De um lado está o Estado português, representado por quatro empresas públicas. Do outro lado, está um dos maiores grupos bancários mundiais, o Santander. No meio estão os contratos de gestão de risco financeiro, vulgo swaps, que o governo português recusa pagar e cuja validade jurídica o banco espanhol quer comprovar na justiça inglesa.

O julgamento começou esta segunda-feira e deverá demorar seis semanas. Mas o conflito dura há mais de dois anos, quando em maio de 2013, o governo decidiu que os contratos swap contratados ao Santander não eram negociáveis, dado as perdas muito avultadas que representavam para as empresas de transportes.

Os swaps, quase todos de gestão de risco de taxas de juros, vendidos por outros bancos foram cancelados antecipadamente por via negocial, através da iniciativa da então secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque,

O conflito entre as partes vale 1400 milhões de euros, um valor de mercado que é negativo para as empresas de transportes do Estado, e que traduz as perdas potenciais, mas que é positivo para o grupo Santander. A esta soma, juntam-se os juros devidos por estes contratos cujo pagamento foi suspenso em fevereiro de 2013. A conta já ia em mais de 230 milhões de euros no final do primeiro semestre.

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Santander invoca boa fé na negociação dos swaps

Na primeira audição, o Santander informou que as empresas de transportes, Metro de Lisboa, Metro do Porto, STCP e Carris, estão em default (incumprimento) dos swap contratados entre 2005 e 2007. Estes produtos, argumenta o banco, foram contratados de forma livre e com conhecimento total, por parte das empresas que são considerados investidores qualificados, ou seja, habilitados a decidir sobre produtos estruturados.

Citado pela agência Bloomberg, o advogado do Santander, Laurence Rabinowitz, sublinha que o banco está “muito exposto em termos financeiros” porque é responsável pelo pagamento dos swaps perante as contrapartes financeiras, logo terá de assumir o custo se as empresas não pagarem.

O jurista lembra que não existe da parte das empresas públicas nenhuma acusação de venda incorreta ou abusiva, o que está em causa é quem vai suportar o ónus da perda.

Um porta-voz do Santander, citado também pela Bloomberg, sublinha que os contratos foram vendidos de boa fé e que tiveram um efeito positivo para as empresas nos primeiros tempos. Lembra ainda que o banco tentou promover a sua reestruturação, mas sem sucesso.

Dívida é mais do triplo dos créditos originais

A outra parte contrapõe que as taxas de juro associadas a estes contratos resultam de um jogo de azar e representam um abuso ao abrigo da legislação portuguesa. Isto porque os montantes em dívida, por causa dos swaps, atingiram mais do triplo do valor original dos créditos. A Bloomberg não conseguiu obter em tempo útil um comentário do representante das empresas do Estado.

Os contratos foram realizados antes da crise financeira de 2008, quando se acreditava que as taxas de juro iam subir, com a finalidade de proteger as empresas desse risco. Mas aconteceu o contrário, aliás ainda se estão a verificar taxas historicamente baixas. Essa contradição, fez disparar os custos financeiros das empresas, face aos juros praticados no mercado.

No caso dos produtos Santander, o quadro foi agravado pelo tipo de contratos, snowball (bola de neve), em que o cupão é crescente, porque a fatura dos juros vai acumulando no período em que os juros do mercado estão de fora do intervalo acordado.

Este não é um problema apenas português e de acordo com a Bloomberg, algumas entidades públicas europeias, como a cidade italiana de Prato e uma empresa de abastecimento de águas alemã, conseguiram anular os swaps na justiça britânica, que rege estes produtos.