O deputado do PSD Fernando Negrão apelou ao primeiro-ministro “que dê uma explicação aos portugueses” sobre a questão das viagens oferecidas pela Galp a três secretários de Estado para irem a jogos da seleção no Euro. “As questões éticas têm de ser resolvidas até às últimas consequências”, afirmou o ex-juiz social-democrata. “O caso não está devidamente esclarecido”, porque o código de conduta anunciado pelo Governo “não encerra o assunto”, afirmou em conferência de imprensa na sede do partido.

Pegando nas palavras do ministro Augusto Santos Silva que deu o caso por “encerrado” na quinta-feira, Fernando Negrão disse que, “não estando encerrado”, o processo deve ser esclarecido porque, justificou, “não podem subsistir quaisquer tipo de dúvidas sobre o relacionamento entre o Governo e as empresas privadas”. Para o ex-ministro da Justiça do PSD, que também foi diretor da Polícia Judiciária, o código de conduta que o Governo promete criar não põe uma pedra sobre o assunto, porque “o código de conduta já existe”. E enumerou:

Já existe para os funcionários da administração fiscal, estando envolvido o secretário de Estado que tem as mesmas obrigações da administração tributária, onde fica muito claro que é proibido gozar de qualquer prenda e hospitalidade. É uma questão de hospitalidade. A Galp ofereceu a viagem e o secretário de Estado aceitou.”

O social-democrata falou depois da questão criminal, que “cabe às autoridades judiciais averiguar”, referindo que “a Procuradoria-Geral da República está a indagar a possibilidade de abrir um inquérito criminal, ou não”.

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Fernando Negrão salientou ainda as limitações com que ficam os governantes do ponto de vista administrativo, como o Observador avançou esta quinta-feira: “Este secretário de Estado fica inibido de ter qualquer tipo de relação com a Galp. Como é possível que três governantes com áreas estratégicas e ligações a esta empresa continuarem em funções e estarem inibidos por terem aceitado uma oferta dessa empresa?”

António Costa, que ainda não apareceu em público a comentar o caso, foi o alvo principal do PSD na conferência de imprensa: “O senhor primeiro-ministro não pode continuar em férias”, porque “tem responsabilidades muito especiais nesta área, por estarmos a falar de ética na governação”, afirmou Fernando Negrão.

Os partidos que apoiam o Governo no Parlamento também foram interpelados pelo deputado social-democrata, ao questionar a “posição do PCP e do BE sobre o que aconteceu às bandeiras permanentemente erguidas sobre a promiscuidade com os privados e o grande capital”. Negrão perguntou: “Aniquilaram o poder económico, ou o aconchego do poder deu-lhes uma atitude burguesa?”

“O partido não é polícia dos deputados”, afirmou Negrão

Sobre a mesma polémica que tem afetado deputados do PSD, Fernando Negrão começou por dizer que “o grau de exigência será o mesmo em relação ao dos membros do Governo”. Mas a seguir disse o contrário: “Mais importante que o caso dos deputados é a dos governantes. Não podemos desfocar-nos dos governantes. Esses é que tem alguma coisa a dar em troca, e a corrupção é uma coisa exercido da de forma sofisticada”.

O PSD tem pelo menos um deputado na mesma situação dos secretários de Estado. Cristóvão Norte, como revelou o Observador esta sexta-feira, também foi ao Euro a convite da Galp. As justificações de faltas de pelo menos três deputados da bancada laranja têm suscitado dúvidas: são os casos de Luís Montenegro, líder parlamentar, que justificou a sua falta com “trabalho político” tal como Luís Campos Ferreira, e Hugo Lopes Soares, que invocou “motivo de força maior”. Estes deputados desmentiram a notícia do Observador de que tinham viajado para o Euro a convite de Joaquim Oliveira, dono da Olivedesportos, e amigo pessoal de todos eles. Depois de dizer que não é “polícia dos senhores deputados” e de afirmar que “o partido não é polícia dos deputados”, Negrão referiu que cada deputado “assumirá as suas responsabilidades perante os eleitores”. O deputado referiu-se assim aos casos dos parlamentares sociais-democratas:

Temos acompanhado essa situação, dos deputados do PSD que se deslocaram a jogos do Euro. Temos não só nota de quais os deputados presentes, como dos seus desmentidos e como pagaram as suas viagens. Teremos o mesmo grau de exigência, mas o nosso enfoque principal é nos membros do Governo, no poder executivo.”

Negrão começou por defender a demissão de Rocha Andrade, depois recuou

Fernando Negrão já tinha dito na noite de quarta-feira, no programa Negócios da Semana, da SIC Notícias, que a conduta de Rocha Andrade “podia configurar a prática de crime” de recebimento indevido de vantagem. Quanto à exceção prevista na lei, que exclui “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”, Negrão disse que “nada disto corresponde aos bons usos e costumes”. Afirmou ainda que o problema do secretário de Estado era agravado pelo fato de a oferta ter sido efetuada pela Galp. “Acho que deve refletir sobre a sua continuação no Governo, porque é secretário de Estado de uma área muito sensível, muito próximo do primeiro-ministro e a sua situação fica muito fragilizada”. No mesmo dia à noite, o CDS também pediu a demissão do secretário de Estado. No entanto, na conferência de imprensa desta sexta-feira, Negrão disse que “o PSD, por norma, não pede a demissão de membros do Governo”, cuja nomeação ou manutenção cabe ao primeiro-ministro. “É da responsabilidade exclusiva do primeiro-ministro. O primeiro-ministro decidirá e os portugueses avaliarão”, afirmou na conferência de imprensa.

Logo que a polémica rebentou, o PSD fez um requerimento ao primeiro-ministro sobre a empresa que ofereceu as viagens: “Em que consistiu a oferta, qual a natureza das despesas incluídas (passagens aéreas, alimentação, bilhetes para o evento, entre outras) e quais os respetivos montantes”.

Mas o PSD também quis saber se “algum outro membro do Governo e qual recebeu ofertas para assistir a jogos de futebol ou outros eventos por parte de empresas que tenham relações com o Estado, seja de natureza contratual, comercial, administrativa ou, ainda, litigiosa?”. E se isto tiver acontecido, se a “atividade das empresas oferentes tem alguma relação ou conexão com a área setorial de tutela dos referidos membros do Governo”, qual a empresa em causa e em que consistiu a oferta, bem como qual a natureza das despesas que incluiu e respetivos montantes”. Para já sabe-se que o secretário de Estado o da Inovação, João Vasconcelos, e o secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Oliveira, viajaram a convite da mesma empresa.