Depois do Departamento de Estado norte-americano ter comunicado que está “profundamente desiludido pela condenação por difamação de Rafael Marques“, é a União Europeia (UE) que reage ao mais recente desenvolvimento do processo judicial em torno do autor do livro “Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola”.

Em declarações à agência Lusa, uma porta-voz da UE para a política externa afirmou que “é importante que as leis de difamação não sejam utilizadas contra a liberdade de expressão e o jornalismo de investigação“. A mesma fonte de Bruxelas refere que a UE “espera que este caso ainda possa ser mais bem avaliado, no quadro do sistema legal angolano”.

Também hoje começou a circular um abaixo-assinado a defender o jornalista angolano. A lista é longa. Ao todo, são 72 signatários que pedem ao Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, que ordene “o fim do processo legal que envolve o jornalista Rafael Marques”. A lista foi promovida pela Index On Censorship, uma organização não-governamental pela defesa da liberdade de imprensa sediada em Londres.

O texto é assinado por várias personalidades internacionais, a maior parte deles jornalistas, escritores, ativistas de todo o mundo e realizadores de cinema. Contam-se nomes como Steve McQueen (autor de “12 anos Escravo”, vencedor do Óscar para Melhor Filme em 2014), Jimmy Wales (fundador da Wikipedia) e Ali Fazat (cartonista satírico da Síria). E a Tiffany & Co., a maior empresa do indústria diamantífera do mundo, também deixou a sua assinatura.

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“A investigação de Rafael Marques de violações dos Direitos Humanos não deve ser impedida pela ameaça de pena de prisão, algo que vai pairar por cima dele nos próximos dois anos, de acordo com o veredicto”, pode ler-se no documento que foi entregue a 2 de junho na embaixada de Angola no Reino Unido.

Ao telefone com o Observador, a diretora da Index On Censorship, Jodie Ginsberg, conta que ficou “bastante chocada quando soube do veredicto na semana passada”. “A nossa reacção imediata foi avançar para este abaixo-assinado porque achamos que é uma maneira de chamar atenção internacional para este assunto. O mais importante neste momento é deixar claro ao governo angolano que a pressão para eles voltarem atrás com a decisão que tomaram é muito alta.”

Um acordo que, afinal, foi “uma cilada”

Recorde-se que na quinta-feira da semana passada Rafael Marques foi declarado culpado pelo crime de difamação. Apesar de ter sido condenado a seis meses de pena suspensa, o jornalista corre o risco de essa pena se tornar efetiva caso algum gesto seu seja considerado crime pelo Estado angolano nos próximos dois anos.

Antes da condenação, foi noticiado que o jornalista tinha chegado a acordo com os generais angolanos visados no seu livro e acusados de violação de Direitos Humanos — entre eles está Hélder Vieira Dias, também conhecido como “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos. O acordo previa que os generais retirariam as queixas contra Rafael Marques e que o jornalista teria permissão para investigar, de novo, as condições de trabalho nas explorações de diamantes na região das Lundas, no interior angolano. O acordo foi feito antes de os generais e as testemunhas de Rafael Marques falarem em tribunal.

Depois, seguiu-se o que o próprio Rafael Marques apelidou de “uma cilada”, em declarações ao Expresso Diário. Apesar de as queixas terem sido retiradas, o Ministério Público angolano pediu uma pena de prisão efetiva de 30 dias para o jornalista, por difamação. Acabou condenado a seis meses de pena suspensa.

Primeira tradução do livro para inglês já está disponível online

O veredicto determinou também que o livro “Diamantes de Sangue”, editado pela Tinta-da-China, não poderá voltar a ser publicado em todo o mundo (a obra nunca chegou a ser editada em Angola) e que este também deve ser retirado da Internet.

Não são, porém, esses, os planos de Bárbara Bulhosa, diretora da Tinta-da-China. Antes pelo contrário. O livro de Rafael Marques é neste momento o segundo livro mais vendido pela editora na Feira do Livro de Lisboa, que começou no dia 28 de maio — o mesmo dia em que se soube da condenação do jornalista. Publicado em 2011, “Diamantes de Sangue” vendeu até hoje 15 mil exemplares e já vai na 8ª edição. Desde que o livro ficou disponível de forma gratuita na Internet, em março, quando o julgamento começou em Luanda, já houve 65 mil downloads da obra. Além disso, a primeira tradução para inglês está disponível desde terça-feira.

Em Portugal, um “silêncio ensurdecedor”

Bárbara Bulhosa lamenta que, ao contrário do que tem acontecido internacionalmente, não tenha havido uma reacção de Portugal a condenar a pena atribuída ao jornalista. “Acho inacreditável que um jornalista que publicou um livro em Portugal, onde são denunciadas centenas de crimes e violações de Direitos Humanos, e que foi condenado desta maneira, não tenha nenhum dirigente político português a defendê-lo”, declarou Bárbara Bulhosa ao Observador, que fala de um “silêncio ensurdecedor”. As exceções, ressalva, foram o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (que, juntamente com cinco deputados da bancada socialista, aprovaram um voto de solidariedade com Rafael Marques) e o Livre.

“Eu já não esperava uma reacção do governo português, embora como cidadã gostava de que tivesse havido alguma condenação. Mas tenho especial curiosidade para saber qual é a posição de António Costa em relação a isto tudo, já que as sondagens o apontam como o próximo primeiro-ministro”, adianta. “O Partido Socialista sempre foi um arauto da defesa da liberdade de expressão, mas até agora não sabemos o que acham disto tudo”, remata.

Leia aqui o texto completo do abaixo-assinado da Index on Censorship:

Nós, abaixo-assinados, apelamos ao Presidente [de Angola] José Eduardo dos Santos para ordenar o fim do processo legal que envolve o jornalista Rafael Marques.

A investigação de Rafael Marques de violações dos Direitos Humanos não deve ser impedida pela ameaça de pena de prisão, algo que vai pairar por cima dele nos próximos dois anos de acordo com o veredicto.

A sua condenação e a pena de seis meses de pena suspensa são uma violação clara da liberdade de expressão e de imprensa e também do direito a julgamento justo.

O trabalho de Rafael Marques não é fundamental só em Angola, mas também no mundo inteiro.

Apelamos a que assegure todos os princípios da lei internacional são aplicados durante o processo de recurso.