Falta de informação e uma forte campanha negativa podem arrastar o Reino Unido para fora da União Europeia. Catherine Bearder, eurodeputada britânica, quer evitar que isso aconteça, afirmando que pode ser possível um acordo que beneficie tanto a Europa como o Reino Unido, sem pôr em causa as liberdades comunitárias essenciais. Uma campanha de educação sobre a UE que esclareça o que se faz em Bruxelas e contactos com as populações britânicas que vivem noutros Estados-membros, são apostas da eurodeputada.

Catherine Bearder foi a única eurodeputada eleita pelo Partido Liberal Democrata em 2014 e vai liderar a campanha do seu partido pela permanência do Reino Unido na União Europeia quando chegar a altura do referendo. Apesar de o seu partido ter estado com Cameron no Governo até maio do ano passado, Bearder afirma que o primeiro-ministro se arrisca a ser lembrado como “um idiota” caso não consiga negociar um acordo que possa apoiar publicamente. Falámos com a eurodeputada no início de dezembro, em Bruxelas.

As sondagens têm dado vantagem à saída e todos os dias há questões relacionadas com a imigração que parecem reforçar essa preferência pela saída do Reino Unido da União Europeia.  Como é que se contradiz esta retórica?

O sim e o não estão a flutuar e isso é porque há 20% a 25% que querem sair e 25% que conhecem a União Europeia e querem ficar. E depois há um grande grupo de pessoas, que corresponde mais ou menos a metade da população, que não faz ideia como é que a União Europeia funciona, o que é ou não estão politicamente ativos. Essas são as pessoas que reagem imediatamente às manchetes dos jornais e de formas diferentes todas as semanas. É muito volátil e eu acho que o nosso trabalho como políticos, especialmente antes de sabermos sequer quando é que a campanha vai acontecer – podemos ter 18 meses à nossa frente, embora eu ache que não vai ser tanto tempo – é falar da Europa e é dar às pessoas os factos correctos sobre a União Europeia. Assim, quando David Cameron conseguir um acordo que ele próprio possa apoiar, as pessoas vão estar mais bem informadas e vão conseguir ultrapassar a campanha negativa.

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Mas pensa que as condições para um acordo trazidas a Bruxelas e aos Estados-membros pelo Reino Unido são possíveis de negociar? Qual é, na sua opinião, o acordo possível?

Há muito que podemos conseguir. A parte mais difícil tem a ver com os benefícios para os trabalhadores europeus no Reino Unido e o direito a terem apoios assim que começam a trabalhar. O que os líderes da União vão dizer é que não querem nada que impeça a livre circulação, nem nada que discrimine os trabalhadores europeus face aos cidadãos britânicos. Eu acho que há a possibilidade de um acordo.

Disse que é preciso mais informação sobre a União Europeia no Reino Unido. Acha que há muitos mal entendidos sobre o que é a União no seu país?

Imensos. Temos uma imprensa muito negativa em relação à União, desde Tony Blair. O seu Governo aceitou tudo o que foi dito, sem nunca contradizer e agora estamos a colher os frutos disso. Há muita contra-informação que vem de Leste, nomeadamente da Rússia e do Governo de Putin que não quer que a União Europeia tenha sucesso. Eu penso que isso vai aumentar e, por isso, esta é a altura para que quem acredita na União Europeia se una e defenda que seríamos muito mais frágeis economicamente fora do espaço comunitário. Tudo aquilo que damos por adquirido na vida moderna como europeus seria muito mais difícil fora da UE. E também seria mau para o resto dos Estados-membros.

Pensa que a questão económica vai ser central para travar a saída do Reino Unido? Na City, em Londres, a ideia da saída parece assustar os investidores.

Todos os bancos, todos os negócios veem que é mau. Só os hedge funds é que não se importam porque o que fazem é apostar no futuro e tanto lhes faz as consequências que isso tem para as pessoas. Qualquer pessoa que se importe com o futuro do Reino Unido e da Unão Europeia, está preocupada. E a economia é central nisto. Dizemos no Reino Unido que fazemos muitos carros, mas nós, na verdade, montamos muitos carros. As partes destes carros vêm de Espanha, Itália e Portugal e são trazidas para o Reino Unido. E isto acontece em todos os setores da economia. Está tudo tão interligado que retirar um país vai ser desastroso para todos. Temos de lutar contra isto. E em Portugal também se pode lutar. Há muitos britânicos que lá vivem e precisamos falar com eles. Será que se o Reino Unido sair, eles vão continuar a ser atendidos no centro de saúde? Vão ter direito a medicamentos?

O seu partido está preocupado com o facto de David Cameron poder juntar-se à campanha do não?

É uma possibilidade. Ele próprio disse isto. Que parte disso que é bluff, não sabemos. Penso que ele compreende que o futuro do Reino Unido é melhor na União Europeia e que ele vai fazer o que for necessário para que haja um bom acordo. Ele tem duas opções. Pode dizer que o acordo é mau e fazer campanha pelo não e, se assim for, ele vai ficar na História como um idiota. Se ele fizer campanha pelo sim sem convicção, vai ficar em apuros porque não só vai ter um efeito na União Europeia, mas o próprio Reino Unido vai desintegrar-se, com a Escócia a sair.

Tem contacto aqui com muitas sensibilidades políticas, muitas nacionalidades e muitas perspectivas sobre o projeto europeu. Como é que acha que os Estados-membros olham para este referendo?

Por toda a Europa há uma clara política de medo e de ódio e diz-nos respeito a todos que acreditamos no trabalho de cooperação entre os países. Temos de  lhes fazer frente. Os nacionalismos nunca beneficiam os países, destroem-nos. Só sendo mais forte é que a União Europeia pode afirmar-se. Temos de nos apoiar, partilhamos tudo neste momento, a nossa água, o nosso ar, a nossa comida. Cabe a cada democrata combater isto e dizer que essa não é forma certa de seguirmos em frente. O problema neste momento é que a Europa não tem uma visão clara.

Pensa que a campanha para a saída do Reino Unido da União Europeia tem argumentos fortes?

Não.  Não é possível conseguirmos aquilo que queremos se não nos sentarmos à mesa onde as decisões estão a ser tomadas. Se há problemas, e é claro que a União Europeia não é perfeita, a única maneira de melhorar as coisas é conversarmos sobre as coisas. Sair impetuosamente da sala, significa que se fica a falar sozinho. A campanha para sair da UE é negativa, não é patriótica para o Reino Unido e não é boa para a Europa. Temos de lutar para vencer.