Durante esta estranha campanha eleitoral, o PS foi de esquerda e foi de centro, foi anti-Bruxelas e foi pró-Bruxelas, foi radical e foi moderado, foi sonhador e foi realista (posso parar, não posso? Acho que já perceberam a ideia). É essa uma das maravilhas das campanhas em democracia: não há limites para a capacidade de cometer erros políticos. Mas, depois dos calores da noite eleitoral, com as bandeiras e as palavras de ordem já guardadas numa gaveta bem funda, o PS tinha de tomar uma decisão que parecia difícil mas era facílima.

Hipótese 1. O PS rasgava a gravata, queimava as pontes com o eleitorado moderado e tornava-se o líder dos descamisados. Aliado ao PCP, ao BE e a quem mais se quisesse juntar, lançava-se numa fronda contra o governo, contra a austeridade e contra o mundo.

Hipótese 2. O PS apertava o botão do casaco, engolia em seco e fazia o que sempre fez, ou seja, continuava a ser um partido europeísta por convicção e ficava a aguardar calmamente que surgisse uma nova oportunidade de chegar ao poder.

Qualquer cabeça serena só podia encarar este dilema sem grandes dúvidas. Optar pela primeira hipótese corresponderia a fazer o mesmo que o Partido Trabalhista inglês fez em 1983, quando aprovou um manifesto ultra-esquerdista — e que ficou conhecido como “o mais longo bilhete de suicídio da História”.

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Os resultados destas eleições mostram que as ambiguidades de campanha de António Costa permitiram que a extrema-esquerda ganhasse um espaço que nunca teria conseguido em circunstâncias normais (o Bloco de Esquerda, ao qual António Costa sempre dedicou o mais zeloso ódio, teve mesmo o seu melhor resultado de sempre). Continuar nesse caminho seria o mesmo que entregar definitivamente ao BE e ao PCP as chaves de um palácio cor de rosa que fica ali no Largo do Rato. Ao recusar, no seu discurso, a concretização da frente de esquerda e da chamada “maioria negativa”, António Costa recuperou a cabeça fria.

Para o país, esta travagem a fundo foi a tempo. Para o próprio António Costa, foi tarde de mais. Depois de ter feito uma placagem a António José Seguro com o argumento de que só ele poderia derrotar “a direita”, este resultado é fatal. Nos próximos dias se verá o que acontece. Mas não haja dúvida de que António Costa deveria mandar fazer novos cartões de visita, com a inscrição “ex-líder do PS”.

* Miguel Pinheiro é editor de Cultura no Observador

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