Teresa e Rodrigo estavam há mais de um ano a ter relações sexuais desprotegidas e não conseguiam engravidar. Corria o ano 2010. Teresa, então com 36 anos, já era mãe de uma menina e Rodrigo pai de um menino, de relacionamentos anteriores. Começaram a desconfiar que algo de errado se passava. E acertaram.

“Depois de algumas análises percebemos que o meu marido tinha espermatozoides com mobilidade reduzida. Não era impossível engravidar, mas era difícil”, relembrou ao Observador Teresa, que preferiu manter o anonimato. A partir desse momento decidiram que não iam esperar mais. E foi também por não quererem esperar mais que recorreram a um centro privado de procriação medicamente assistida (PMA). “Pedimos 5.000 euros à família e avançámos”, contou.

Teresa sofreu uma estimulação ovárica (injeções diárias durante um mês), depois seguiu-se o tratamento em si (injeção intracitoplasmática de espermatozoides) e passadas poucas semanas fez uma análise e estava grávida.

“A minha filha é fruto da ciência, da medicina”, resumiu Teresa, feliz por ter conseguido engravidar, apesar dos efeitos secundários, nomeadamente o aumento de peso. “Acho que ajudou muito o facto de já sermos pais. Nós íamos para as consultas com um nível de pressão baixo. Afinal já éramos quatro e éramos uma família feliz”, acrescentou.

Teresa é uma das felizardas que dá vida à percentagem de êxito destas técnicas de PMA em cada ciclo de duas a três semanas (35%). “É uma boa taxa de sucesso. Na Europa, em média, as taxas de sucesso até andam um bocadinho abaixo. Além do mais a taxa de sucesso numa gravidez natural ronda os 25% por mês”, esclareceu ao Observador Teresa de Almeida Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução e diretora do serviço de medicina de reprodução, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

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Em 2012, último ano para o qual há dados, nasceram em Portugal 2.134 crianças com recurso a técnicas de PMA, o que corresponde a 2,4% do total de nascimentos no País naquele ano. Essa proporção tem vindo a crescer: em 2009 era de 1,7%. Ainda assim continua abaixo da média europeia que ronda os 4%, frisou Teresa Almeida Santos, explicando que “haverá menor acessibilidade ou maior resistência aos tratamentos” por cá.

Dificuldades financeiras são entrave à realização de tratamentos

É que embora Portugal esteja avançado em termos de estado da arte – este ano faz 30 anos que Portugal procedeu ao primeiro ciclo terapêutico de fertilização in vitro – a verdade é que há vários problemas ainda no que toca ao acesso a estes tratamentos. Teresa Almeida Santos destaca dois principais: a má referenciação e os constrangimentos financeiros. 

“Temos casais que querem ter filhos e não têm disponibilidade financeira e pedem para adiar”, relatou Teresa Almeida Santos.

Isto porque apesar de o Serviço Nacional de Saúde (SNS) comparticipar até três ciclos (tratamentos) por casal, os pacientes têm de custear os medicamentos usados durante o processo e que, por tentativa, custam, em média, 300 a 400 euros, explicou a responsável.

E se nos centros públicos se nota esse constrangimento, no privado o impacto das dificuldades financeiras é muito mais expressivo, traduzindo-se mesmo numa quebra do número de tratamentos nos últimos anos.

“O número de casais que se desloca aos centros privados para fazer tratamentos diminuiu significativamente e isso tem implicado algum aumento no setor público”, resumiu Eurico Reis, do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA).

Num centro privado os preços dos tratamentos podem chegar quase aos 6.000 euros, aos quais é ainda preciso somar custos com medicação e outros procedimentos necessários. Isto se resultar ao primeiro tratamento e a mulher engravidar, caso contrário a fatura vai subindo.

No relatório de atividades do CNPMA mais recente pode-se verificar que entre 2010 e 2012 a atividade dos centros privados baixou, tendo registado uma quebra de 10% (-391) no número de ciclos (tratamentos de procriação medicamente assistida). No mesmo período, os centros públicos registaram um incremento de 24% (+677), tendo, em 2012, ultrapassado mesmo os centros privados no número de ciclos realizados, num total de 3.508. Isto não significa que tenham sido 3.508 os casais a fazer tratamentos, uma vez que um mesmo casal pode fazer mais do que um ciclo. Nestes números estão apenas referidos os tratamentos de fertilização in vitro, injeção intracitoplasmática de espermatozoides e transferência de embriões criopreservados.

Além destes constrangimentos financeiros há ainda “um problema de referenciação tardia por parte dos cuidados de saúde primários e de alguns ginecologistas, que ficam tempo demais a tentar resolver os problemas com comprimidos ou à espera que o stress passe”, criticou a presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR) que organiza, esta quarta e quinta-feira, as Jornadas Solamer e as XXXII Jornadas Internacionais de Estudos da Reprodução, em Óbidos.

A este atraso na referenciação, segue-se a espera por consulta e pelo tratamento em si. Em Lisboa, por exemplo, os casais esperam cerca de nove meses pela primeira consulta e depois disso mais um ano pelo início do tratamento.

CNPMA vai propor ao Governo que casais possam fazer tratamentos em qualquer ponto do País

Precisamente por ter consciência do atraso que há na resposta aos casais com problemas de fertilidade, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida está a elaborar uma proposta para apresentar ao ministro da Saúde que “visa baixar os tempos de espera para tratamento”, disse ao Observador o presidente Eurico Reis. A ideia consiste em permitir que “um casal que viva em Lisboa, por exemplo, possa deslocar-se a outro ponto do País onde haja listas de espera mais baixas ou mesmo inexistentes”, e quem diz Lisboa, diz outras zonas.

“Neste momento os casais estão amarrados a um princípio geográfico, que são as redes de referenciação. Ou seja, um casal que seja de Lisboa tem mesmo de ir para Lisboa e ponto final”, criticou Eurico Reis.

Outra proposta desta entidade reguladora, “mais utópica”, passa pelo “aumento das unidades de saúde públicas”, uma vez que, por exemplo, “no Alentejo não há nenhum centro e no Algarve só há um centro privado” e isso faz com que Lisboa fique sobrelotada, com esperas superiores a um ano, acrescentou Eurico Reis. Ao todo, segundo o Conselho Nacional, há 10 centros públicos de procriação medicamente assistida e 18 privados a funcionar em Portugal.

Óvulos e sémen procuram-se!

São várias as técnicas que existem de PMA e em algumas situações os casais têm mesmo de recorrer a material genético doado. A pensar nesses pacientes, e para evitar importar, no mês passado o centro IVI (um grupo espanhol de procriação medicamente assistida com clínica em Portugal) andou a distribuir pelos correios de algumas ruas de Lisboa uns panfletos publicitários a apelar à doação de óvulos e sémen, uma prática pouco comum em Portugal, mas recorrente em países como Espanha e até França.

Contactado pelo Observador, fonte oficial do IVI disse que há “campanhas periódicas de sensibilização de potenciais candidatos a dadores de gâmetas”, até porque “é cada vez mais frequente este tipo de tratamento sobretudo pelo incremento da idade na qual a mulher tenta ser mãe”.

Eurico Reis disse ao Observador que o Conselho foi contactado pelo IVI antes desta campanha, mas que a postura do CNPMA é de “incentivar e não estabelecer entraves excessivos ao recrutamento de dadores para dessa forma diminuirmos a necessidade de importação de material genético”.

Desde janeiro de 2013, registaram-se em Portugal mais de 620 dadores de espermatozoides e ovócitos, revelou em fevereiro, à Lusa, o presidente da CNPMA, mas, segundo Eurico Reis, “ainda há necessidade de importar material” pois o banco público – no Porto – “só está a servir, e não totalmente, os centros públicos”, daí que esteja até já a ser estudada a possibilidade de criar um banco privado de gâmetas.