Para a oposição, nem só Ricardo Salgado é culpado pela queda do BES. A pirâmide das falhas que levaram ao colapso do BES (e do grupo) tem como base a administração do banco, mas nos patamares acima estão ainda o regulador do mercado (CMVM), o supervisor Banco de Portugal, os auditores internos e externos e até o Governo e a troika. A inclusão do Governo no rol de culpados será o ponto quente do relatório da comissão. O PSD e o CDS acusaram o toque e se até admitiram avaliar a responsabilidade do Executivo em todo o processo, mas foi exatamente depois de ouvir a oposição referir que a equipa de Passos Coelho tem de estar no leque de culpados, que a maioria ficou crispada, acusando os três partidos, em especial do PS de “chicana política”.
No dia seguinte ao fim dos trabalhos, os três partidos da oposição, PS, PCP e BE apresentaram as conclusões gerais da comissão de inquérito. E os três concordam que a culpa não pode morrer apenas com Ricardo Salgado. “Desde logo, em primeiro lugar, o presidente da comissão executiva do BES, toda a sua equipa e restantes administradores, auditor externo, supervisores, Banco de Portugal, CMVM, Instituto de Seguros de Portugal, troika e Governo”, são estes os culpados para o PS, sintetizados pelo deputado Pedro Nuno Santos em conferência de imprensa. Para o deputado, se já havia consenso entre todas as bancadas da responsabilidade de Ricardo Salgado, administradores e auditores, com a audição de Maria Luís Albuquerque, a maioria juntou-se na atribuição de responsabilidades aos supervisores, “ao governo só faltou acrescentar as suas próprias responsabilidades neste caso”, disse.
Para os socialistas, o Governo tem responsabilidades em duas etapas do processo, a começar pela não deteção do problema. Depois pela decisão de dividir o BES em dois (medida de resolução anunciada pelo BdP). “Ninguém acredita que uma decisão desta dimensão não é uma co-decisão – desde logo porque os decretos-lei aprovados provam que o Governo está mais do que envolvido, mais do que comprometido com a decisão de resolução”, acusa o deputado que diz ainda que o Executivo de Passos Coelho é também responsável porque é hoje claro que com esta decisão, serão os contribuintes a pagar por dois aspetos: a injeção de 3,9 mil milhões de euros de dinheiro do Estado no fundo de resolução, que, tendo em conta a dificuldade da banca em assegurar os rácios se vai transformar num “empréstimo a longo prazo” à banca; e os processos em tribunal que vão decorrer durante anos e “vai caber ao Estado” indemnizações por cauda da “derrocada do BES”.
A esta leitura junta-se o BE e o PCP. Para a deputada Mariana Mortágua, “a responsabilidade do que aconteceu pertence aos administradores do banco”, mas também “houve falhas ao nível da supervisão”. Até porque, acrescenta a deputada, a comissão de inquérito não pode “cair no engano de achar que o problema do BES reside no caráter do Ricardo Salgado”.
Já o PCP aponta baterias a todo o sistema capitalista. O deputado comunista Miguel Tiago, que não retira responsabilidades aos responsáveis políticos e aos reguladores e supervisores, manteve durante toda a comissão de inquérito uma postura de questionar o sistema capitalista. E foi a essa conclusão que chegou dizendo que “o PCP tentou fazer uma abordagem não sobre a pessoa, mas sobre todo o sistema financeiro funciona. A forma como os reguladores estão capturados pelo sistema financeiro”, disse também em conferência de imprensa. Mas, Miguel Tiago não descarta responsabilidades e culpa a este e a outros governos: “O Governo teve responsabilidades, os sucessivos governos também, na permissividade com este grupo económico. Este [governo] especifico teve responsabilidade pela inação – sabia que estava um grupo a colapsar, que estava intimamente ligado a um banco e as medidas que tomou foi deixar as coisas irem até à ultima. Até tomar uma medida de resolução. Não acreditamos que o BdP a tenha tomado sozinho”, acrescenta.
Depois do fim das audições, segue-se a elaboração do relatório da comissão que será feito por um deputado do PSD, Pedro Saraiva. Pelas reações dos partidos da maioria haverá dois pontos nevrálgicos e ambos têm a ver com a ação do Governo: um pela responsabilidade do Governo em todo o processo, sobretudo no que diz respeito à medida de resolução; e outro sobre o facto de a decisão ter custos para o contribuinte.
Depois de a oposição ter falado e ter pedido responsabilidades ao Executivo, o PSD e o CDS marcaram conferências de imprensa que não estavam previstas para responder. E ambos acusaram a oposição, em especial o PS de “chicana política”. Nem Carlos Abreu Amorim nem Cecília Meireles admitiram que a acusação se devia ao facto de PS, PCP e BE terem colocado o Governo no rol de culpados, os dois deputados da maioria insistiram que apenas achavam precipitado o retirar de conclusões. Carlos Abreu Amorim até admitiu rever a responsabilidade do Governo, mas de forma geral: “O PSD admite que no relatório todos os atores desta peça possam vir a ser avaliados. Não pomos nada de parte nem pusemos no início”, disse. Mas depois, acusou a oposição de ter feito um “intervalo lúcido” de quatro meses (tempo em que decorreu a comissão de inquérito) e de agora “termos voltado à chicana política” e de neste processo, sobretudo o PS “estar a apontar culpados e estar a condicionar a realização do relatório”.
Cecília Meireles foi mais cuidadosa nas críticas. A deputada do CDS acusou a oposição de fazer “chicana política”. “Desde o primeiro dia que o PS e a oposição tentam responsabilizar o governo, mas não sabemos o que teriam feito. Continuo a aguardar que o PS explique o que teria feito”, acrescenta.
Ainda falta a troika
Se no que diz respeito à responsabilidade do Governo, há divisões, todos concordam que a troika – BCE, CE e FMI – tinham o dever de ter detetado os problemas no banco uma vez que durante o programa de ajustamento tinham como responsabilidade perceber a estabilidade do sistema bancário.
Mas até esta quinta-feira, os responsáveis da troika não tinham ainda respondido às perguntas por escrito da comissão de inquérito. E é o próprio CDS que admite mais diligências para obter respostas dos responsáveis da troika. “Era importante que a troika preenchesse esse vazio”, disse a deputada Cecília Meireles aos jornalistas.