Já nem vale a pena pensar em maiorias absolutas. A política espanhola está fragmentada, o bipartidarismo continua morto (mesmo que tenha recuperado um pouco dos resultados de 2015) e só se houver acordos entre as várias forças políticas é que Espanha conseguirá chegar ao Governo que lhe escapa desde as eleições de dezembro do ano passado.
Em Espanha, a votação de um Governo pode fazer-se em duas fases. A primeira votação requer que o Congresso dos Deputados aprove a solução proposta com maioria absoluta (176 votos). Caso esta fórmula seja chumbada, ela ainda tem uma segunda e derradeira hipótese. Nesse caso, basta que tenha mais votos a favor do que contra — sendo que as abstenções aqui são essenciais.
Eis o que sabemos, com 99,56% dos votos escrutinados. O PP venceu, subiu em relação a dezembro, mas não tem maioria sozinho. O PSOE ficou em segundo, perdendo deputados. O Podemos subiu, mas manteve-se em terceiro. O Ciudadanos também desceu, mas continua em quarto lugar. De seguida, situam-se vários partidos pequenos, de caráter regionalista.
Eis as contas que podem ser feitas a partir de amanhã, com base no número de deputados. A negrito, destacamos as soluções que têm maioria absoluta. Isto é mais do que 176 deputados.
PP + PSOE = 222 deputados
PP + PSOE + Ciudadanos = 254 deputados
PP + Ciudadanos = 169 deputados
As contas, na verdade, são muito semelhantes àquelas que já tinham sido feitas após as eleições de dezembro de 2015 e que acabaram por não resultar num novo Governo, mas sim em novas eleições.
Uma data importante, e que muito contribuiu para este desfecho, foi 4 de março. Nesse dia, deu-se a segunda votação de uma proposta de Governo do PSOE com o Ciudadanos. Bastava que houvesse mais votos a favor do que contra, mas o PP e o Podemos, entre outros, mantiveram os seus votos contra. Não houve Governo nessa altura, nem dois meses depois — o prazo máximo para haver um executivo aprovado. E, assim, houve novas eleições.
PP só pode governar se o PSOE lho permitir
A verdade é que algo vai ter de mudar em relação aos últimos seis meses para que se afaste o cenário de umas terceiras eleições. O próximo passo é o Rei Filipe VI designar o candidato que considera estar mais apto para ser o próximo Presidente do Governo de Espanha. Depois de vencer as eleições e de melhorar em relação a dezembro, tudo aponta que Mariano Rajoy seja o escolhido — basta que aceite, algo que recusou nos últimos seis meses por achar (e saber) que não reunia condições junto dos outros partidos para poder chegar a um acordo.
A partir daí, há duas soluções.
A primeira, é um pacto de centro-direita, com o Partido Popular e o Ciudadanos. Juntos, chegam aos 169 votos — ficam a sete da maioria absoluta. Para uma votação com maioria absoluta no Congresso dos Deputados, terão sempre de ter ajuda de outros partidos. Aqui, a Coligação Canárias, com 1 deputado, e no limite o Partido Nacional Basco, com 5 deputados, podem ajudar o PP. Mas continua a faltar um voto. Rajoy estará na corda bamba.
A chave tem-na o PSOE e Pedro Sánchez. No caso de uma segunda votação, na teoria, os socialistas podiam abster-se, permitindo assim que o PP liderasse o próximo Governo de Espanha e resignando-se a serem o maior partido da oposição no Congresso dos Deputados.
A segunda solução é mais abrangente, mas também mais difícil de obter: uma grande coligação a três, entre o PP, o PSOE e o Ciudadanos. Seriam, em teoria, 254 votos favoráveis, o que resultaria numa aprovação de grandes contornos. Mas o que os últimos seis meses nos disseram foi que este cenário não é fácil de obter. Alguém terá de ceder — sobretudo o PSOE, que terá de dar o dito por não dito e viabilizar um Governo do PP. Mas também o PP poderá ceder, lançando outro nome para o lugar de Mariano Rajoy — uma exigência feita de forma assídua por Albert Rivera, do Ciudadanos, que fala de uma “regeneração política”.
Soluções à esquerda ainda mais difíceis
Mas também há soluções à esquerda e ao centro, embora que difíceis, depois de o PSOE e o Unidos Podemos terem perdido, no seu conjunto, assentos parlamentares em relação às eleições de dezembro.
PSOE + Unidos Podemos = 156 deputados
PSOE + Ciudadanos = 117 deputados
PSOE + Ciudadanos + Unidos Podemos = 188 deputados
A primeira solução, difícil, envolve o PSOE e o Unidos Podemos. De igual forma à solução do PP com o Ciudadanos, é difícil que consigam a maioria absoluta para serem aprovados numa primeira votação. Numa segunda, precisariam de obter a abstenção do Ciudadanos — algo que Rivera não facilitará, tendo em conta o seu discurso em defesa do “centro” e contra os “extremismos”.
A segunda, junta a única solução que chegou a ir a votos no Congresso dos Deputados desde dezembro de 2015: o PSOE com o Ciudadanos, que agora somam 117 deputados. Se em março já foi difícil, a partir de agora mais difícil será. Tanto um como outro perderam deputados (13, no total). Precisariam sempre da abstenção do PP (que dificilmente permitiria uma solução de Governo em que não participassem), que conta com 137 deputados. Ou seja, mais do que o PSOE e o Ciudadanos juntos.
Finalmente, a terceira opção, mais ampla, passaria dos 176 deputados. Para tal, seria preciso que o PSOE, o Ciudadanos e o Unidos Podemos dessem as mãos. Mas esta hipótese nunca agradou ao Ciudadanos nem ao Unidos Podemos, muito distantes um do outro — mesmo que o PSOE tenha feito por esta fórmula numa última tentativa para formar Governo em março e em abril.