257 dias depois de Espanha ter ido a eleições em dezembro do ano passado — e com outras pelo meio, em junho de 2016 —, Mariano Rajoy tornou-se no primeiro vencedor de umas legislativas a ver a sua proposta de Governo a ser chumbada pelo Congresso dos Deputados.
A situação é “excecional”. Assim o disse Mariano Rajoy, no único discurso que fez, antes da votação que terminou com 180 votos contra a sua proposta de Governo, suficientes para vencer os 170 votos favoráveis. “Em todos os países civilizados, o partido socialista é um aliado de qualquer partido com o qual partilha o consenso constitucional básico. Em qualquer país civilizado, em Espanha também. Pelo menos até hoje”, atirou a Pedro Sánchez, do PSOE.
O líder dos socialistas foi o principal alvo do discurso de Mariano Rajoy, que acusou Pedro Sánchez de não ter alternativa ou, melhor, de ter apenas uma que classificou como indesejável: “Não a tem porque ela não existe, salvo a pouca desejável de uma frente heterogénea, extremista e contraditória”, disse.
Já Pedro Sánchez acusou Marinoa Rajoy de deixar um legado fraturante, após ter governado quatro anos sem necessidade de negociar com a oposição. “Quatro anos de maioria absoluta, quatro fraturas”, enunciou o líder socialista. “A territorial, a social, a económica e a política, que você não foi capaz de resolver e que com mais quatro anos em frente do Governo o único que pode fazer é agravar.”
Na ordem dos oradores, seguiu-se Pablo Iglesias, do Podemos, que acusou Rajoy e o Partido Popular (PP) de não terem entendido o que se passou no país nos últimos dois anos e meio: “Vocês não entenderam que o espaço político que eu represento aqui já governa as principais capitais espanholas”, disse, em alusão aos acordos municipais com forças do Podemos e de outros partidos em Madrid, Barcelona e Valência. “Não fale como se fosse o Estado, porque você não é o Estado, e fale connosco com respeito”, atirou Pablo Iglesias a Mariano Rajoy.
Por fim, a fechar o ramalhete dos quatro principais partidos espanhóis, cujas dinâmicas estão cada vez mais a deixar para trás o bipartidarismo de outrora, falou Albert Rivera, do Ciudadanos. Nas duas sessões de investidura chumbadas dos últimos 258 dias, o Ciudadanos esteve sempre pelo “sim”. Primeiro, em março, com o PSOE. Agora, depois de mais de oito meses de impasse político, esteve ao lado do PP.
Foi desses galões que Albert Rivera puxou, na altura de falar, criticando o tom pouco conciliatório dos líderes dos outros três partidos. “Não sei se o que vimos nos últimos minutos nestas tribunas é a melhor maneira de chegar a um acordo, sinceramente”, disse. E falou contra a realização de umas novas eleições, referindo a interpretação que os espanhóis poderiam fazer: “Umas terceiras eleições seriam muito pouco democráticas, deixem-me que vo-los diga. É dizer aos espanhóis que os seus votos não valem nada. É dizer aos espanhóis que os deputados, até que não chegue o resultado que lhes agrada, não se vão pôr de acordo”.
Se não houver Governo até 31 de outubro, há novas eleições… (talvez) no Natal
Após ser chumbado, Mariano Rajoy deixa de ser formalmente candidato à Presidência do Governo. Agora, cabe ao Rei iniciar uma nova ronda de consultas com os partidos com representatividade parlamentar, que servirão para determinar qual deles está em melhor posição para formar Governo. Caberá a esse líder partidário fazer uma proposta de Governo para ser aprovada pelo Congresso dos Deputados até 31 de outubro, data que assinala a passagem de dois meses desde a votação de quarta-feira desta semana, dia 31 de agosto.
Se não houver solução até àquela data, o Rei terá de dissolver o parlamento e convocar novas eleições para daí a 54 dias ou para o primeiro domingo depois desse período. Neste caso, a data seria 25 de dezembro, dia de Natal — algo que tem preocupado os partidos políticos em geral, que já falam abertamente de uma alteração da lei eleitoral que encurte o período de campanha e adiante as eleições para o dia 18 de dezembro. Se não houver consenso para alterar a lei eleitoral, as eleições terão de ser mesmo no Natal.
Porém, a próxima data no calendário político espanhol são as eleições autonómicas no País Basco e na Galiza, agendadas para 25 de setembro. Só depois dessa data é que os partidos deverão analisar a atual situação e agir em conformidade com as suas conclusões. Dentro do PSOE, há vozes destacadas que deverão começar a pedir à cúpula do PSOE que “reflita” sobre o seu “não” ao PP, abrindo ainda mais as fissuras entre os líderes regionais dos socialistas e a direção do partido.
Seja como for, o caminho para Mariano Rajoy voltar a ser escolhido pelo Rei Filipe VI para ser candidato à presidência do Governo parece estar cada vez mais apertado. Isto porque, à semelhança do que aconteceu após as eleições de 1996 — que o PP de José María Aznar venceu sem maioria absoluta mas contou com a ajuda do Partido Nacional Basco (PNB) —, entre as hostes do PP ainda há uma réstia de esperança de que os bascos de centro-direita lhes permitam governar. Pode ser com votos a favor ou abstendo-se numa hipotética sessão de investidura.
De acordo com aquilo que foi deixado claro pelo representante do PNB no Congresso dos Deputados, Aitor Esteban, isso não deverá acontecer. “O Partido Nacionalista Basco não liga aquilo que possa vir a acontecer nas eleições bascas com o que se passa na Presidência do Governo. Não o fez agora nem o fará depois”, garantiu. “A nossa posição é firme: não podemos votar favoravelmente um candidato que durante cinco anos fez ouvidos de surdo ao Governo basco.”
Ainda assim, mesmo que Aitor Esteban e o PNB voltassem atrás e decidissem apoiar o PP, os seus números não seriam suficientes para dar um Governo a Mariano Rajoy. Isto porque, somando os assentos parlamentares dos partidos que já apoiaram o PP (Ciudadanos e a Coligação Canária) com o PNB, o número fixa-se nos 175. Ou seja, a apenas um voto da maioria absoluta. Neste momento, não é claro onde Mariano Rajoy possa ir buscá-lo.