A palavra-chave
“Espantalho”
Nem venham com o “espantalho da austeridade”. Pedro Passos Coelho chegou a Castelo de Vide, no dia 4 de setembro, para fazer o seu discurso da rentrée. Durante longos 40 minutos, lembrou que foi o PS, em primeira instância, que chamou a austeridade em 2010 quando começou a implementar os Planos de Estabilidade e Crescimento e acabou a assinar o programa de ajuda externa da troika. Já nessa época o PS tinha um modelo, e, segundo Passos, o modelo falhou. Agora, o PS pediu ajuda à esquerda para implementar um modelo semelhante e está “condenado ao fiasco e ao fracasso”. Porquê? Porque os partidos que apoiam o Governo só se entendem para a gestão do dia a dia, para “reverter” as medidas do anterior governo e para pôr em marcha a devolução de rendimentos que estava estabelecida nos acordos iniciais. Depois disso, mais nada. “Não têm capacidade reformadora. Se tiverem de reformar alguma coisa desentendem-se todos”, disse em Castelo de Vide.
É esta a linha discursiva que tem marcado as intervenções de Passos Coelho nos discursos da rentrée. Começou a ser ensaiada na Festa do Pontal, em meados de agosto, quando o líder do PSD chamou a atenção para o facto de a solução de Governo à esquerda estar esgotada. Mas Passos diz que não quer a “desforra” só para recuperar o poder perdido. Mais do que “salvar a pele”, assegura, quer mesmo é “salvar o país”. E eis o novo “que se lixem as eleições”, de 2012:
O importante não é termos pressa de regressar ao poder para nos desforrarmos, para voltarmos a ser o que já fomos, isso não interessa”.
Ou seja, não importa o “resultadozinho” conseguido na eleição seguinte, o que importa é “o país e os portugueses”, disse em Castelo de Vide, voltando depois a ensaiar novas fórmulas da mesma ideia em Coimbra, quando encerrou as jornadas parlamentares do PSD.
Como Passos prepara os discursos?
Não os escreve e alooonga-se
Para o bem e para o mal, Pedro Passos Coelho não escreve os discursos (salvo raras exceções). Há quem diga que é amadorismo, que não resulta, que faz com que Passos não empolgue as massas quando precisa de o fazer, porque anda às voltas na mensagem e não vai direto ao ponto. Mas, entre a equipa do ex-primeiro-ministro, esse “amadorismo” é visto como uma espécie de elevação; é o que distingue Passos dos restantes políticos que, erradamente, mergulham na “espuma dos dias” e vão atrás do óbvio, dizem.
Passos tenta ver mais além, acima da politiquice — afirmam fontes do PSD ao Observador — mas talvez por se sentir incompreendido nessa forma de fazer política tem necessidade de o explicar. Foi o que fez em Coimbra, quando discursou perante os deputados do PSD. “Há uma predominância do que é instantâneo e isso dá a muita gente a ilusão de estar a acrescentar qualquer coisa no debate, mas nós não devemos estar muito preocupados com esse debate instantâneo. Devemos estar mais preocupados com um horizonte maior para depois as pessoas tirarem conclusões. É esse debate que queremos ganhar”, disse então o líder do PSD.
Certo é que as intervenções de Passos Coelho são célebres por serem longas e pouco amigas dos jornalistas, sobretudo dos de rádio e televisão, que precisam de “cortar os sons”. Mas como cortar sons quando as ideias são transmitidas em frases longas e repletas de parênteses? Pouco eficaz, dirão uns. Sólido do ponto de vista do conteúdo, dirão outros.
Questionada pelo Observador, a equipa de assessoria do líder do PSD recusa-se a falar sobre a forma dos discursos do líder. “Não é assunto”, dizem. Só o conteúdo importa, mesmo que a forma discursiva não esteja a ser a mais eficaz para fazer chegar a mensagem.
Pedro Passos Coelho “tem horror a discursos onde só tem de falar de uma coisa porque prefere explicar tudo, prefere falar de tudo porque está tudo interligado”, diz ao Observador o atual deputado Miguel Morgado, anterior speechwriter de Passos em São Bento. Tem horror à “superficialidade”, à “banalização da informação” e até ao soundbite. “O problema do soundbite é que resume-se a isso, perde-se tudo o resto”, explica, sublinhando que não é do estilo de Passos resumir uma intervenção que nunca tem menos de meia hora (geralmente tem 40 minutos) a apenas uma ideia-chave. A memória de Passos Coelho para os números é outra característica: cita números de cabeça em discursos não escritos e Miguel Morgado até se lembra do dia em que, num discurso importante (nos tempos da troika), Passos corrigiu na hora um número que tinha sido erradamente escrito no papel que tinha em mãos.
Apesar de não escrever os discursos, é o próprio que faz as suas anotações, em função (ou não) de conversas que teve com os colaboradores mais setoriais do seu gabinete. Assim que começa a discursar, não há quem tenha mão nele. É também ele que decide a roupa que veste ou a gravata que usa — longe vão os tempos em que Miguel Relvas e uma assessora davam opiniões sobre o assunto — e é por decisão dele que mantém o pin da bandeira de Portugal na lapela.
As bengalas de linguagem
“Permitam que diga” que “para futuro…”
“Não há nenhuma razão para”, “nessa matéria”, “permitam-me que diga”, “quando no passado…”, “temos de acrescentar horizonte para futuro”, “para futuro”, “não podemos ficar a discutir a espuma dos dias mas devemos transmitir o que é verdadeiramente importante para futuro”. “Para futuro”. “Para futuro”.
Bengalas há muitas, e não é que no caso de Passos Coelho sejam particularmente problemáticas. A bengala maior talvez seja mesmo a extensão dos discursos, o alongamento, as voltas redondas que dá para chegar a uma ideia, indo muitas vezes pelo caminho mais longo e sinuoso, com palavras pouco usadas no dia-a-dia, ou até inventadas (como a famosa “malabarice”), do que pela via rápida.