Se um agente da PSP pesquisar o nome de José Sócrates, por exemplo, no sistema informático, o máximo que lhe deverá aparecer será a morada e a matrícula do carro. O sistema permite, por ordens superiores, ocultar todos os processos mediáticos ou mais sensíveis. E nem um oficial da PSP, com mais permissões que o agente, o consegue encontrar.
Os sistemas informáticos da PSP, GNR, PJ e do Ministério Público são diferentes, mas cada um deles dispõe de níveis de segurança para triar os acessos. E além de permitir ocultar processos mais sensíveis da base de dados, rastreia tudo. Ou seja, fica gravado o nome do utilizador, o local em que acedeu, por quanto tempo e o que consultou.
Numa altura em que estalou a polémica sobre os acessos do fisco a dados fiscais, com a existência de uma lista VIP, é importante perceber como funcionam esses acessos nas polícias e na justiça.
Limitações nos acessos da PSP
Na PSP, o acesso ao Sistema Estratégico de Informação, Gestão e Controlo Operacional (SEI) exige uma palavra-passe. E o nível de informações a disponibilizar é limitado. Um agente da patrulha não tem os mesmo acessos que um elemento da investigação criminal. E mesmo na informação que pesquisar poderá ter restrições.
” Imagine que quero pesquisar sobre si. Insiro o seu nome e consigo saber a sua morada, o carro, a data de nascimento. Mas se eu quiser entrar numa outra questão, como se já foi condenada, se foi alvo de um processo, tenho mais restrições e pode ser-me pedida password para aceder aquela informação”, exemplifica ao Observador Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia.
O sistema foi introduzido em 2004 e tem sido melhorado desde então. Atualmente permite que um polícia em Bragança consiga saber se o suspeito que acabou de deter é alvo de algum inquérito noutra cidade. Como todas as informações policiais são colocadas no sistema, mesmo que não haja queixa-crime do lesado há a informação de que determinada pessoa cometeu um qualquer crime. E a isso, todos têm acesso.
Mas, por outro lado, o sistema permite ocultar processos mais sensíveis. Seja por se tratar de processos muito mediáticos, de suspeitos conhecidos publicamente, ou mesmo de processos em segredo de justiça, as hierarquias podem ditar “esconder o expediente”. E, assim, nem um elemento com acesso pode consultar o processo. “É o “princípio da necessidade de saber”, conta um operacional da investigação criminal ao Observador.
O programa é controlado a partir da Direção Nacional da PSP. Paulo Rodrigues desconhece a existência de processos disciplinares a polícias que consultaram o que não deviam. Mas o operacional contactado pelo Observador admite que, mesmo sem processo, há muitos polícias a serem chamados a prestar declarações para justificarem porque acederam a determinada informação.
“Um processo mais mediático, que possa suscitar curiosidade, fica reservado a quem está ligado ao processo. Até é melhor para nós. Não havendo uma restrição total, há muitas garantias de acessos, há um grande controlo e um registo fidedigno do que se vai fazendo”, diz Paulo Rodrigues.
GNR lenta, PJ com níveis de acesso
Na GNR, explica o presidente da Associação Profissional da Guarda, o Sistema Informático de Apoio às Operações (SIOP) é muito semelhante. Embora dez anos depois de ter sido implementado ainda não estar disponível em todos os postos do País. “E por vezes é tão lento que é muito difícil aceder”, explica ao Observador César Nogueira. Uma lentidão que mesmo assim permite dissuadir curiosidades.
Na Polícia Judiciária, idem. Os níveis de acesso são definidos de acordo com “a complexidade de processos ou pessoas envolvidas e com a necessidade de aceder”, explica Carlos Garcia. O presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal diz que cada inspetor só tem acesso aos inquéritos da sua diretoria. Por exemplo, quem está na corrupção só acede a um inquérito da droga se pedir autorização superior e justificar as suas motivações. Por outro lado, também é possível que o coordenador da investigação sugira à hierarquia ocultar determinado processo do sistema – pelo seu mediatismo ou sensibilidade.
Níveis de segurança no MP
No Ministério Público há níveis de segurança. Mas tudo funciona de forma diferente. Um procurador do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa tem acesso a um sistema próprio, que mais ninguém tem fora de Lisboa – o Sistema de Gestão de Inquéritos (SGI). E por ordem da responsável pelo DIAP, Maria José Morgado, não há acesso ao famoso CITIUS por falta de segurança.
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal, por seu turno – onde têm caído os processos mais mediáticos, como é o caso de José Sócrates – tem acesso a todo o sistema sem grandes restrições. Já fora de Lisboa, os magistrados só têm acesso aos processos das suas comarcas e das suas matérias. Quem investiga um processo-crime não pode aceder a um processo cível.
“Os magistrados têm um sistema muito limitado de informação. Não têm acesso às bases de dados em termos gerais, não sabem ao que se passa na polícia. Só sabem da própria comarca. Se uma pessoa tiver processos pendentes noutra comarca, o magistrado não consegue saber”, revela ao Observador António Ventinhas, procurador na comarca de Faro.
Dentro das restrições, no entanto, pode um procurador consultar outros processos para perceber se há outros relacionados com o seu, que possam ser apensados. Não é alvo de qualquer processo por o fazer. Ao contrário de um polícia. Recorde-se, no entanto, que em junho de 2014 duas magistradas foram condenadas, depois de terem sido afastadas do Ministério Público por terem acedido a informação indevida. Neste caso, estavam em causa sistemas externos ao SGI que permitem aos magistrados aceder a informações pessoais de cidadãos. Também elas com restrições: um procurador pode saber a morada de um contribuinte através do NIF, mas não pode consultar as suas declarações fiscais, por exemplo.