, este deverá ser um passo suficientemente positivo para que os juros dos países da periferia venham a refletir ainda mais os benefícios da intervenção do BCE“. Uma intervenção que arranca em março e que deverá levar a que o banco central compre um total de 836 mil milhões de euros em dívida pública dos países da zona euro, calcula o Rabobank.
“E Portugal deverá ser um dos maiores beneficiados tendo em conta a fatia do mercado de obrigações do Tesouro que deverá ser absorvida pelo BCE”, afirma o banco de investimento holandês, que calcula, olhando para o mercado atual das obrigações do Tesouro portuguesas, que o BCE irá comprar 21,6%” deste mercado. Os investidores estão, assim, a posicionar-se no mercado à procura de ganhar com esta procura do BCE por obrigações do Tesouro nacional, que irá verificar entre março e setembro de 2016, prevê o programa.
A descida dos juros da dívida no mercado secundário está a ser aproveitada pelo Tesouro português para emitir nova dívida a juros mais baixos, reduzindo gradualmente os custos de financiamento globais do Estado e permitindo o reembolso antecipado ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) volta esta semana a emitir dívida a 10 anos, em mais um leilão que está agendado para quarta-feira e que deverá resultar num encaixe de 1.250 milhões de euros.
Como funciona o mercado de dívida pública?
No mercado de obrigações, tal como nas ações, a cotação dos títulos está sempre a mexer. Cada vez que um investidor compra a outro um ou mais títulos de dívida, o preço a que o negócio se fez determina a evolução deste mercado. Isso não faz, contudo, com que um Estado pague mais ou menos pela dívida no imediato. A negociação entre os investidores apenas acaba por ser importante para quando um emitente de dívida como um Estado decide emitir nova dívida. Aí, os juros do mercado são uma referência para o que o Estado terá de pagar.
Os títulos de dívida são, tendencialmente, instrumentos que pagam um juro fixo. O que contrasta, por exemplo, com as ações. Isso significa que, no momento da emissão, é definida uma taxa que é paga anual ou semestralmente até que o capital inicial seja reembolsado ao investidor, na chamada maturidade. Chama-se a esse juro periódico o “cupão”, porque em tempos idos os títulos de dívida tinham, no fundo do papel, cupões destacáveis que eram trocados pelos juros.
Esse cupão nunca se altera, mas quando os títulos passam a ser negociados no mercado, entre os investidores, a rendibilidade das obrigações varia. Isto porque um investidor pode comprar o título a um valor mais alto ou mais baixo do que aquele que será reembolsado na maturidade. Ou seja, pagar, por exemplo, 98 euros por uma obrigação que, no final do prazo, será reembolsada com 100 euros. É por esta razão que quando o preço de uma obrigação cai a rendibilidade aumenta, e vice-versa. Porque a diferença face ao valor a reembolsar na maturidade se junta ao cupão fixo e determina a rendibilidade do título, ou seja, o juro.