Depois da segunda acusação do Banco de Portugal (BdP) contra os ex-responsáveis do Banco Espírito Santo (BES) é a grande interrogação que persiste: a idoneidade de José Maria Ricciardi – o único membro da família Espírito Santo que continua a exercer funções no setor bancário como presidente executivo do Haitong Bank (ex-Banco Espírito Santo Investimento) – vai ser reavaliada?

Ao que o Observador apurou, o supervisor do sistema bancário não pretende tomar nenhuma iniciativa imediata. Isto é, o facto de Ricciardi ter sido acusado pela segunda vez por parte do BdP de uma contraordenação grave não implica automaticamente a abertura de um processo de reavaliação da idoneidade.

Segundo o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a idoneidade é um requisito fundamental para o BdP autorizar, por exemplo, a nomeação de um titular de um órgão social executivo de uma instituição de crédito ou sociedade financeira.

Tal processo de reavaliação de idoneidade só estará em cima da mesa no início do segundo trimestre de 2016 – altura em que o primeiro de processo de contraordenação do caso BES deverá estar concluído no BdP. Essa data é a mais provável de acordo com fontes das diferentes defesas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Isto é, Ricciardi e os restantes 17 acusados só saberão entre abril e junho de 2016 se o regulador mantém ou reduz os termos dessa primeira acusação. Será então o tempo da condenação formal por parte do BdP, através do Conselho de Administração liderado pelo governador Carlos Costa.

Pelas seguintes razões:

  • Em nome das garantias de defesa que qualquer acusado tem no regime jurídico português. José Maria Ricciardi, tal como todos os ex-responsáveis do BES, foi apenas acusado – ainda não foi condenado pelo BdP. Está a decorrer neste momento a fase de instrução do primeiro processo de contraordenação (relacionado com falsificação de contabilidade da Espírito Santo International) onde todos os acusados têm o direito de contestar a acusação, apresentando prova e testemunhas que fundamentem os seus argumentos. Só após essa fase será tomada uma decisão final administrativa: a condenação ou absolvição. O que se prevê para o inicio do primeiro trimestre de 2016, sendo certo que é raro uma entidade administrativa absolver um arguido depois de o ter acusado.
  • Até a essa data, deverão ser concluídos os restantes três processos de contraordenação que o BdP abriu na sequência da derrocada do BES/GES. Se José Maria Ricciardi voltar a ser acusado, esse eventual fato será relevante para uma eventual reavaliação da sua idoneidade.

É certo que uma condenação em processo administrativo, como são os do BdP, é sempre passível de recurso para as instâncias judiciais, no caso o Tribunal de Supervisão, sedeado em Santarém, e deste para a Relação de Lisboa. Mas qualquer reavaliação do processo de idoneidade não esperará pelo trânsito em julgado de eventuais recursos.

Contactado pelo Observador, fonte oficial do regulador afirmou:

O Banco de Portugal, dentro dos seus poderes e atribuições, leva a cabo um processo contínuo de reavaliação de idoneidade dos titulares de órgão sociais de qualquer instituição de crédito, tendo em conta, em particular, o conhecimento de novos fatos devidamente provados”.

Ricciardi diferente da dupla Salgado/Morais Pires

Uma coisa, contudo, é certa. A situação de José Maria Ricciardi é claramente diferente aos olhos do BdP face à posição, por exemplo de Ricardo Salgado, ex-presidente da Comissão Executiva do BES, e de Amílcar Morais Pires, ex-CEO do BES. Basta ler as duas acusações do regulador já produzidas para constatar essa diferença.

Na primeira acusação, conhecida em maio de 2015, é imputado a Ricciardi, juntamente com outros ex-administradores do BES, uma violação negligente das suas funções de administrador ao não ter contribuído para a adoção de um sistema de gestão de riscos adequado na colocação de títulos de dívida da Espírito Santo Internacional (uma das holdings do Grupo Espírito Santo que faliu) junto de clientes do BES. Já Ricardo Salgado e Morais Pires são apontados como tendo conhecimento da situação de falência técnica da ESI e de não terem informado o BdP e os restantes administradores desse fato. Além das suspeitas de falsificação de contabilidade da ESI que são imputadas a Salgado.

Salgado, aliás tem as acusações mais graves, sendo acusado de atos dolosos de gestão ruinosa. Esta infração é igualmente imputada a José Manuel Espírito Santo, Manuel Fernando Espírito Santo e Ricardo Abecassis.

Em suma: o BdP entende que José Maria Ricciardi, como a maioria dos restantes ex-administradores do BES, não tinham conhecimento da gravidade da situação da ESI mas que teria a obrigação como titular de órgão social executivo de assegurar que o banco tinha os devidos mecanismos de risco.

No caso da segunda acusação, conhecida na semana passada, José Maria Ricciardi foi acusado a titulo doloso título doloso, juntamente com António Souto, Jorge Martins, Joaquim Goes, João Freixa e Stanislas Ribes, de três contra-ordenações reativas ao deficiente sistema de gestão, controlo e avaliação de risco.

Mas, mais uma vez, a situação é diferente. Ricardo Salgado, Morais Pires e Rui Silveira, ex-administrador executivo, são os principais protagonistas na ótica do Banco de Portugal. Nesta segunda acusação estão em causa as relações entre o BES e a sua subsidiária Banco Espírito Santo Angola (BESA), nomeadamente a exposição de mais de três mil milhões de euros de empréstimos ao BESA decididos em Lisboa. O trio Salgado/Morais Pires/Silveira é acusado pelo regulador a título doloso de não ter informado o BdP da real situação desses créditos e da situação financeira problemática daquele banco angolano (que impediu o pagamento dos empréstimos) mesmo depois dessa informação global lhes ter sido transmitida em Luanda no âmbito de uma conturbada Assembleia-Geral especialmente convocada para o efeito. Regressados a Lisboa, Salgado, Morais Pires e Silveira não partilharam, segundo o BdP, a informação com os restantes administradores do BES (incluindo Ricciardi) nem informaram o regulador.