O Estado português suportou uma taxa média de 2,4% para se financiar num leilão de dívida a 10 anos realizado esta quarta-feira, um dia em que persiste a incerteza em torno do governo que sairá das eleições de 4 de outubro. O custo da operação supera a yield de 2,04% que o Tesouro pagou por dívida com o mesmo prazo, em fevereiro. A procura caiu um pouco.
O Tesouro obteve 1.300 milhões de euros, um pouco mais do que os 1.250 milhões de euros pretendidos no conjunto das somas obtidas em troca de dívida a 10 e a 22 anos. Foram emitidos 950 milhões de euros em dívida a 10 anos e 350 milhões com maturidade em 2037. A taxa nesse prazo mais longo foi de 3,23%, segundo a Bloomberg.
A taxa média na emissão a 10 anos foi de cerca de 2,4% (2,3975%). A procura entre os investidores superou em 1,62 vezes o montante colocado (950 milhões de euros), menos do que os 1,82 vezes do leilão de fevereiro.
Na análise de João Queiroz, diretor de negociação da GoBulling – Banco Carregosa, a subida dos juros não é “nada que se deva acentuar” e “a procura diminuiu um pouco, mas continuou acima da oferta”. “Para um país que ainda não sabe quem e como vai formar governo, quase duas semanas depois das eleições, diria que são dados muito positivos”, acredita o especialista.
Já Pedro Ricardo Santos, gestor da corretora XTB Portugal, diz que “os números refletem os receios dos investidores em deter um activo que é ainda considerado pelas principais agências de rating como lixo“. Ainda assim, apesar de “o momento não ser o mais favorável”, a intervenção do BCE ajuda a que os juros – em termos absolutos – continuem em níveis historicamente baixos.
Como ler este resultado?
Eis alguns pontos de contexto que ajudam a situar esta operação de financiamento:
Comparação. O custo pago neste leilão compara com uma emissão feita no final de fevereiro – o último leilão que o IGCP fez a 10 anos. Foi a 25 de fevereiro, quando Grécia e o Eurogrupo tinham acabado de chegar a um acordo que viria a revelar-se insuficiente para estancar a crise grega mas que na altura levou a uma maior acalmia. Nessa altura, também, o BCE tinha anunciado havia menos um mês o programa de compra de dívida pública no mercado secundário – onde os investidores trocam títulos existentes entre si – o que está a ter um impacto acentuado para a dívida de todos os países.
Receios. Este programa de compra de dívida do BCE tem sido decisivo para evitar sobressaltos no mercado de dívida, como explicámos no texto publicado no último domingo. No mesmo texto demos-lhe conta de que os investidores internacionais estão, gradualmente, a prestar cada vez mais atenção ao impasse que está criado na política portuguesa. Segundo dois analistas citados, qualquer solução que leve os investidores a temer um conflito com os credores poderá trazer “uma nova crise” na dívida portuguesa, cuja volatilidade é exacerbada pelo rating de lixo e a escassa liquidez do mercado.
Emergentes. A operação decorreu, também, num momento difícil nos mercados internacionais, com sucessivos alertas sobre o abrandamento dos países emergentes como a China e a antecipação quanto à subida das taxas de juro da Fed. O rating de lixo de Portugal nas principais agências torna o Tesouro português mais vulnerável a estes receios, porque a notação o exclui dos principais índices de obrigações (em que os investidores compram títulos por atacado, segundo o índice) e o limita aos investidores mais especulativos – os vocacionados para os mercados emergentes.
Concorrência. O leilão português foi marcado para uma semana em que o IGCP enfrenta a concorrência de emissões de dívida de longo prazo em países como Espanha e Itália. Espanha está a pagar cerca de 1,8% pela dívida a 10 anos.
Reembolsos. A procura neste leilão terá sido ajudada pelo facto de ser, também, uma semana em que o Estado português distribui os cupões (juros anuais fixos) relativos a três linhas de obrigações do Tesouro português. Citado pela agência Dow Jones, um analista do BNP Paribas, Ioannis Sokos, já tinha dito que esse facto “poderia dar algum suporte”, já que os investidores recebem liquidez que podem reinvestir em nova dívida portuguesa. Ainda assim, o mesmo analista diz que a incerteza política tem, na sua análise, penalizado os preços da dívida portuguesa.
Eis um gráfico da Bloomberg sobre como têm evoluído, no mercado, os juros da dívida portuguesa a 10 anos.