A manhã desta sexta-feira ficou marcada pela visita do Papa Francisco ao campo de extermínio nazi de Auschwitz-Birkenau, que percorreu quase sempre em silêncio durante cerca de duas horas. Antes de passar pelos caminhos do “lugar de horror”, como lhe chamou no início do ano ao anunciar a intenção de visitar o local, o Papa encontrou-se com sobreviventes do Holocausto e também com um grupo de “justos entre as nações”, designação atribuída àqueles que ajudaram judeus a fugir da morte.
Dois dos sobreviventes que se encontraram com o Papa contaram, antes desse momento, a história do tempo que passaram no campo de Auschwitz. Ewa recorda que foi para o campo depois de nascer e Alojzy conta como não quis ir à enfermaria para não o matarem.
Ewa Umlauf, que sobreviveu a Auschwitz apenas com dois anos de idade, lembra a “sorte” que teve por chegar ao campo “apenas dois dias antes do fim dos gaseamentos”. Ewa chegou em 1944, já perto do final da guerra. “Quando os russos se estavam a aproximar, os alemães pararam os gaseamentos”.
A vida de Ewa ficou marcada por um início atribulado. “Nasci em dezembro de 1942, no campo de trabalho de Nowaki, na Eslováquia, e depois fui transportada para outro campo, Auschwitz”, recorda a mulher, agora com 73 anos.
Durante o tempo em que esteve no campo, esteve alojada num bloco para crianças. A mãe e o pai estiveram separados, em áreas distintas. O pai acabou por morrer, e os médicos achavam que nem a mãe, grávida, nem a própria Ewa, muito doente, conseguiriam sobreviver. “Mas eu voltei a ter saúde e a minha mãe deu à luz a minha irmã, em abril de 1945”.
“Estes medos, este estado de espírito e estas doenças físicas duraram toda a minha vida por causa das minhas experiências em Auschwitz”, confessou a sobrevivente, numa entrevista em que quis aconselhar os jovens a “lutar para viver”. Para Ewa, que viu a sua mãe grávida sobreviver a um campo de concentração, tirar um curso e tornar-se professora, “aprender com o passado dá-nos poder, porque o passado nunca acaba”.
“Se não pensas no passado, não tens futuro”, advertiu a sobrevivente de Auschwitz. Ewa era a prisioneira número A-26959.
Outro dos sobreviventes que se encontraram com o Papa Francisco, Alojzy Fros, garante que “é preciso vivê-lo para entender”. Fros, nascido em 1916, chegou ao campo em agosto de 1943, depois de ter sido preso por conspiração. Quando chegou a Auschwitz, ficou no hospital durante dois meses. Depois, foi-lhe atribuído um trabalho lá dentro: iria organizar e distribuir pacotes e encomendas para entregar aos prisioneiros.
“Pessoalmente, não sofri fome”, reconheceu Alojzy Fros, o prisioneiro número 136223. Mas, no início, teve medo. “Quando cheguei fiquei doente com escarlatina, mas não queria ir à enfermaria, porque tinha ouvido dizer que lá existiam as “wybiórki”, a seleção dos prisioneiros que não tinham bom aspeto, que estavam magros, e que eram levados para os crematórios”, recorda Fros.
Aconselhado pelos colegas, acabou por ir à enfermaria, “porque podia infetar os outros”. “Vou lembrar-me disso durante toda a vida. Era no bloco 21, e depois de me receberem levaram-me para uma sala no primeiro piso. A porta para as casas de banho estava aberta, e ao passar por ela vi corpos humanos empilhados como madeira na floresta. Uma camada sobre outra, algo com um metro e meio de altura”, recorda o sobrevivente. Na altura, questionou-se sobre o que seria aquilo e a resposta foi assustadora: “Um oficial das SS, que também era médico, escolheu as pessoas mais fracas, injetou-as com fenol no coração e morreram. Depois, chegou um camião e levou-os para os crematórios em Birkenau”.
Alojzy Fros, que vinha de uma família crente, disse que teve dúvidas em relação à fé. Mas, no fim, foi essa fé, de que duvidou, que o ajudou. “Mesmo antes da evacuação [no final da guerra], quando eles não sabiam o que fariam connosco, se nos executavam ou não, eu estava a rezar, com fé, sem dúvidas”.
Alojzy Fros e Ewa Umlauf são apenas dois dos sobreviventes de Auschwitz que guardam histórias de uma realidade difícil de imaginar. Os dois estiveram esta manhã com o Papa Francisco, no campo onde já estiveram presos, e puderam conversar com ele sobre as suas vidas.
Durante a visita, Francisco permaneceu sempre em silêncio. A única mensagem que tornou pública foi a que escreveu no livro de visitas do museu que hoje funciona nas instalações do campo: “Senhor, tem piedade do teu povo. Senhor, perdoa tanta crueldade”. Francisco visitou ainda a cela onde esteve preso São Maximiliano Kolbe, um padre polaco que esteve preso no campo e pediu para morrer à fome na vez de um soldado polaco.
Francisco foi o terceiro Papa a visitar o campo de Auschwitz. Antes, S. João Paulo II, em 1979, e Bento XVI, em 2006, também lá tinham estado.