Mario Draghi não é a figura mais popular na Alemanha, neste momento. Já não é, aliás, há vários anos, sobretudo desde que em julho de 2012 o presidente do Banco Central Europeu (BCE) prometeu “fazer tudo o que for necessário” para preservar a moeda única. É essa expressão inglesa – “whatever it takes” – que faz a capa do diário Handelsblatt, acompanhada por um Draghi a queimar uma nota de 100 euros enquanto fuma um charuto. As associações de aforradores alemães falam num “confisco” causado pelos juros (cada vez mais) baixos e Mario Draghi redobra os avisos aos governos da zona euro para que flexibilizem a economia e travem a “tragédia” do emprego jovem.
No rescaldo da reunião do Conselho de Governadores de quinta-feira, 10 de março, os analistas estão a fazer contas ao impacto real das medidas anunciadas, que começaram por ser vistas como audazes pelos mercados mas cujo efeito se desvaneceu rapidamente. O verdadeiro teste aos méritos das medidas irá ver-se nos dados sobre a concessão de crédito por parte dos bancos privados, que já voltou a crescer mas de forma muito incipiente. Nos mercados, para já, o impacto da bazuca reforçada está a ser mínimo – o euro desce apenas 0,8% face ao dólar (depois de ontem ter acabado por subir 1,6%) e o efeito maior vê-se nas ações da banca europeia, cujo índice sobe 4% esta sexta-feira.
Variações mais ou menos expressivas nos mercados à parte, há quem acredite que todos estes estímulos serão ineficazes e que podem nem servir para evitar a “deflação desastrosa” de que falou Mario Draghi na quinta-feira. Vários think tanks e associações de aforradores da Alemanha, um país culturalmente propenso para a poupança, não poupam críticas às políticas do BCE e ficam de cabelos em pé quando o presidente do BCE garante que “as taxas de juro diretoras [permanecerão] nos níveis atuais ou em níveis inferiores durante um período alargado”.
O jornal alemão Handelsblatt dá-lhe voz na capa da edição publicada esta manhã.
https://twitter.com/handelsblatt/status/708194242544336896
Para o presidente do instituto de pesquisa IFO, Hans-Werner Sinn, estamos perante “subsídios ilegais para apoiar bancos zombie” quando apresentamos medidas como a redução das taxas dos depósitos para terreno ainda mais negativo (-0,4%) e a possibilidade de os bancos virem a receber uma remuneração automática quando pedem liquidez ao BCE para emprestarem à economia. Ao tablóide Bild, Hans-Werner Sinn diz que vários países da zona euro que têm contas desequilibradas e são devedores líquidos em relação à Alemanha não têm escrúpulos e usam a maioria no Conselho Europeu para viciar a política monetária da zona euro.
Outra figura muito crítica de Mario Draghi, Lars Feld, presidente do Walter Eucken Institute, concorda que estas políticas serão sempre ineficazes. Citado pela Bloomberg, Lars Feld acusa países como a Itália – de onde Draghi é natural –de não estarem a aproveitar as taxas de juro baixas para reformar a sua economia, continuando a gastar muito mais do que a riqueza que produzem.
Até quando pode durar o confronto entre Draghi e Schäuble/Weidmann?
Já vem de longe o confronto entre Mario Draghi e vários setores da sociedade alemã – liderados por vozes como estas e, ainda, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, e o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann. É nesse contexto que fotografias como esta, registada em outubro de 2014, valem mais do que mil palavras.
Segundo o Handelsblatt, a gestora de planos de reforma Union Investment estima que esta política monetária do BCE fará com que as famílias alemãs percam 224 mil milhões de euros em juros só nos próximos cinco anos – uma estimativa conservadora, diz o jornal alemão.
O jornal recorda, também, um estudo de Olaf Stotz, professor da Frankfurt School of Finance, em que se calcula que, em 2007, alguém com 35 anos de idade e uma esperança de vida de 79 anos teria de poupar 168 euros por mês para manter o nível de vida na reforma. Em 2015, seria necessário pôr de lado 360 euros por mês — mais do que o dobro — para compensar a falta dos juros.
Draghi preocupado com “tragédia” do desemprego jovem
A cada conferência de imprensa do BCE, Mario Draghi pede estímulos orçamentais nos países que os podem fazer (sem violar as regras europeias) mas não se esquece de indicar que os estímulos monetários apenas podem ganhar tempo para que os países reformem as suas economias.
Como indicado pela Comissão Europeia, a implementação das recomendações específicas por país permaneceu bastante limitada em 2015. Por conseguinte, é necessário intensificar os esforços de reforma na maioria dos países da área do euro.
E é sobre estas “reformas” que Mario Draghi quis falar numa entrevista publicada esta sexta-feira no The Guardian. Só através dessas reformas é que a zona euro poderá travar a “tragédia” do desemprego jovem e acabar com o mercado de trabalho “viciado” que existe na zona euro.
“Em muitos países, o mercado de trabalho está concebido para proteger os mais velhos, os insiders que já lá têm lugar garantido, pessoas com contratos permanentes, bem remunerados e protegidos por leis laborais rígidas“, defende Mario Draghi. E qual é a consequência disso?
Os efeitos colaterais resultantes são que as pessoas mais jovens ficam presas a empregos temporários, com salários baixos e são os primeiros a serem despedidos em alturas de crise. Nesse contexto, os empregadores veem com relutância o investimento nos jovens, portanto os rendimentos desta geração serão mais baixos ao longo de toda a sua vida.
Mario Draghi terminou com um aviso: “O desemprego jovem é uma tragédia que impede que as pessoas desempenhem um papel pleno e significativo na sociedade. Pode prejudicar gravemente a economia e ameaça a harmonia social“.