O Parlamento Europeu está a decretar as chamadas linhas vermelhas, ou seja, os limites do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América (TTIP) que está a ser negociado entre Bruxelas e Washington. Entre os temas mais controversos, os eurodeputados apontam a importância de não baixar os padrões de emprego e segurança social na União Europeia e a privacidade dos dados informáticos de todos os europeus.

O TTIP será aprovado pelo Parlamento Europeu e ratificado pelos 28 Estados-membros antes de entrar em vigor. Apesar de ainda estar a ser negociado e muito do que está a ser discutido entre a Comissão Europeia e a administração Obama não ser conhecido, os eurodeputados das várias comissões do Parlamento Europeu estão a pronunciar-se sobre os vários temas setoriais. Na última semana, três comissões deram a sua opinião sobre este acordo – a comissão de Emprego e Assuntos Sociais, a comissão de Liberdades Cívicas e a comissão de Negócios Estrangeiros -, e deixaram avisos.

A comissão de Emprego e Assuntos Sociais, integrada pelas eurodeputadas portuguesas Maria João Rodrigues (PS), Sofia Ribeiro (PSD), Inês Zuber (PCP) e António Marinho e Pinto (Independente), pede que neste processo de negociações não seja esquecida importância de promover os padrões de emprego aconselhados pela Organização Internacional de Trabalho (OIT). O parecer da comissão quer ainda que sejam tomadas desde já “medidas que visem proteger o direito dos governos da União Europeia de legislar, organizar e definir padrões de qualidade e segurança” dos seus serviços públicos.

Uma das maiores preocupações dos e,urodeputados prende-se com o facto de os Estados Unidos não terem ratificado algumas das convenções da OIT e por isso, haver discrepâncias entre os mercados de trabalho dos dois lados do oceano. “O ‘livre comércio’ aumenta a concorrência entre a força de trabalho de países e regiões diferentes e, dessa forma, força a desvalorização dos salários e dos custos do trabalho, aumentando a precariedade e a desproteção dos trabalhadores, aumentando a exploração. Esses níveis de proteção tenderão a baixar, ainda para mais, se pensarmos que os EUA se recusaram a ratificar importantes convenções da OIT, nomeadamente relativas à contratação coletiva”, afirmou a deputado Inês Zuber ao Observador.

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Ainda sobre o TTIP – a Esquerda Unitária, grupo político onde se insere o PCP e o BE, é uma das forças políticas que mais dúvidas levanta sobre a viabilidade de uma acordo de livre comércio entre os EUA e a União Europeia -, Zuber diz que “o chamado Estado Social é também particularmente visado”. “Os Serviços Públicos são há muito um alvo das grandes transnacionais que pretendem alargar os seus negócios a este ramo. São os mesmos objetivos da Diretiva Bolkenstein que visava a liberalização dos serviços públicos e que foi derrotada pela luta social e laboral. Também este Acordo poderá ser derrotado da mesma forma”, defende a eurodeputada.

O aviso sobre a privacidade dos cidadãos europeus

Também a comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos se mostrou apreensiva com alguns passíveis de virem a integrar este acordo. A comissão, integrada pelos eurodeputados portugueses Ana Gomes (PS), Carlos Coelho (PSD) e Nuno Melo (CDS), avisa mesmo que o sim final do Parlamento Europeu sobre o TTIP pode estar ameaçado pela continuação de agregação massiva de dados por parte dos EUA.

“O consenso do Parlamento Europeu sobre a aprovação final do TTIP pode estar ameaçada enquanto perdurar o encobrimento de atividades de vigilância massiva ou não for encontrada uma solução adequada para a manutenção os direitos de privacidade dos cidadãos europeus”, pode ler-se no parecer final desta comissão.

Ao Observador, o eurodeputado do PSD, Carlos Coelho, disse que houve um largo consenso sobre o parecer, embora existam geometrias vaiáveis consoante o apoio ou não dos grupos políticos a este acordo de comércio livre. “Há opiniões diferentes consoante os posicionamentos políticos, havendo quem considere que o TTIP é globalmente positivo e quem aproveite qualquer oportunidade para fazer descarrilar o acordo”, considera o social-democrata, dizendo ser “favorável” a este acordo, embora considere que “há aspetos, até no interesse de Portugal, que devem ser protegidos”.

Este parecer considera ainda vital que o TTIP tenha uma cláusula sobre direitos humanos, que não só obrigue os dois blocos a cumprir o entendimento, mas que também leve à suspensão de todo o tratado, caso haja violações desses direitos em qualquer dos lados do Atlântico. O eurodeputado Carlos Coelho ressalva também que um dos pontos, relacionado com a instituição de investor-to-state dispute settlement (ISDS) ou acordos de disputa entre investidores e Estado que asseguram através de acordos bilaterais comerciais que empresas de um país a investir noutro podem processar diretamente esse Estado num tribunal arbitral internacional, caso se verifique uma situação de discriminação, protecionismo ou expropriação, também está em causa. “A comissão diz que em conflitos onde sejam em causa direitos humanos, a União Europeia só aceita a jurisdição de tribunais competentes para esse fim”, afirmou o eurodeputado.

Carlos Coelho considera que opinião da comissão é equilibrada, embora admita que o processo de elaboração deste tratado e da sua subsequente aprovação é “complicado”. As 15 comissões do Parlamento Europeu vão entregar os seus pareceres à comissão de Comércio Internacional e o eurodeputado considera que em comissões como a da Agricultura há “problemas muito grandes” em relação a este acordo, não estando por isso otimista em relação ao resultado final. “Não sei se haverá vontade política para ultrapassar os obstáculos”, afirmou Carlos Coelho.