Angolanos e moçambicanos que trabalharam na antiga República Democrática Alemã (RDA) recordam a queda do muro de Berlim, há 26 anos, como um momento que significou liberdade.
“O tempo da RDA foi mau mas tirou-me da guerra. Conheci o que era a liberdade”, disse o angolano Chari à agência Lusa em Berlim.
Chari chegou à RDA em 1988 para trabalhar numa fábrica de fogões “com pouco mais do que uma camisa no corpo”.
Nas vésperas da queda do Muro de Berlim, derrubado a 9 de novembro de 1989, Chari estava prestes a ser deportado para Angola como “indisciplinado” porque não se ambientou à rotina de “mão-de-obra barata” na antiga Alemanha Oriental.
Mas em vez de regressar a Luanda, saltou o muro e passou para a República Federal Alemã.
“Éramos um grupo de nove, fomos pedir informações ao ponto de inspeção, demos uns passos, não nos deixaram passar. Corremos, saltamos as traves. Deram uns tiros no ar, quatro foram apanhados e cinco conseguiram fugir. Eu fui um deles e foi assim que a minha vida começou”, relatou.
Cerca de 20 mil moçambicanos e 1.600 angolanos trabalharam na antiga RDA através de acordos celebrados entre os países de origem e a Alemanha de Leste, uma prática iniciada em 1963 com nações alinhadas com a União Soviética.
De acordo com dados da comissão alemã para a Imigração, Refugiados e Integração, havia 94 mil trabalhadores estrangeiros na RDA em 1989, provenientes de Angola, Argélia, Cuba, Hungria, Moçambique, Polónia e Vietname.
Os empregos e formação prometidos na RDA rapidamente se transformaram em desilusões para a maior parte dos africanos.
“A nossa expetativa era estudar porque muitos de nós sonhávamos com ter formação para podermos voltar ao nosso país e podermos trabalhar. Mas fomos enviados para trabalhar nas fábricas, dia e noite”, explica o angolano Miguel Kabango que chegou à Alemanha com 18 anos.
“Eles tinham condições de vida muito más. Tinham direito a cinco metros quadrados para viver. Caso as mulheres engravidassem, eram repatriadas ou obrigadas a abortar”, contou Anetta Kahane, presidente da fundação Amadeu António, o nome da primeira vítima de racismo na Alemanha reunificada, um angolano.
“A sociedade era muito racista”, disse Anetta Kahane e o relacionamento com os locais era reduzido porque “a RDA não estava interessada em contatos privados entre os alemães de leste e os trabalhadores contratados”.
Luís Mezuze, 54 anos, teve uma experiência melhor já que se formou como engenheiro químico, apesar de ter começado como operário numa fábrica de cerveja. O moçambicano, que hoje vive em Dresden, esperava um país mais moderno “como tinha visto na televisão” mas considerou a relação com os alemães “ótima”.
Com a queda do muro, muitos trabalhadores estrangeiros regressaram aos países de origem mas o moçambicano Emiliano Chaimite fez os possíveis para ficar na Alemanha, considerando até “casar com uma amiga” para conseguir a cidadania.
“Fiquei desempregado, o internato fechou e muita gente voltou. Acabei por ficar porque fui estudar enfermagem”, contou Emiliano que hoje trabalha na cidade de Dresden.