O Tribunal Constitucional chumbou a participação do Governo nos acordos coletivos de 35 horas nas autárquicas. O acórdão divulgado esta quinta-feira, com data de 7 de outubro, diz que as normas da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas violam a autonomia do poder local, dando razão ao pedido feito pelo Provedor de Justiça em dezembro do ano passado.

“O Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que conferem aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da administração pública legitimidade para celebrar e assinar acordos coletivos de empregador público, no âmbito da administração autárquica, resultantes do artigo 364.º, n.º 3, alínea b), e do n.º 6, do da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, por violação do princípio da autonomia local, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Constituição”, lê-se no documento.

O processo de aplicação do horário de 35 horas nas autarquias arrastava-se já desde 2013, desde que foi decretado o aumento do horário de trabalho na Função Pública para as 40 horas. Nessa altura, os juízes do Tribunal Constitucional decidiram que, mediante acordos coletivos de trabalho, esse horário podia ser reduzido em situações específicas. Perante essa autorização as câmaras municipais começaram então a negociar os novos acordos com os sindicatos de forma autónoma, mas o Governo recusava aceitar os acordos por entender que tinha uma palavra a dizer sobre o assunto.

O Governo queria então fazer depender a redução da semana de trabalho das 40 para as 35 horas de uma homologação prévia do Ministério das Finanças, que tinha de provar que essas câmaras tinham as contas em ordem e que se comprometiam a não aumentar as despesas com pessoal. Houve, no entanto, câmaras que adotaram o horário das 35 horas sem homologação do Governo por discordarem dessa obrigatoriedade.

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O secretário de Estado da Administração Pública, Leite Martins, chegou a assinar acordos colectivos de entidade de empregadora pública (ACEEP) com dez autarquias e dois serviços municipalizados: Sintra, Figueira da Foz, Batalha, Alcobaça, Vila Nova de Famalicão, Vila Pouca de Aguiar, Baião, Resende, Arganil e Salvaterra de Magos.

Mas, agora, o TC vem afirmar que isso viola a autonomia do poder local, cabendo por isso apenas às câmaras decidir livremente sobre a redução do horário de trabalho, em função dos acordos coletivos de trabalho que estabeleçam com os sindicatos – sem que o Ministério das Finanças tenha qualquer palavra a dizer.

Resta saber o que vai acontecer aos acordos coletivos que já foram negociados entre os organismos autárquicos e os sindicados da CGTP e da UGT, mas que o Ministério das Finanças se tem recusado a publicar em Diário da República alegando que lei obrigava à sua participação nas negociações.

O Provedor de Justiça emitiu já um comunicado à imprensa a reagir à decisão do TC, reforçando que “a falta de concordância dos membros do Governo resultaria na impossibilidade de as autarquias locais e de os seus trabalhadores lograrem autonomamente acomodar o respetivo regime laboral, dentro da margem legalmente permitida, afetando aquele que é o “espaço incomprimível e essencial” da existência do princípio da autonomia local”. Foi o Provedor de Justiça que, a 12 de dezembro de 2014, fez o pedido de fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional alegando violação da autonomia do poder local.

Sindicato considera que Constitucional abriu portas a regresso das 35 horas 

O Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública considerou que a inconstitucionalidade da participação do Governo nos acordos coletivos nas autarquias abre caminho ao regresso às 35 horas de trabalho noutros setores públicos, logo que a contratação coletiva seja descongelada.

“Uma decisão importantíssima. Quando temos razão, nem que seja tarde. Fez-se justiça aos trabalhadores da administração pública e, neste caso, das autarquias”, disse à agência Lusa José Abraão, do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP).

De acordo com o sindicalista, esta decisão abre a porta a que se possa voltar às 35 horas de trabalho semanais, através da negociação entre sindicatos e organismos com autonomia da administração central, como escolas, ou nos setores da saúde e da segurança social e todos os institutos onde haja negociação coletiva.

Os trabalhadores destes serviços, “desde que o Governo abra as portas para a negociação coletiva, que até agora tem estado congelada (…), poderão voltar às 35 horas, porque vamos enviar propostas a todos os empregadores públicos, sejam da administração local, sejam, nalguns casos, da administração autónoma”, declarou.

José Abraão afirmou estar convencido que o próprio Governo não quererá “ter dois pesos e duas medidas” para os funcionários públicos e que, por outro lado, a Assembleia da República “aprovaria uma lei que entrasse” para o regresso do horário de trabalho às 35 horas.

O SINTAP foi um dos sindicatos que pediram ao Provedor de Justiça que requeresse a verificação da Constitucionalidade da decisão do Governo de assinar todos os acordos ACCEEP, antes da sua publicação.

“E, portanto, esta decisão do tribunal, com força geral e obrigatória, diz-nos que o Governo terá de publicar todos os ACEEP que, até agora, recusou, porque não faz sentido nenhum que tenha colocado como exigência a necessidade da sua assinatura”, defendeu o sindicalista.

Segundo José Abraão, neste momento “não chegará a uma mão cheia” o número de câmaras municipais que não assinaram um acordo destes, além das centenas de freguesias que também assinaram acordos, “que estão na gaveta do Governo”, representando um conjunto de cerca de 120 mil trabalhadores.

O SINTAP e a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) pediram ao provedor de Justiça para solicitar ao TC para fiscalizar as normas legislativas que levaram o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República a defender que o Governo deve participar nas negociações dos ACEEP com os 308 municípios do país.

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), afeto à CGTP, tem exigido ao Governo a publicação imediata dos ACEEP que assinou com centenas de autarquias, com 35 horas semanais, mas sem inclusão de banco de horas e adaptabilidade, como impõe o Governo.