Alguns casos de síndrome Guillain-Barré (SGB) já tinham sido colocados como uma consequência possível da infeção com o vírus zika, mas ainda não houve confirmação científica de que a síndrome fosse causada pela infeção. Agora, a morte de três pessoas na Colômbia por causa da síndrome – mas que também tinham zika – vem dar força à decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considerou a possível associação entre problemas neurológicos (como microcefalia e SGC) e o surto de zika uma emergência de saúde pública de interesse internacional.
O que é a síndrome Guillain-Barré?
Esta síndrome é uma doença rara em que o sistema imunitário de uma pessoa reage contra as próprias células nervosas e ataca o sistema nervoso periférico, provocando fraqueza muscular e, por vezes, paralisia. O formigueiro e fraqueza podem começar nas pernas e depois espalhar aos braços e restante corpo.
A OMS estima que existam anualmente 0,4 a 4 casos de síndrome Guillain-Barré por cada 100 mil habitantes em todo o mundo, refere a BBC.
Os sintomas da doença podem manter-se durante umas poucas semanas ou vários meses, mas normalmente os doentes recuperam totalmente. Em alguns casos as pessoas podem ficar com sequelas, mas raramente morrem desta doença, lê-se no site dos Centros de Controlo e Prevenção das Doenças norte-americanos (CDC).
Os sintomas apresentados são semelhantes aos de outras doenças, mas na SGB os doentes apresentam queixas nos dois lados do corpo e a perda de sensibilidade e mobilidade acontece muito rapidamente.
Qual a relação da infeção com zika com a síndrome Guillain-Barré?
Ainda não existe uma relação causal, comprovada cientificamente, entre a infeção com o vírus e a síndrome. Mas alguns casos de SGB têm aparecido na mesma altura em que se manifestam os surtos de zika.
Esta relação foi detetada pela primeira vez durante o surto na Polinésia Francesa, em 2013-2014. Dos doentes com zika, 74 apresentaram problemas neurológicos ou autoimunes, e desses 42 foram diagnosticados com SGB.
Mais tarde, em julho de 2015, o estado da Baía, no Brasil, identificou 76 pacientes com síndromes neurológicos que também tinham tido zika, escreveu a BBC. Destes doentes, 42 foram confirmados como SGB. Em novembro, o estado de Pernambuco identificou SGB em 10 doentes que também tinham sido infetados com zika.
Em 2016, foi São Salvador a reportar casos de SGB, refere a BBC, citando a Organização Pan-Americana de Saúde. O país que costuma ter uma média de 14 casos por mês (169 por ano), registou 46 casos da síndrome em cerca de um mês – entre 1 de dezembro e 6 de janeiro. Dois doentes acabaram por morrer.
As Honduras já registaram desde 16 de dezembro cerca de mil pessoas com zika e, no mesmo período, 13 casos de SGB. “Passamos de 10 casos de Guillain-Barré por ano, para 13 doentes num mês”, refere Arnold Thompson, neurologista no hospital Mario Rivas de San Pedro Sula, citada pela BBC. “O historial médico destes 13 doentes diz que tiveram dengue, zika ou chikungunya antes de apresentar os sintomas de Guillain-Barré.”
A OMS, citada pela BBC, reconhece que o surto de zika e os casos da síndrome Guillain-Barré têm uma coincidência no tempo e no espaço e recomenda que os países com zika aumentem a vigilância para esta doença autoimune e para outros síndromes neurológicos.
América Latina fará compra de remédio para síndrome ligada à zika https://t.co/WRMwAaeZx5 pic.twitter.com/R19cE5hOBW
— Folha de S.Paulo (@folha) February 3, 2016
Como ataca o organismo?
As células do sistema imunitário deveriam atacar o material estranho ao organismo ou os organismos invasores, mas nas doenças autoimunes, como a síndrome Guillain-Barré, as células imunitárias atacam o próprio corpo.
No caso da síndrome Guillain-Barré, o sistema imunitário ataca os axónios das células nervoso – prolongamentos das células responsáveis por conduzir sinais nervosos – e também as bainhas de mielina que envolvem os axónios e que potenciam a transmissão dos sinais nervosos.
Sem a mielina para conduzir convenientemente os sinais nervosos, as células nervosas não conseguem comandar os músculos. Outra consequência é a perda de sensibilidade às texturas, à temperatura ou à dor. Ao atacar os nervos do tórax e do diafragma podem provocar dificuldades respiratórias.
O que causa a SGB?
A síndrome de Guillain-Barré pode ser causada por uma infeção viral ou bacteriana, sendo a mais comum delas a bactéria Campylobacter jejuni. Dois terços das pessoas que têm SGB, apresentam os sintomas uns dias ou semanas depois de terem tido diarreia ou uma doença dos pulmões, referem os CDC.
Gripe, citomegalovírus ou outras infeções com vírus podem causar a doença, mas até ao momento não existem provas científicas de que o zika seja uma das causas. A desconfiança surgiu porque o surto de zika na América do Sul veio acompanhado de um aumento do número de casos de SGB.
Como é que infeções anteriores levam a SGB? Os cientistas apresentam algumas hipóteses, segundo os Institutos Nacionais de Saúde norte-americanos (NIH): os vírus ou as bactérias podem alterar as células do sistema nervoso o suficiente para que o sistema imunitário as considere estranhas e as ataque; ou os vírus fazem com que o sistema imunitário perca a capacidade de distinguir quais são o que pertence ao corpo e o que é estranho. Em qualquer dos casos, os alvos das células são os axónios.
Esta doença não é contagiosa. Não se sabe porque afeta umas pessoas e outras não, nem como se estabelece e desenvolve.
Como se trata?
Não existe nenhum tratamento específico para a síndrome de Guillain-Barré, mas existem algumas terapias que podem ajudar a aliviar os sintomas e a acelerar a recuperação dos doentes, como infusão de altas doses de gamaglobulina endovenosa, a filtração do sangue (plasmaferese) e a fisioterapia, refere a Agência Fiocruz de Notícias.
Muitas vezes o tratamento e recuperação dos doentes é feito em contexto hospitalar porque nas situações mais graves é preciso assegurar que o organismo se mantém vivo enquanto o sistema nervoso recupera. Os doentes podem ter de ser ligados a ventiladores e a outras máquinas que analisam os sinais vitais e que asseguram as funções corporais.
Os sintomas podem estabilizar ao fim de uns dias, mas podem levar várias semanas, meses ou até anos a passar totalmente. 30% dos doentes que tiveram SGB ainda apresentam alguma fraqueza muscular ao fim de três anos e 3% pode voltar a ter formigueiro e fraqueza muscular muitos anos após os sintomas iniciais.
Quem pode sofrer da doença?
Qualquer pessoa pode sofrer da doença, homens ou mulheres, mas esta é mais comum em adultos mais velhos. Segundo os CDC, a taxa de SGB aumenta com a idade, sendo o risco maior para pessoas com mais de 50 anos.
Quando acontece nas crianças estas tendem a evoluir melhor do que os adultos e a recuperar mais rápido, segundo a Agência Fiocruz de Notícias, da Fundação Oswaldo Cruz (Brasil).