Quando Alexis Tsipras aterrar em Moscovo esta quarta-feira leva um sorriso nos lábios, um cesto de kiwis, pêssegos e morangos para vender e, no bolso, o poder de veto das sanções europeias à Rússia. Todos os gestos do grego serão seguidos com atenção pelos alemães, que encaram o encontro com Vladimir Putin como uma jogada de bluff. Mas um bluff que ainda assim é muito temido pelos parceiros europeus.

A Alemanha acredita, para já, que a aproximação entre Grécia e Rússia pode não passar da primeira camada, com pequenas ajudas de parte a parte, mas não é certo que o desespero grego não leve o primeiro-ministro a tomar medidas mais radicais. Isto porque no plano B de Tsipras entram ainda outros dois países que fazem soar as campainhas de Berlim a Bruxelas: o Irão e a China.

“Os gregos estão a usar a Rússia para chatear Berlim, para os assustar. Tsipras quer mostrar que tem outras opções”, diz Theocharis Grigoriadis, um especialista nas relações Grécia-Rússia ao Financial Times, que acrescenta que “ele [Tsipras] não tem intenção de fazer da Grécia um satélite da Rússia. Os russos sabem disso. Os alemães sabem disso. É puro teatro, um jogo grego, e tenho receio que possa parecer um poodle a tentar assustar um leão”.

E o leão Alemanha responde para já com um não. Além da visita à Rússia, o governo reivindicou aos alemães o pagamento de 278,7 mil milhões de euros. O último a fazer a reivindicação foi o ministro da Defesa grego, Panos Kammenos, que disse que a Grécia obteve “provas impressionantes” que consolidam a reivindicação. Entre as quais, registos militares do EUA dando conta da destruição de propriedade privada e pública durante a ocupação. A resposta veio diretamente do vice-chanceler Sigmar Gabriel, que disse que essa era uma “distração idiota”.

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“Isto não nos faz avançar um milímetro para estabilizar a Grécia (…). Honestamente, acho que é idiota”, acrescentou.

Quando se sentar à mesa no dia 24 deste mês em Riga, o Eurogrupo vai ser obrigado a olhar para a situação grega à luz da sua relação com a Rússia – ou, pelo menos, é assim que Tsipras quer que os parceiros europeus olhem para o dossiê. Um dos fatores que entrará na equação é o das sanções à Rússia por causa da Ucrânia.

Tsipras já foi muito claro sobre o que pensa acerca das sanções impostas a Moscovo. A política europeia de sanções à Rússia por causa da Ucrânia é “um caminho para lado nenhum”, disse na semana passada. O poder de veto que cada Estado-membro tem nas votações é, assim, uma arma negocial que Tsipras leva na mão para a conversa com Putin. Em troca, quer ajuda dos russos. Embora, para já, a mensagem oficial é que a Grécia não está à procura de maneira nenhuma de substituir a relação com a União Europeia por uma aliança Atenas-Moscovo, disse já esta terça-feira o porta-voz do governo grego Gabriel Sakellaridis.

Que ajuda pode dar Putin?

Descontos no gás natural e linhas de financiamento à Grécia, fora das regras apertadas das autoridades europeias, poderão ser as ofertas russas em cima da mesa, segundo adianta o Daily Telegraph que cita o jornal russo Kommersant. Mas em troca, Moscovo quer ativos gregos.

“Estamos dispostos a ponderar a atribuição de um desconto no gás natural, uma vez que os preços estão ligados à cotação do petróleo que caiu de forma acentuada nos meses recentes”, refere uma fonte não identificada do governo de Putin ao jornal russo.

A mesma fonte, cujas declarações são reproduzidas pelo Daily Telegraph, admite discutir a possibilidade de atribuir novos empréstimos a Atenas. Mas como contrapartida, a Rússia está interessada em ativos gregos. Não foram referidas empresas, mas a imprensa local tem referido o apetite russo pela empresa de gás grega, a DEPA, e ainda por participações no operador ferroviário e nos portos de Atenas e Salónica.

No campo da energia, a Grécia quer ainda discutir as prospeções de petróleo ao largo da Grécia e a construção de um novo gasoduto que poderá passar por solo grego. Estas intenções foram, aliás, lançadas pelo ministro grego dos Negócios Estrangeiros, Panagiotis Lafazanis, que numa visita à Rússia em março falou de “um novo capítulo” nas relações entre os dois países.

Mas para já, a ajuda pode ficar pela fruta. Mais precisamente pelos kiwis, pelos morangos e pelos pêssegos. Depois da imposição das sanções económicas da União Europeia aos russos por causa do conflito que se arrasta há meses com a Ucrânia, Vladimir Putin lançou uma série de restrições às importações de produtos da União Europeia e embargou a fruta grega. Um levantamento total da proibição não deve estar em cima da mesa, mas os russos admitem suavizar as restrições à compra dos frutos gregos.

Na semana passada, um porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse em teleconferência com jornalistas que “as relações entre a Rússia e a União Europeia serão discutidas [no encontro] à luz das sanções aplicadas pela União Europeia e a posição fria da Grécia em relação a estas sanções”. Dias antes, Tsipras tinha tentado aquecer essa posição, mas não falou claramente de vetar as penalizações. Poderá fazê-lo depois de visitar Moscovo?

Na Europa a hipótese é, pelo menos, colocada. É que se os parceiros europeus negarem a ajuda e o alívio pedido por Alexis Tsipras, o desespero pode levá-lo a estreitar ainda mais os laços com Putin.

Contudo, a Rússia não deverá dar mais do que pequenas ajudas à Grécia. Além das restrições à fruta, poderá, avançam especialistas, comprar pequenos montantes de bilhetes do tesouro grego que permitam um alívio.

“Não há dúvida que a Rússia poderá dar pequenos montantes de ajuda financeira, mas não estão em posição de dar o dinheiro que a Grécia precisa para permanecer na zona euro”, diz Simon Tilford, do Centro de Reforma Europeia, ao Telegraph. Até porque se os russos até conseguiram ajudar Chipre com um empréstimo de 2,5 mil milhões de euros, a dimensão da ajuda à Grécia é de outra dimensão e a situação económica da Rússia já teve melhores dias. O PIB está a cair e as últimas previsões dão conta da possibilidade de uma contração que pode chegar aos 3,8%.

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Perigo real ou cena de teatro?

Mas é esta visita um perigo real, ou apenas uma manobra antes das negociações com Bruxelas e em especial com a Alemanha? As duas coisas. Os dois países ganham se estreitarem laços, mas a margem de Tsipras – tendo em conta o que precisa e o que Putin pode e quer oferecer – é estreita.

No jogo do empurra, Tsipras tem pouca margem num calendário que é apertado para as finanças nacionais gregas: no dia a seguir a chegar de Moscovo, quinta-feira, o chefe do governo grego tem de reembolsar o Fundo Monetário Internacional, tal como Varoufakis prometeu no início desta semana a Christine Lagarde, no valor de 448 milhões de euros. Mas este é apenas o primeiro pagamento a ter de ser feito. De acordo com o Telegraph, vai ser assim o mês de abril para Tsipras e Yanis Varoufakis, o ministro das Finanças grego:

  • A 14 de abril, cinco dias depois do pagamento ao FMI, Tsipras tem de assegurar o pagamento de salários aos funcionários públicos e pensões que se estima chegarem aos 1,7 mil milhões de euros;
  • No mesmo dia, tem um reembolso de 1,4 mil milhões em bilhetes do tesouro de seis meses;
  • No dia 17 de abril, novo reembolso de bilhetes de tesouro (estes a três meses) no valor de mil milhões e ainda 194 milhões de euros no pagamento de juros a credores privados;
  • No dia 20 de abril, a Grécia tem de pagar 80 milhões de euros de juros ao Banco Central Europeu;
  • No dia 1 de maio, apesar de ser dia do trabalhador, a Grécia ficou de pagar 200 milhões de euros pelo empréstimo ao FMI.

No calendário político, além do Eurogrupo de dia 24, o governo grego tem ainda nota da reunião do conselho de governadores do BCE a 15 de abril para rever a ajuda pela linha de emergência europeia, ELA, Emergency Liquidity Assistance.

Há mais mundo além da Europa

Para além da Rússia, Alexis Tsipras tem estado empenhado em mostrar que tem outras opções, nomeadamente a China e o Irão.

Na última semana, o vice-primeiro-ministro grego Iannis Dragasakis foi até Pequim onde terá dito que a privatização do Porto de Pireu vai avançar. Essa possibilidade de investimento é música para os ouvidos dos chineses que podem assim, acredita a BBC, apoiar os gregos em caso de dificuldade. Para já, o apoio traduziu-se numa compra por parte de investidores chineses de dívida de curto prazo de 100 milhões de euros em dois leilões.

Além disso, avançou a BBC, Dragasakis terá saído da China com um convite para uma visita de Estado para Alexis Tsipras ainda este ano.

Numa altura em que seis potências mundiais assinaram um acordo preliminar sobre o programa nuclear com o Irão, aquele país também parece apetecível para os gregos. A acusação partiu do ex-primeiro-ministro, Antonio Samaras, que acusou o governo do Syriza de estar a pedir ao Irão para comprar dívida grega. “Quando se está na Europa e se pede a chineses, iranianos e russos para financiar o défice, não está a enviar um sinal para o resto da Europa de que não se é realmente pró-europeu?”, questionou.