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CGD. Os dois sucessos e as sete confusões de Centeno

Este artigo tem mais de 5 anos

Passaram nove meses desde que o ministro das Finanças encontrou um novo presidente para conduzir a CGD num momento sensível. A sua gestão do processo tem sido questionada. Onde falhou o ministro?

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MIGUEL A. LOPES/LUSA

MIGUEL A. LOPES/LUSA

“Ah, já agora só para dizer — que não perguntaram — é obviamente um disparate completo a ideia que o ministro das Finanças está para sair do Governo“. Era 5 de novembro. António Costa já ia a entrar no hotel Altis para uma reunião do PS quando deu meia volta, quase descontrolado, de sobrolho carregado, visivelmente irritado e respondeu a uma pergunta que não tinha sido feita. No segundo anterior, os jornalistas tinham estado a insistir com as condições que o Governo prometera a António Domingues para assumir a presidência da Caixa Geral de Depósitos. As dúvidas eram muitas nesse dia e mantêm-se (ver na cronologia abaixo), mesmo que, entretanto, o Executivo tenha acertado a agulha das declarações públicas feitas pelos seus membros. Há uma certeza: a gestão do processo do banco público tem sido um dos motivos de maior desgaste deste Governo, com o ministro das Finanças à cabeça. A solução socialista para dispersar atenções tem sido apontar os méritos ao processo de recapitalização. Mas as falhas, mesmo que empilhadas no canto da sala, estão lá.

Em julho passado, numa entrevista ao Observador, o porta-voz do PS, João Galamba, já avisava que o processo da Caixa “era difícil” e que era “inevitável” que o ministro das Finanças sofresse “algum desgaste” nestes meses. Dias antes dessa entrevista, o líder do PS tinha ouvido, numa reunião do grupo parlamentar, algumas críticas sobre a condução que o ministro Mário Centeno estaria a fazer do processo de recapitalização do banco público. Eram apontadas, sobretudo, “falhas de comunicação” e ainda se estava longe de mais uma série de polémicas sobre o mesmo tema, desencadeadas por Marques Mendes, sobre a obrigação de os novos gestores do banco entregarem no Tribunal Constitucional declarações de património e rendimentos. O caso pode ser consultado em detalhe nesta cronologia de factos:

Em resumo: a nova administração pode estar de saída por não se cumprir uma condição que o Governo publicamente diz que nunca assumiu, mas que o Ministério das Finanças já disse que foi negociada com António Domingues quando o convidou para a Caixa. Quem sai mais chamuscado desta embrulhada? Mário Centeno? “Chamusca todos, naturalmente, porque atrasa um processo essencial para estabilizar do sistema financeiro, que é a capitalização da Caixa. Não me parece que se deva fulanizar”, conclui o deputado socialista Vitalino Canas. O que o PS tem feito é afastar a eventual demissão de Centeno — que chegou a ser noticiada pelo semanário Sol, e era a tal notícia a que Costa reagiu de forma impulsiva. O deputado Filipe Neto Brandão diz mesmo que, neste caso, Centeno “sai completamente por cima” e acrescenta que “a questão da Caixa é da administração. Os administradores têm obrigações legais a cumprir”.

A 25 de outubro, o Ministério das Finanças chegou a fazer uma comunicação pública a responder à questão se tinha sido um lapso a falha da entrega de declarações de rendimentos e património: “Não foi um lapso. O escrutínio já é feito pelo acionista”. No dia seguinte, logo cedo, Neto Brandão foi dos primeiros socialistas a avisar, num post no facebook, que a lei sobre o controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos e públicos era clara e para os administradores da Caixa, empresa “100% participada pelo Estado”. Agora, quando confrontado com a diferença de posições, o deputado socialista prefere apontar para a declaração feita no dia seguinte pelo secretário de Estado Adjunto das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, sobretudo a parte em que declarava: “Se os novos administradores tiverem de entregar de acordo com essa lei [de 1983], então terá de entregar”. Mas nessas declarações ao Diário de Notícias, Mourinho também admitia que a não entrega de declarações tinha sido “intencional. Sabíamos que seria uma consequência da sua retirada do Estatuto do Gestor Público”.

Mas a polémica está longe do fim e, nesta altura, aguarda-se que os novos administradores respondam à notificação do Constitucional. Uma das questões que se coloca é a seguinte: então e se a equipa de António Domingues decidir demitir-se, por não ter visto confirmada uma das condições para a aceitação do cargo? “Evidentemente que… será um embaraço“, comenta um socialista sem arriscar quais podem ser ass consequência para o Governo. Outro deputado do partido não tem dúvidas em afirmar que “há um problema de protagonistas”, mas a saída de Centeno não se coloca porque “Costa não tem uma solução alternativa”. “Não é fácil, no estado em que estamos, encontrar alguém que em pouco tempo consiga refazer uma equipa, continuar a negociar com a Comissão Europeia e que reate as relações com os financiadores do Estado português”.

outra tese, dentro do PS, para a manutenção do economista do Banco de Portugal nas mãos de quem António Costa colocou o seu programa económico assim que tomou a liderança do PS: “Os números da economia é que são determinantes para aferir o sucesso ou insucesso dos ministros das Finanças”. É basicamente a interpretação que António costa tem feito passar, basta ler a frase que deixou há dois dias, na segunda defesa pública que fez de Centeno no espaço de duas semanas:

Um ministro das Finanças que vai conseguir o melhor défice do país dos últimos 42 anos, que conseguiu (algo que toda a gente dizia que era impossível) uma autorização da Comissão Europeia para a capitalização a 100% da CGD está fragilizado? Por amor de Deus, se há ministro das Finanças que deve sentir-se reforçado e a quem todos devemos reconhecer o trabalho extraordinário que tem feito é o professor Mário Centeno.”

Ao “otimista irritante”, como o batizou o Presidente da Republica por outro motivo, resta fixar-se na metade cheia do copo. Mas vejamos se, no caso específico da Caixa, como se divide o copo de Mário Centeno:

Onde teve Centeno sucesso?

  1. Era fundamental para o Governo que a capitalização necessária da Caixa Geral de Depósitos não fosse considerada ajuda de Estado quando ia ser usado dinheiro público para essa operação. O plano tinha de passar na Direção-Geral da Concorrência europeia (DG Comp) e passou. Foi o primeiro grande sucesso que o ministro das Finanças teve para apresentar, tendo em conta que era uma das condições para o processo avançar (era o que pretendia também a nova administração).
  2. O modelo de gestão da Caixa, com um homem-forte (o experiente António Domingues, vindo de quase três décadas no BPI) para dois cargos: o de presidente executivo e presidente não executivo. Não havia certezas de conseguir convencer Bruxelas a aceitar esta acumulação de cargos, que o Banco Central Europeu não permite, mas que acabou por aceitar por estar prevista na legislação portuguesa. Ficou apenas um aviso para que a situação fosse revista daí a seis meses, que ficou para fevereiro do próximo ano. Era, ainda que na condicional, mais uma vitória a celebrar pelo Governo.

Onde falhou Centeno?

  1. A escolha de nomes para a administração da Caixa começou logo por ter tropeções, com dúvidas levantadas sobre a falta de condições ou capacidades de alguns dos escolhidos. O Banco Central Europeu rejeitou oito dos nomes (de administradores não executivos) propostos pelo Governo (ainda que por indicação de Domingues), por excederem o limite de cargos em órgãos sociais de outras sociedades, caso de Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, ou de Carlos Tavares, presidente do grupo PSA Peugeot Citroën. E ainda foram apresentadas reservas e condições para três outros nomes: João Tudela Martins, Paulo Rodrigues da Silva e Pedro Leitão. Os três terão de frequentar o curso de Gestão Bancária Estratégica do INSEAD. E mais uma falha: o número de mulheres não satisfez o BCE que exigiu um terço de mulheres na administração da Caixa até 2018. O Ministério das Finanças chegou a dizer que poderia mudar a lei para acomodar estes administradores, mas foi travado pelo Presidente da República que cortou essas intenções ao dizer que não as via com bons olhos.
  2. As contradições com António Domingues, no início do processo, sobre as auditorias à gestão do banco público desde 2000 foram outra fonte de polémica. Centeno dizia que sim, Domingues dizia em outubro que não, que “formalmente” não tinha sido “incumbido” de fazer essa auditoria. As Finanças garantiram, nessa altura, que a auditoria seria solicitada depois do processo de recapitalização e que isso constava numa resolução do Conselho de Ministros de junho.
  3. Os pormenores sobre o plano de recapitalização do banco público tardaram a ser conhecidos e a gestão do processo, entregue a Mário Centeno, foi muito criticada logo nos primeiros tempos. O PS chegou até a manifestar esse desconforto, numa reunião interna da bancada parlamentar em julho, e o primeiro-ministro terá admitido responsabilidades do Governo e falhas de comunicação no processo que estava a ser conduzido pelo ministro das Finanças.
  4. Mário Centeno cometeu o erro inaugural de ter negociado uma lei à medida de António Domingues e da equipa que este queria contratar, correndo à partida, riscos de violar o princípio constitucional da igualdade, como afirmam vários constitucionalistas ao Observador. Por norma, afirmam três de quatro juristas contactados pelo Observador, um Governo não devia negociar diplomas legislativos, porque não controla na íntegra o processo — que partilha com o Parlamento e com o Presidente da República.
  5. A alteração ao estatuto do gestor público, feita por decreto, para contornar limites salariais dos administradores da Caixa começou por ser uma manobra legal necessária para permitir que os contratados tivessem as mesmas condições que os seus pares no mercado, sem limites aos vencimentos. “A Caixa concorre no mercado como todos os outros bancos e tem de trabalhar no mercado como trabalham os outros bancos. Não é possível que tenha um ordenado alinhado pelo vencimento do primeiro-ministro [como pretende do PCP] e não pelo vencimento normal praticado na banca”, justificava Costa num encontro socialista onde a questão foi levantada por uma militante. Sim, a questão foi levantada por todos os lados, quando se conheceu, pela voz de Centeno, os valores dos salários na Caixa. Quase meio milhão anual para Domingues, mais prémios. Permitir a exceção ao estatuto do gestor público voltou a centrar o debate político, e nem os parceiros do Governo (muito menos eles) no Parlamento, pouparam nas críticas fortes e até propostas para alterar a situação.
  6. A entrega da declaração de rendimentos foi uma das pontas soltas que dizia respeito a uma das obrigações dos gestores públicos que significa uma diferença gigante relativamente ao que se passa no setor privado: é que os titulares de altos cargos públicos têm de depositar no Tribunal Constitucional uma declaração de rendimentos e património nos 60 dias seguintes a iniciarem funções. Os administradores da Caixa estavam fora ou dentro desta obrigação? Eles acharam que não e o ministro das Finanças nunca foi claro sobre este assunto, deixando algumas contradições pelo caminho, como quando disse que não se tratava de um lapso, mas de equiparar as condições da Caixa à que se praticam no privado. Foi contrariado a seguir pelo primeiro-ministro e por outros membros do Governo e do PS. Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, desautorizou Mário Centeno quando fez uma nota no site da Presidência a dizer que os gestores deviam entregar as declarações ao Tribunal Constitucional.
  7. O silêncio do ministro sobre este caso e a falta de esclarecimento claro sobre algumas das dúvidas tem sido imenso e provoca incerteza sobre a continuidade da equipa. Há ou não condições para a administração e manter e que risco isso acarreta para a concretização do plano de recapitalização.

As dúvidas ainda são muitas. Foram garantidas condições pelo Governo a António Domingues? (O Presidente da República foi explícito ao escrever que, sem a promulgação da alteração ao Estatuto do Gestor Público, não haveria esta administração na Caixa). O ministro das Finanças assumiu um compromisso sobre a não entrega de declarações de rendimentos? O Governo queria dispensar os novos administradores desta obrigação? O ministro não conhecia o entendimento do primeiro-ministro sobre a lei? Não falaram sobre este ponto? A administração entrega declarações e mantém-se em funções? Todas estas questões já foram colocadas pelo Observador ao Ministério das Finanças, por email no dia 11 de novembro, mas o gabinete de Mário Centeno não deu qualquer resposta até agora. O ministro estará esta sexta-feira no Parlamento para falar de Orçamento do Estado para o próximo ano, com toda esta embrulhada às costas.

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