O “chumbo” à esquerda não podia ser mais inequívoco. O Governo levou à concertação social uma proposta em que prevê, entre outros pontos, a redução da Taxa Social Única (TSU) que as empresas pagam pelos trabalhadores que beneficiam do aumento do salário mínimo e a atualização faseada do salário mínimo a partir de 2018. Se o segundo ponto suscita reações diferentes à esquerda, a redução da TSU das empresas merece um redondo “não” de Bloco de Esquerda, PCP e CGTP.

Em declarações ao Observador, José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, deixa claro que o partido não concorda “que o aumento do salário mínimo seja compensando com uma descapitalização da Segurança Social” ou que “sejam os contribuintes” a pagar uma medida que é do “mais elementar bom-senso”.

O deputado bloquista recordou, de resto, que, ao contrário do que muitos vaticinavam, o aumento do salário mínimo “ocorreu paralelamente ao crescimento económico” registado, a uma “tímida mas consistente recuperação do emprego” e “também não é verdade que tenha prejudicado as exportações”. “É uma medida sensata económica e um imperativo de justiça”, insiste José Soeiro.

Antes, já Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, tinha caracterizado a medida como “inaceitável”. “É inaceitável que seja o Orçamento do Estado a ter de pagar o ponto percentual que foi lá negociado. Estamos em profundo desacordo com isso, que sejam dinheiros da Segurança Social a alimentar, mais uma vez, o lucro dos patrões”, afirmou o líder comunista, depois do encontro com a CGTP.

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Também Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, teceu duras críticas à proposta do Governo socialista, falando em “continuidade das políticas desenvolvidas” nos últimos anos. “Aqui não há mudança, há continuidade das políticas desenvolvidas anteriormente e que estiveram na origem da contestação e oposição da CGTP”, afirmou o dirigente sindical, depois da reunião com dirigentes do PCP, em Lisboa.

“O Governo, em vez de fazer uma proposta de aproximação à CGTP para se encontrar uma solução, o que fez foi apostar no afastamento. Consideramos inadmissível que os trabalhadores e os reformados estejam, com os seus impostos, a financiar as empresas para aumentarem o Salário Mínimo Nacional”, continuou Arménio Carlos, salientando a falta de atenção à contratação coletiva e à revogação da sua norma de caducidade.

Bloco de Esquerda não abdica da meta dos 600 euros até 2019

A par desta medida, uma contrapartida para o aumento do salário mínimo para 557 euros em janeiro de 2017, o Governo apresentou uma proposta aos parceiros sociais onde prevê que, em 2018 e 2019, o salário mínimo passe a ser atualizado semestralmente, mantendo-se o objetivo de atingir os 600 euros durante o ano de 2019, se “verificadas as condições económicas e sociais que o possibilitem”.

A atualização faseada do salário mínimo mereceu reações distintas à esquerda do PS. Para o bloquista José Soeiro, não sendo esta uma proposta ideal, o importante é que não “sejam colocados em causa os valores mínimos que foram estabelecidos”. Ou seja, nunca os critérios referidos — “condições económicas e sociais” — podem justificar uma atualização do salário aquém do previsto.

Recorde-se que, na posição conjunta celebrada entre Bloco de Esquerda e PS, os dois partidos chegaram a acordo sobre a atualização anual do salário mínimo em 5% até perfazer os 600 euros, em 2019. Atualmente, o salário mínimo é de 530 euros, deve chegar aos 557 euros, em 2017, e aos 580 euros, em 2018. No último ano da legislatura, o salário mínimo deverá ser então os 600 euros, conforme o compromisso assumido pelo Governo. Para o Bloco de Esquerda, de resto, este patamar de atualização mínima não pode ser desrespeitado.

“Não poderia ser de outra forma”, reitera José Soeiro. “Esse acordo está firmado e vertido no programa de Governo do PS. É essencial que se mantenha o compromisso dos patamares mínimos até porque são uma garantia para os trabalhadores de que as pressões feitas contra a atualização do salário mínima não vão resultar. Nenhuma proposta deve pôr em causa esses valores mínimos. Não seria nunca aceitável”, sublinha o deputado bloquista.

O entendimento do PCP é ligeiramente diferente. Os comunistas sempre defenderam um aumento do salário mínimo nacional para os 600 euros já em 2017, pelo que esta proposta do Governo fica manifestamente aquém das pretensões do partido, como defendeu Jerónimo de Sousa.

“Têm de nos explicar a razão por que não é possível [aumento para 600 euros], tendo em conta esta desigualdade no plano dos salários, que é preciso combater”, afirmou o secretário-geral comunista, depois da reunião com a CGTP.

Jerónimo de Sousa voltaria ao tema esta tarde, depois da audiência com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, prometendo que o PCP não deixará de se bater por uma decisão que considera justa.

“A luta pelos 600 euros de salário mínimo é uma luta para continuar, porque não se esgota em relação a qualquer acordo, entendimento ou posicionamento, seja do Governo, seja de forças sociais”, começou por dizer o secretário-geral do PCP, para depois rematar: “Para nós, um objetivo justo não deixa de ser justo mesmo que momentaneamente não seja alcançado. Persistiremos, e naturalmente dependendo também da própria luta dos destinatários desta nossa proposta, dos trabalhadores com o salário mínimo nacional, temos a certeza de que um dia esta proposta, esta iniciativa, este objetivo tão justo acabará por triunfar”.

Arménio Carlos, da CGTP, aumentou a pressão. “Quando as empresas têm lucros eles são distribuídos pelos acionistas. Não se justifica agora que sejam os trabalhadores e reformados a pagar o aumento do salário mínimo. Em segundo lugar, o valor é insuficiente (557 euros). Em terceiro lugar, as propostas apresentadas pelo Governo são piores do que as do seu programa, desde logo porque admitem a implementação faseada dos 600 euros em 2019. Não é a mesma coisa aplicá-los em janeiro ou durante o ano de 2019”, afirmou ainda.

Questionado sobre futuras formas de luta pelas suas reivindicações, o dirigente intersindical referiu que tal será “determinado pelos trabalhadores”. “Não vamos deixar de lutar pelo SMN de 600 euros e pelo aumento geral dos salários em Portugal”, prometeu, justificando-o com os bons índices de atividade económica na hotelaria e turismo, indústria têxtil e de calçado e nos serviços.

Na quinta-feira, dia 22 de dezembro, Governo e parceiros sociais voltam a reunir-se na expectativa de chegarem a um acordo em sede de concertação social.