A auditoria forense à exposição do Banco Espírito Santo (BES) à sua participada angolana, o BESA, conclui que houve uma falha repetida e sistemática nos sistemas de controlo interno por parte do banco português e da holding financeira do Grupo Espírito Santo (GES), a Espírito Santo Financial Group.
Foram também identificadas operações que tiveram como beneficiários entidades relacionadas com o BES e entidades associadas na imprensa a responsáveis do BES e ou do BESA (Banco Espírito Santo Angola). A auditoria considera mesmo que o aumento de exposição do banco português a Angola configura um ato potencial de gestão ruinosa que envolve diretamente Ricardo Salgado.
No trabalho conduzido pela Deloitte de análise aos movimentos de saídas de fundos ocorridas nas contas de depósito à ordem do BESA junto do BES, no período entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2014, “foram identificadas situações que, de acordo com os detalhes das mensagens de SWIFT [mensagens eletrónicas de operações bancárias) obtidas tinham como beneficiários entidades relacionadas com o BES (presumivelmente da área não financeira do Grupo Espírito Santo) e entidades mencionadas nos meios de comunicação social como tendo ligação a responsáveis do BES e/ou BESA”.
Segundo o documento, a evolução da situação financeira do BESA, designadamente do excesso de créditos face a depósitos, “era do conhecimento dos membros do conselho de administração (CA) do BES desde janeiro de 2012″, porem segundo a informação que foi transmitida no quadro da auditoria, os administradores do BES com o pelouro do BESA partilhavam com o CA do BES que a situação do BESA se encontraria controlada”.
A auditoria cobre o período entre 2010 e 2014, incluindo a gestão de Álvaro Sobrinho que respondia perante Salgado, mas também do seu sucessor Rui Guerra, que respondia já perante Amílcar Morais Pires, ex-administrador financeiro do BES.
Gestores informados sabiam que BESA teria impacto negativo relevante no BES
A auditoria pedida pelo Banco de Portugal conclui ainda que os dados disponíveis em 2013 sobre a situação financeira do BESA “configuram elementos suficientemente fortes para criar nos administradores em posse das informações aqui identificadas juízo de que os mesmos configuravam a ocorrência de um evento com potencial impacto negativo relevante nos resultados do BES”. Essas situações incluíam as dificuldades de financiamento do BESA no mercado monetário angolano e o não reembolso dos juros devidos ao BES, o incumprimento das reservas mínimas obrigatórias junto do Banco Nacional de Angola (BNA) e a composição da carteira de crédito.
Aumento da exposição do BES ao BESA é um “ato potencial de gestão ruinosa”
Nos 16 pontos destacados no sumário executivo, “insuficiências ao nível do sistema de controlo do BES”, é a expressão mais vezes repetida na segunda parte do trabalho conduzido pela Deloitte para o Banco de Portugal sobre o cumprimento das regras e das leis por parte da administração do Banco Espírito Santo, na gestão liderada por Ricardo Salgado. Num dos pontos, a auditoria aponta para mesmo para “um potencial ato de gestão ruinosa, em detrimento dos depositantes, investidores e demais credores, por parte dos membros do conselho de administração do BES com o pelouro do BESA”.
Em causa estão procedimentos e operações autorizadas até novembro de 2011, quando Ricardo Salgado tinha a responsabilidade de Angola e quando Álvaro Sobrinho era presidente executivo do BESA. Neste ponto da auditoria são referidas várias operações de financiamento da participada angolana por parte do BES feitas de forma informal e sem a autorização formal.
A auditoria considera que, “na ausência de um racional económico que legitimamente justifique um aumento de exposição do BES ao BESA, este poderá ser configurado como um potencial ato de gestão ruinosa”. É mais uma suspeita grave contra o antigo presidente do BES, conhecida dois dias antes de Salgado voltar a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito.
A Deloitte conclui aliás pela “inexistência do contrato de crédito a descoberto entre o BESA e diz que até novembro de 2011, eventuais necessidades pontuais de liquidez eram geridas entre os dois bancos, sem “autorização formal de descobertos, nem definição de limites”. Várias destas operações foram autorizadas apenas um administrador, ao contrário do previsto nas regras bancárias.
Recuando ao financiamento original concedido pelo BES em 2008, e que foi justificado com a compra de dívida pública angolana por parte do BESA, a auditoria não conseguiu encontrar evidências de que esse empréstimo tenha sido totalmente utilizado para a compra de 1500 milhões de dólares em dívida soberana.
Vários gestores do BES sabiam de situação do BESA desde final de 2013
A concessão de crédito ao BESA ultrapassou os três mil milhões de euros, montante que inclui os juros que a filial angolana deixou pagar à casa-mãe. Até novembro de 2011, não foi encontrado no BES qualquer análise de risco à exposição global à filial angolana, que no entanto, ficou protegido quando foi emitida a garantia soberana pelo Estado angolano no final de 2013.
Segundo a auditoria, vários administradores do BES ficaram a conhecer a situação no BESA, na sequência da assembleia geral do banco angolano realizada em outubro do mesmo ano, tendo também ficado a saber que estava em curso a negociação de uma garantia com o governo de Luanda para cobrir o risco de crédito do BESA.
Auditoria sustenta processos de contraordenação e segue para a PGR
Esta auditoria incide sobre a relação entre o BES e a sua participada angolana, mas não sobre o BESA cuja supervisão pertence ao Banco Nacional de Angola. O relatório final e a documentação irá integrar processos de contraordenação e poderá apoiar o “apuramento de eventuais responsabilidades de natureza criminal”. Toda a auditoria, cujo sumário executivo foi entregue à comissão parlamentar de inquérito ao BES/GES, será remetida para a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Nos processos do Banco de Portugal estão em causa infrações muito graves, que poderão originar a aplicação de coimas até cinco milhões de euros.
Falhas na prevenção do branqueamento a clientes do BESA
A nível do controlo interno do próprio BESA, a auditoria aponta “potenciais deficiências” nas obrigações legais de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo no que toca aos clientes do banco em Angola. O departamento responsável do BES por esta área não terá feito nenhuma ação concreta para avaliar o cumprimento destas regras em relação aos clientes do BESA.
Outra falha identificada foi a ausência de análise de risco na concessão de créditos em Angola e nas próprias operações de financiamento do BES ao BESA. Também a nível da auditoria interna do banco em Portugal foram encontradas falhas na análise e acompanhamento da situação em Angola.