António Costa perdeu as legislativas de 2015, mas Bloco de Esquerda e PCP podem estar disponíveis a entregar as chaves de São Bento aos socialistas para se livrarem do Governo de Passos e Portas. Nos próximos dias, todos os olhares vão estar, por isso, postos em Belém: o que fará o Presidente? Vai aceitar uma solução governativa à esquerda? Já não dará posse a Passos? Numa altura em que as eleições legislativas se misturam com as presidenciais e em que, se a crise se prolongar, o próximo Presidente pode ser chamado a intervir, impõe-se outra pergunta: o que fariam os candidatos presidenciais se já estivessem na pele do chefe de Estado?

Marcelo Rebelo de Sousa foi o candidato presidencial que mais se pronunciou sobre o quadro saído das eleições legislativas, mas também foi o menos claro. Ainda não tinha assumido formalmente a candidatura e foi várias vezes à TVI nos últimos dias comentar os resultados eleitorais. E o que se ficou a saber? Por exemplo, que Marcelo parece dar prioridade ao “apoio positivo” que um partido ou coligação pode obter e que, como Presidente da República, ouviria todos os partidos antes de mandatar alguém a formar Governo.

“Os partidos devem fornecer ao PR o máximo de dados sobre o futuro próximo , ou seja, como se colocam perante um ou mais programas de governo e Orçamentos do Estado”, afirmou dia 1 de outubro. Nessa altura, admitia que não iria haver “nenhum que tenha garantida a passagem do programa de Governo e, por ventura, o Orçamento” e que, portanto, terá que se olhar para quem “dispuser de um maior apoio positivo no Parlamento“.

No dia 4, Marcelo previa já “uma coligação negativa” ou uma alternativa liderada pelo PS “viabilizada pelo PCP e BE” e cujos sinais “já apareceram na reta final da campanha”.

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Maria de Belém não valoriza maiorias absolutas

Maria de Belém Roseira juntou-se à corrida presidencial na terça-feira mas já não foi clara a defender que a maioria absoluta não é um critério que valorize. Em entrevista à TVI, na terça-feira à noite, a ex-presidente do PS lembrou que fez parte dos dois Executivos liderados por António Guterres, ambos não maioritários, e que não “se deu mal com isso”. Mais: “Aliás, eu acho que em Portugal o que sucede é que nos damos mal com as maiorias absolutas, porque as maiorias absolutas tendem a perder o que é essencial em democracia que é a concertação”, acrescentou.

“Será algo atrevido opinar sobre algo de enorme complexidade e de enorme importância sem ter todos os elementos na mão. Quando o Pesidente da República chama os partidos políticos para falarem com ele, não é para tomar chá e café. Os partidos políticos assumem compromissos junto do PR. É necessário que essas conversas existam para que o Presidente possa avaliar em seu critério qual é a solução que melhor serve o país”, acrescentou Maria de Belém. No limite, a socialista deixou em aberto a hipótese de dar posse a um governo minoritário. Quem é que está nessas condições? Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, claro.

Por esta altura, cautela é também a palavra de ordem para Sampaio da Nóvoa. Também na terça-feira, num debate promovido pela sua candidatura, o antigo reitor deixou claro que, se fosse eleito Presidente da República, viabilizaria “obviamente” um Governo que apresentasse “uma solução com estabilidade política para Portugal”. Mesmo à esquerda? É preciso não excluir “nenhuma possibilidade“.

Nóvoa disse ainda ser “útil a existência de maiorias que assegurem a estabilidade política do país”, lembrando, porém, que a estabilidade “não é o único valor que está em cima da mesa”.

“Se houver uma possibilidade de Governo com maioria parlamentar, obviamente que ele não vai contra a maioria dos votos”, considerou, vincando: “Isso quer dizer que houve uma maioria de votos dos cidadãos portugueses que se revê nesse tipo de possibilidade e nesse tipo de Governo”, insistiu o antigo reitor da Universidade de Lisboa, citado pela agência Lusa.

Henrique Neto tentava primeiro Bloco Central

Henrique Neto, por sua vez, explicou esta quarta-feira em conferência de imprensa que, no lugar de Cavaco Silva, teria chamado “conjuntamente” o líder da coligação Portugal à Frente (PaF), Pedro Passos Coelho, e o líder do PS, António Costa. Nesse encontro, diria a Passos e Costa que ambos têm a “enorme responsabilidade política, ética e histórica” de “alcançar um consenso para a governação estável e consequente do país nos próximos quatro anos“.

O objectivo maior, prosseguiu, citado pela agência Lusa, seria o de ser acordada uma “estratégia de médio prazo para Portugal, criadora das condições para o crescimento económico, o combate ao desemprego, e em reduzir as desigualdades e roturas sociais agravadas pela austeridade”.

Em conferência de imprensa, Henrique Neto explicou que Passos e Costa teriam dez dias para apresentar um acordo político e, caso falhassem no entendimento, haveria uma segunda solução onde seriam chamados a Belém “os restantes partidos” no sentido de se perceber a sua eventual cooperação numa solução de Governo com PSD/CDS-PP ou com o PS, desígnio sempre em compatibilidade com a Constituição.

Ou seja, fica claro que se fosse confrontado com um possível entendimento entre PS, BE e PCP, Henrique Neto não rejeitaria essa solução.

Tentar sempre a maioria absoluta

Paulo Morais também diz que “não teria qualquer problema” em viabilizar um governo de esquerda. Em declarações à agência Lusa, reiteradas depois ao Observador, Paulo Morais lembra que é assim que acontece em muitos países da Europa, onde são os líderes partidários que mais garantias de estabilidade que governam e não necessariamente os vencedores das eleições. “Nós, em Portugal, não estamos habituados a soluções com negociação parlamentar porque, infelizmente, temos uma tradição de submissão do Parlamento ao Governo, mas nos termos constitucionais deve ser o Governo que se deve submeter ao Parlamento”, sublinha.

Para Paulo Morais, o Presidente da República deveria ter pedido a Passos Coelho que formasse Governo de maioria absoluta e, se este não conseguisse, pedir ao segundo e até ao terceiro líder dos partidos mais votados, se necessário. Mas tudo o que está a acontecer deixa-o “perplexo”. Cavaco Silva pediu a Passos que encontrasse uma solução, mas “já passaram dez dias” e nada. António Costa, “a quem Cavaco nada pediu“, andou “a fazer diligências no sentido de formar governo”, o que lhe parece até um certo “desrespeito para com a função presidencial”.

E são os timings que mais preocupam o candidato presidencial. O Presidente da República deveria ter reunido com todos os partidos logo a seguir às eleições e, depois, ter dado um prazo “de 48 horas” para que o líder da coligação encontrasse uma solução. Se Passos “não conseguisse, deveria ter sido tentada uma solução com o segundo partido, e se também não se verificasse, tentar com o terceiro”, explica.

Mas aceitaria sem reservas uma solução governativa de esquerda? Faria alguma exigência? Obrigaria Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa a comprometerem-se por escrito? Pediria uma participação formal de Bloco de Esquerda e PCP no Governo liderado pelo PS? Nem tanto. Paulo Morais exigiria apenas que as “linhas fundamentais” apresentadas por António Costa – “quatro ou cinco ideias claras” – fossem “coerentes com aquilo que defendeu durante a campanha eleitoral”.

E se mesmo esta solução falhasse? Paulo Morais tem reposta, embora não fosse a solução desejável. O candidato, respeitando o “quadro parlamentar”, procuraria “alguém fora dos partidos” que oferecesse condições de liderar um Executivo e que “conseguisse a confiança dos partidos”. Seria o regresso aos governos de iniciativa presidencial, mas esta possibilidade desapareceu com a revisão constitucional de 1982.

Ilustração Milton Cappelletti e Andreia Reisinho Costa