A integração de Lula da Silva no Governo brasileiro foi adiada. Quando todos os dados apontavam nesse sentido, o gabinete da Presidente Dilma Rousseff decidiu agendar para quarta-feira uma tomada de posição sobre o assunto.

Em causa estão os novos e mais recentes desenvolvimentos do caso Lava Jato: o Supremo Tribunal Federal validou as denúncias de Delcídio do Amaral, senador do Partido dos Trabalhadores (PT), que implicou diretamente Lula e Dilma no escândalo que envolve a Petrobras. Delcídio do Amaral está em prisão domiciliária e terá cedido informações em troca de uma redução na pena.

As más notícias para Dilma não se ficam por aqui – aliás, as coisas só pioram daqui para a frente. Aloizio Mercadante, um dos ministros de Dilma, terá tentado comprar o silêncio Delcídio – há mesmo uma gravação de um dos assessores de Mercadante a oferecer dinheiro a um homem de confiança de Delcídio para impedir que o senador assinasse o acordo. Dilma Rousseff terá ficado mesmo “atónita” com estas últimas revelações, escreve Folha de São Paulo.

Por isso mesmo, e para avaliar o impacto de mais um golpe na credibilidade do Palácio do Planalto, a Presidente do Brasil convocou uma reunião de emergência do Executivo brasileiro. Ainda não é certo, por isso, se Lula da Silva vai mesmo ocupar o superministério que Dilma estava supostamente – e tudo indica que sim – a preparar para o mentor e antecessor. Ou se, à luz dos novos dados, o processo de reintegração de Lula vai ser suspenso.

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Esta decisão de Dilma Rousseff significa um volte-face no já de si imprevisível cenário político brasileiro. De acordo com o que o jornal O Globo avançou esta terça-feira, Lula da Silva terá mesmo aceitado ser ministro no Governo de Dilma Rousseff.

A decisão final só deveria ser tomada depois de uma reunião descrita como “decisiva” a ter lugar esta terça-feira, entre a atual e o antigo Presidente do Brasil – a tal que acabou adiada depois dos recentes desenvolvimentos no Caso Lavo Jato. Este obstáculo inesperado terá traído, inclusivamente, as próprias ambições de Lula. O ex-Presidente do Brasil já teria partilhado com vários militantes do Partido dos Trabalhadores que ia mesmo integrar o Governo brasileiro.

Quanto a Dilma Rousseff, a Presidente brasileira não joga apenas no tabuleiro da Justiça: na frente política, pode vir a enfrentar uma saída do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) do Governo. Tal precipitaria a queda do Executivo, numa altura em que Dilma já enfrenta um processo de impeachment (destituição). Tempos difíceis para a “Presidenta”.

O que acontece se Lula aceitar o convite de Dilma

A decisão foi adiada, mas o cenário não está afastado. Caso aceite o convite para integrar o Governo, Lula da Silva passaria a ter “foro especial por prerrogativa de função”, conhecido como “foro privilegiado”, termo jurídico utilizado no Brasil para designar os privilégios concedidos a autoridades políticas de serem julgadas por um tribunal diferente ao de primeira instância.

No caso do presidente do Brasil e dos seus ministros, o órgão responsável pelo julgamento é o Supremo Tribunal Federal, a instância mais alta do poder judiciário do país. Isto é equivalente ao Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, órgão responsável por julgar membros do governo.

Atualmente, a investigação contra Lula da Silva é de competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, no estado do Paraná, sob responsabilidade do juiz Sérgio Moro, que comanda a Operação Lava Jato. O juiz também recebeu esta semana do Ministério Público de São Paulo a competência de julgar o pedido de prisão preventiva do ex-presidente do Brasil.

Como ministro, a investigação contra Lula da Silva seria entregue ao Supremo Tribunal Federal, que daria continuidade ao processo sem invalidar as provas e depoimentos já realizados pela justiça. O ex-presidente passa a ser julgado direto em última instância, o que significa que não poderia recorrer da decisão. Caso não aceite o cargo, Lula da Silva poderia recorrer em mais duas instâncias antes da decisão final do Supremo Tribunal Federal.

“Nomeação não é obstrução à justiça”

Em entrevista ao jornal Estadão esta segunda-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, negou que a nomeação de Lula seja uma “obstrução à justiça”. O ministro aponta a condenação de “políticos, um ex-chefe [do ministério] da Casa Civil, banqueiros e empresários” no julgamento do Mensalão, em 2012, como exemplo do bom funcionamento da justiça brasileira.

“Não podemos presumir a tentativa [da ida de Lula para a Esplanada dos Ministérios] seja de acobertamento, se é que o ex-presidente Lula – não podemos concluir a priori – praticou algum ato que pode ser alcançado pelo direito penal”, acrescenta.

Sobre a influência que ida de Lula para o governo pode ter na imagem do PT e de Dilma, Marco Aurélio afirmou que “não se pode subestimar” a capacidade de articulação política do ex-presidente.

Já para os partidos de oposição, a nomeação de Lula da Silva é um “ato de desespero” da presidente Dilma Rousseff. É o que garante Cássio Cunha Lima, líder do PSDB no Senado. “Tentam perpetrar o autogolpe. É a primeira vez na História que um presidente da República encerra seu mandato no exercício do próprio cargo. (…) Agora só existe uma caminho, que é a oficialização da saída de Dilma do governo”, sentencia em citação do jornal O Globo.

Para o deputado Pauderney Avelino, do partido DEM-AM, a possibilidade de Lula virar ministro é um “escárnio”. “É um tapa na cara da população brasileira. O povo foi às ruas, se manifestou e acredito que mais de 6 milhões de pessoas no Brasil inteiro já disseram que não querem o Lula, ou já disseram que não querem mais o governo do PT”, avalia.

Sem precedentes na história do Brasil

Caso Lula da Silva aceite o cargo de ministério, esta será a primeira vez que um ex-presidente torna-se ministro desde a retomada da democracia no Brasil, em 1985.

Segundo o site G1, Lula da Silva poderia ocupar a Secretaria-Geral de Governo, atualmente sob a responsabilidade de Ricardo Berzoini. A secretaria conta com estatuto de ministério e tem como principal função realizar a coordenação política do governo com o Congresso e partidos e prevenir e gerir crises institucionais.

Outra possibilidade avançada pela publicação é o ministério da Casa Civil, ocupado por Jaques Wagner, que tem como atribuições o assessoramento direto de Dilma Rousseff na condução do governo e na avaliação das propostas encaminhadas ao Congresso.

O jornal Folha de São Paulo conta que o ex-presidente exigiu uma reforma das políticas económicas do governo de Dilma como condição para tomar posse como ministro, de modo a reaproximar o Palácio do Planalto da matriz populista do PT. O pedido acontece no contexto do corte de 5,19 mil milhões de euros nas despesas públicas em 2016 anunciadas em fevereiro pelo governo, como forma de conter a crise económica no país.

A eventual ida de Lula da Silva para o governo teria, no entanto, outra possível função: recompor a base política de Dilma Rousseff contra o processo de impugnação do seu mandato. Segundo explica o G1, o governo espera que a boa relação que Lula tem com os líderes do PMDB, maior partido do Congresso brasileiro, possa ajudar a representação a repensar a sua decisão de romper com Dilma em até 30 dias.

Lula encontrava-se sob investigação na Operação Lava Jato e é suspeito de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.