O alegado “acordo secreto” entre François Hollande e a Comissão Europeia, que isentava a França do cumprimento das metas do défice, já mereceu o repúdio de vários protagonistas políticos portugueses. Esta quinta-feira, o eurodeputado social-democrata e vice-presidente do PPE, Paulo Rangel, questionou formalmente a Comissão Europeia sobre a existência deste acordo. Também Nuno Melo, eurodeputado democrata-cristão, fez chegar ao executivo comunitário uma questão com caráter de urgência sobre a suposta dualidade de critérios.

As questões enviadas por Paulo Rangel e por Nuno Melo surgem na sequência da publicação de um livro sobre o Presidente francês, onde Hollande revela a existência de um “pacto” entre a Comissão Europeia e as autoridades francesas, que permitiu à França escapar a sanções por défice excessivo nos últimos anos, através de uma “maquilhagem” das contas públicas divulgadas.

Na obra, entretanto consultada pelo Expresso, Hollande é citado a justificar a existência deste acordo como sendo “o privilégio dos grandes países”. O Presidente francês terá ainda dito que a promessa de França à Comissão Europeia de manter o défice abaixo dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB) foi “uma mentira pura e simples, aceite por todas as partes”, tanto no período da presidência de Durão Barroso como na atual presidência de Jean-Claude Juncker.

Perante esta revelação, Paulo Rangel vem agora questionar a Comissão Europeia se “é verdade que França celebrou um acordo — formal ou informal, secreto ou não — que lhe permitiu contornar as regras aplicáveis à zona euro, em sede de défice e de dívida, beneficiando de um tratamento ilegal e discriminatório” e, a ser verdade, “quem foram os responsáveis europeus e franceses por essa prática e a que procedimentos de responsabilização política e jurídica ficarão sujeitos”.

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A iniciativa de Nuno Melo vai no mesmo sentido. O eurodeputado democrata-cristão desafia a Comissão Europeia a confirmar a “existência do referido acordo” e lembra que os responsáveis europeus nunca explicaram “a aplicação dos mesmos critérios a França” quando foram iniciados os processos por incumprimento por défice excessivo contra Portugal e Espanha. Recorde-se que Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, quando questionado sobre o facto de França, apesar de ter ultrapassado o limite de 3% do défice, ter escapado às sanções respondeu simplesmente: “Porque a França é a França”.

Acordo secreto chega ao Parlamento. Governo diz não querer acreditar

No primeiro dia do debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2017, o Bloco de Esquerda não deixou de levar a notícia sobre o alegado “acordo secreto” entre a Comissão Europeia e o Governo francês ao Parlamento. Mariana Mortágua aproveitou o tema para questionar as metas orçamentais impostas a Portugal.

“No dia em que sabemos que a França passou os últimos anos ao abrigo do acordo secreto com a Comissão Europeia e também com Durão Barroso para não cumprir as metas do défice, como é que se explica que Portugal, um dos países com mais dificuldades na zona euro, se possa dar ao luxo de apresentar o maior saldo orçamental primário da União Europeia”, perguntou a deputada bloquista.

O Governo socialista também já reagiu à questão. Em declarações à Rádio Renascença, Margarida Marques, secretária de Estado dos Assuntos Europeus, foi taxativa: Portugal não quer sequer imaginar esse cenário.

“É muito importante ficar claro que as regras são iguais para todos. Nós não compreendemos, não aceitamos, não consideramos como verosímil que a Comissão Europeia tenha feito um acordo com o Governo francês que não respeite as regas do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do tratado orçamental”, deixou bem claro Margarida Marques.

Na conferência de imprensa diária desta quinta-feira, escreve a RTP, o porta-voz da Comissão, Margaritis Schinas, escusou-se a comentar a questão, limitando-se a dizer que não leu o livro em questão. Já a porta-voz para os Assuntos Económicos, Annika Breidthardt, afirmou que “todos os Estados-membros são tratados de forma igual e de acordo com a sua situação específica à luz do Pacto de Estabilidade e Crescimento”.

O que é certo é que esta revelação já mereceu o absoluto repúdio de vários dirigentes do PS francês, incluindo do próprio primeiro-ministro, Manuel Valls, que veio dizer que os socialistas franceses sentem “vergonha e cólera” pelas palavras de Hollande.

O livro Um Presidente Não Devia Dizer Isso… é assinado por dois jornalistas de investigação Gerard Davet e Fabrice Lhomme e nasceu de uma série de entrevistas informais (mais de 60) com o Presidente francês.