O Presidente da República esteve esta terça-feira num colóquio sobre políticas públicas na Assembleia da República. Além de sublinhar o inédito da sua presença ali no palco parlamentar, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu um apelo bem menos inédito nas intervenções presidenciais: ao consenso. Mas foi detalhado no destinatário da mensagem, no quando deve ser seguida, no como e no porquê.
Ao dirigir-se aos responsáveis políticos e parceiros sociais, o PR diz que o consenso tem de acontecer “hoje e agora”, e deve traduzir-se “num compromisso político de médio e mesmo mais longo prazo”, para garantir “estabilidade e previsibilidade” aos cidadãos.
O desafio ficou dado no “Fórum das Políticas Públicas” que foi organizado pelo departamento que trata destes temas no ISCTE e cujos coordenadores são duas pessoas da área socialista. Uma delas foi uma das ministras mais contestada numa das áreas em que Marcelo pediu consenso, a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, a outra é Pedro Adão e Silva.
A sustentabilidade das políticas públicas reforma a necessidade de um compromisso politico de médio e mesmo mais longo prazo”, disse o Presidente.
A esta frase, Marcelo acrescentou que “esse compromisso se chama Constituição. É através do respeito pela Constituição e pelos direitos sociais nela inscritos que se deve encontrar entendimento num horizonte temporal alargado”. E nas políticas públicas, o chefe de Estado inclui todas as áreas, apontando uma a uma. A começar pela Segurança Social, palco das maiores contendas entre direita e esquerda (pelo menos durante a última campanha eleitoral). “Os cidadãos têm o direito de saber qual o nível de proteção do Estado com que podem contar ao fim de uma vida de trabalho e de contribuições para a Segurança Social”, afirmou o Presidente apontando a necessidade de adaptação à nova realidade financeira do país e também à esperança média de vida que aumentou.
Foi nesta mesma linha de defesa de políticas com “a mínima coerência e previsibilidade”, sem “flutuarem naquilo que é estrutural, ao sabor de mudanças de governo ou de maiorias conjunturais”, que Marcelo seguiu para outra área de alta sensibilidade no atual quadro político, acrescentando que os cidadãos têm o direito de saber “que os seus filhos sejam educados numa estabilidade mínima quanto ao governo do sistema de ensino, os conteúdos programáticos, as metas curriculares e os calendários letivos”. Sobre esta matéria, o Presidente defende ainda que a “educação deve ter também presente a natureza do território e garantir igualdade de todos assegurando ensino de qualidade”.
Ainda passou pelo Serviço Nacional de Saúde, que nos tempos da Constituinte foi “aquele que parecia um dos domínios mais ideológicos e de mais profundas clivagens” e que acabou por ser onde foi possível um “consenso de fundo”. Significa que é “um êxito que devia ser replicado como modelo para outras áreas como a Justiça e a Educação”, defendeu o Presidente da República que quer que o debate que propõe decorra em “clima sereno ainda que possa ser, aqui e ali, militante”.
A estabilidade só se alcança através do consenso e do diálogo”. Sem diálogo permanente entre as forças políticas e parceiros sociais, não é possível aplicar e desenvolver uma ação do Estado que seja acolhida pelos seus destinatários e perdure no tempo”.
O Presidente não passou à margem da questão da sustentabilidade financeira que considera ser também central neste debate, sobretudo depois de Portugal ter cumprido um programa de ajustamento “muito exigente” e num contexto onde “a intervenção das instituições europeias é nalgumas facetas mais vasta mais constante e pressionante do que a de estados federais sobre estados federados”. “Há um caminho muito longo a percorrer e o futuro começa agora. É hoje e agora que devemos definir as bases da sustentabilidade do nosso estado social. Trata-se de um imperativo de justiça”. E isto porque, para Marcelo, é necessária uma “visão geracional de duplo sentido”, já que o compromisso que exige não diz só respeito aos “portugueses de 2016, mas é entre os de 2016 e os de 2020 e 2030”.
No início da intervenção que fez no encerramento da conferência, Marcelo Rebelo de Sousa disse ainda que a discussão das políticas deve chegar a todos os portugueses. Explicou que defende esta perspetiva não para que se trate “de governar para as televisões. Trata-se da necessidade de prestar contas aos cidadãos, informar destinatários das medidas, discuti-las para que em torno delas haja o maior consenso possível”. Foi por isso que elogiou que o painel de comentário televisivo Quadratura do Círculo — onde o atual primeiro-ministro foi comentador — se tenha envolvido neste debate que durou várias semanas, e até endereçou dali cumprimentos aos comentadores residentes. Mais um inédito presidencial, que se somou a outro que Marcelo quis frisar, saudando a “magnífica cooperação pessoal e institucional” com o presidente da Assembleia da República, o socialista Ferro Rodrigues. “Quebrámos hoje a praxe institucional de 40 anos, um Presidente nunca vem à Assembleia da República, salvo para tomar posse e dirigir mensagem”.
O “entusiasmo contagiante” de Marcelo e os elogios a Manuela Eanes
Meia hora depois de ter encerrado o Fórum de Política Públicas, o Presidente da República continuou a quebrar a “praxe constitucional” e foi também, acompanhado de Eduardo Ferro Rodrigues, encerrar uma outra conferência, sobre Crianças Desaparecidas, organizada pelo Instituto de Apoio à Criança e presidida por Manuela Eanes, desta vez no edifício novo da Assembleia da República.
A invulgaridade da situação valeu a Marcelo alguns elogios do Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que aproveitou o facto de ter estado com o Presidente em duas iniciativas consecutivas para dizer que o seu “entusiasmo” era “contagioso”. “Quero deixar em especial uma palavra de muito apreço ao senhor Presidente da República, que hoje está aqui em duas sessões na Assembleia da República com o mesmo entusiasmo de sempre, que é contagioso, e muito bem“, disse Ferro Rodrigues, numa breve declaração antes de Marcelo tomar a palavra.
Elogiando a causa “óbvia” que é o apoio à criança, mas que não era “assim tão óbvia há 33 anos”, Marcelo “agradeceu” a Manuela Eanes o serviço prestado, dizendo que muitas vezes “não há gratidão na política”, mas que não é o seu caso. “Muitas vezes se diz que não há gratidão na política, mas há. É seletiva, não é imediata, às vezes demora tempo a confirmar-se, mas nós estamos gratos a Manuela Eanes desde o primeiro dia”, disse, merecendo um aplauso da plateia.
Os elogios à presidente do Instituto de Apoio à Criança e mulher do ex-Presidente Ramalho Eanes continuaram com Marcelo a criticar, em contraponto, os líderes que desertificam o horizonte. “O que mais conhecemos, muitas vezes, são líderes que não deixam instituições para além deles, que desertificam o horizonte para além deles. Uma grande líder é aquela que garante a continuidade institucional de um trabalho através de equipas e através da institucionalização”, disse.